28/05/2017

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ESTA SEMANA NA 
"SÁBADO"

O romance inédito que o filho de
.Humberto Delgado quer travar

Elsa, escrito até 1963, tem muito de autobiográfico. Um filho foi a tribunal para impedir a edição da obra, mas perdeu

"Há uma mulher na vida de Delgado" - quando um jornal brasileiro publicou uma notícia com este título, nos anos 60, não estava a referir-se à mulher do general, Iva, que ficou em Portugal; nem à sua secretária e companheira brasileira, Arajaryr Campos. Referia-se a "Elsa", a personagem principal que dá título ao romance autobiográfico que o adversário de Salazar desejava publicar. 
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Era suposto ser uma graça, dando a entender que se tratava de um caso amoroso, para depois no texto se explicar que essa mulher era a personagem do romance que o general estava a ultimar. Só que, sem saber, o jornalista não andou assim tão longe da verdade no título. "Hoje ressurgem novos sentidos por trás desse jogo jornalístico", admite à SÁBADO Frederico Delgado Rosa, autor de Humberto Delgado - Biografia do General Sem Medo e neto do biografado.

Nas páginas do romance, o general descreve a relação entre Armando, personagem que não podia ser mais parecida com o autor, e Elsa, a personagem principal, inspirada numa mulher 15 anos mais nova, por quem Humberto Delgado se apaixonou nos anos 40.

Frederico Delgado Rosa não quer para já revelar a identidade da rapariga. Mas não se chamava Elsa e também não era empregada doméstica (como a personagem) - pelo menos no tempo em que se relacionou mais directamente com o avô.

O neto do marechal (posto a que Delgado foi promovido após a morte) desvendou à SÁBADO que se tratava "de uma mulher interiormente emancipada, com um intelecto efervescente e um gosto acentuado pela literatura, pelo teatro e pelo cinema".

A família de Humberto Delgado chegou a conhecê-la, embora não soubesse da ligação entre ambos. A vida afectiva deste opositor do regime não foi propriamente linear. Na Biografia do General Sem Medo, o autor já se tinha referido à paixão do avô pela actriz Maria Spranger, que participou numa peça escrita por ele em 1940, sete anos depois de ter nascido o seu primeiro filho.

Mas Frederico Delgado Rosa recusa sequer usar termos como infidelidade. "Não considero adequado esse termo, que me parece associado a uma noção absoluta e moralista. A correspondência evidencia sentimentos, não me cabendo tecer especulações de outra ordem." As cartas trocadas entre o avô e essa mulher pertencem a um espólio particular.

Salazar e as torturas da PIDE
O regime do Estado Novo é descrito sem poupança de detalhes, a começar pelo líder, Salazar - "Não é dado outro nome ao ditador: ele surge com todas as letras, assim como a PIDE", garante Frederico Delgado Rosa. Também são referidas as torturas e mortes que ocorriam na sede da polícia política, e que o general acompanhou bem de perto enquanto esteve asilado na embaixada do Brasil, mesmo ao lado, pois ouvia os gemidos e gritos dos torturados.

As 185 páginas dactilografadas de Elsa foram entregues à família em 2005, por uma professora brasileira, Luísa Moura, depois de terem estado na posse de descendentes de Arajaryr Campos, a secretária que também foi assassinada pela PIDE em Espanha, a 13 de Fevereiro de 1965 (há 52 anos).

No ano passado, enquanto organizava uma exposição na Sociedade Portuguesa de Autores sobre a figura de Humberto Delgado (membro da SPA entre 1942 e a data da sua morte), José Jorge Letria teve acesso ao romance e alertou Manuel S. Fonseca, da editora Guerra e Paz, para a importância de editar aquele livro, disponibilizando-se mesmo a apoiar financeiramente a edição.

A editora avançou, em articulação com Iva Delgado, a filha do marechal que até aqui tinha tratado de editar as obras do pai: as Memórias de Humberto Delgado e as Crónicas Militares e Políticas da II Guerra Mundial.

Só que, pouco depois do primeiro anúncio relacionado com a edição de Elsa, em Setembro do ano passado, o filho homónimo de Humberto Delgado intentou uma providência cautelar no Tribunal da Propriedade Intelectual. Pediu para suspender de imediato a edição da obra, e anular todos os actos relacionados, enquanto não lhe fosse concedida a possibilidade de exercer os seus direitos, como herdeiro de Humberto Delgado.

Se a obra fosse mesmo editada, o filho pedia que fosse aplicada à Guerra e Paz uma sanção superior a 500 euros por dia, de acordo com a sentença, a que a SÁBADO teve acesso.

O filho invocou danos morais por "nunca ter sido consultado nem ter dado autorização para a publicação da obra" e chamou ainda a atenção para o facto de as 185 páginas dactilografadas não terem a assinatura do pai, pelo que caso se concluísse que a obra não era do pai isso representaria "uma violação à sua memória e bom-nome".

Mas o tribunal deu como provados os indícios de que "Elsa é um romance inédito da autoria do marechal Humberto Delgado". E indeferiu a providência cautelar, considerando que quaisquer proveitos recebidos por Iva Delgado devem ser partilhados entre os herdeiros (por acordo ou através de processo judicial).

Embora não esteja impedida de avançar, a editora Guerra e Paz suspendeu a publicação da obra, para tentar um acordo entre os dois filhos do marechal e ainda os descendentes da filha já falecida, Maria Humberta. Manuel S. Fonseca disse à SÁBADO que havia perspectivas de agendar uma reunião entre os vários herdeiros até ao fim desta semana, para garantir que todos se podem pronunciar sobre a publicação da obra e partilhar as receitas dos respectivos direitos de autor. O objectivo é impedir que um conflito familiar ensombre a importância do romance inédito.

Para o neto e biógrafo, isso também será sempre mais importante do que as partilhas entre os herdeiros: "Pessoalmente, entendo que Humberto Delgado pertence ao Povo Português, desde que os seus restos mortais estão no Panteão Nacional, para não dizer desde 1958." 

* Realmente Humberto Delgado pertence ao Povo Português, a sua vida devia ser contada nas escolas, incluindo as paixões.

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