Protecionismo efetivo
As empresas
americanas “têm” quase 10% dos lucros na Irlanda, mais de 12% na Holanda
e quase outro tanto no Luxemburgo e Suíça, para não falar dos mais de
15% nos paraísos fiscais.
Os próximos meses de política económica americana vão ser
interessantes. Com o fracasso na substituição do Obamacare e um
orçamento com a Defesa (10%) e os Antigos Combatentes (6%) como únicos
vencedores em 2018, a administração Trump vai repousar sobre a reforma
fiscal como principal linha de política, o que não é forçosamente boa
notícia.
Se as tendências protecionistas de Trump na campanha eleitoral vingarem – o que parece muito provável – veremos chegar as BAT, Border Adjustment Taxes.
Estes impostos são pagos pelas empresas e diferenciados localmente: os
bens importados pagam imposto pleno, enquanto os exportados estão
isentos. Concebidos por Auerbach no fim do milénio passado,
destinavam-se a desincentivar as deslocalizações da produção para países
de baixa imposição fiscal. Mas podem ser uma arma de destruição maciça
do comércio internacional.
Para já, a discussão ficou mais difícil. A derrota na
eliminação do Obamacare impede que esta poupança financie o corte de
impostos da reforma fiscal de Trump, que permitiria a maioria simples
para a aprovação da lei – a reconciliação orçamental. Agora a passagem
da Better Way Bill de Paul Ryan (redução do imposto sobre as
sociedades de 35% para 20% e BAT) vai ter que ser negociada ao detalhe.
Internacionalmente, é um imposto à importação e um subsídio à
exportação, que estará na linha limite das regras OMC, para ser
otimista. Se houver retaliação, a guerra comercial que se seguiria
abrandará o comércio internacional; até onde, fica por ver.
As BAT implicam neutralizar o efeito no comércio externo americano do
dólar forte, que resultaria da retoma da economia americana e da
política monetária menos acomodatícia. O resto do mundo teria uma
combinação das consequências da política monetária americana, a começar
pela subida das taxas de juro, e dos movimentos de capitais para os EUA
resultantes da apreciação do dólar, sem ter os benefícios do maior
consumo interno nos EUA sobre as exportações para este país.
Atualmente, as empresas americanas “têm” quase 10% dos lucros na
Irlanda, mais de 12% na Holanda e quase outro tanto no Luxemburgo e
Suíça, para não falar dos mais de 15% nos paraísos fiscais. Mas as BAT
levam a uma alteração deste padrão, funcionando no modelo oposto:
sobreavaliar a base de produção nos EUA para combinar custos laborais
baixos no estrangeiro com vantagem fiscal em casa, um dumping fiscal que cumprirá um dos slogans do Presidente – fazer a América grande, neste caso o maior paraíso fiscal do planeta.
* ECONOMISTA
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
31/03/17
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