ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
Quem é o tubarão
que comprou o Novo Banco
Saiba quem é John Grayken, o homem por detrás do Lone Star, num retrato traçado pela VISÃO na edição de 12 de janeiro
Os gestores dos fundos de investimento de alto risco costumam ser
retratados como tubarões que atacam e despedaçam as suas vítimas sem
hesitações. Não é por acaso. Na sombra, fazem negócios de milhões sem
que ninguém lhes conheça um pensamento, uma ideia, uma opinião para lá
daquilo que os faz correr – o lucro fácil. John Grayken, fundador do
Lone Star Funds, selecionado pelo Banco de Portugal para a compra do
Novo Banco, é um desses tubarões que praticamente ninguém conhece… e que
alguns teriam desejado nunca conhecer.
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Quem é o homem que quer
comprar, com desconto, um dos maiores bancos portugueses e que
contribuiu para unir, na defesa da manutenção do Novo Banco na esfera
pública, figuras tão díspares como Francisco Louçã, Carlos César,
Manuela Ferreira Leite ou José Maria Ricciardi?
A PALHOTA DO TUBARÃO |
A história de
John Grayken, 60 anos, é, como tantas outras, uma história de sucesso
mas também de ambição desmedida e de ganância. Desde sempre ligado à
banca de investimento, é o único acionista do Lone Star, um fundo que
aposta em negócios de alto risco e que consegue registar rentabilidades
médias anuais de 20 por cento. O Lone Star destaca-se igualmente por não
apresentar um único ano no vermelho. As suas aplicações –
essencialmente em imobiliário mas também em créditos incobráveis dos
bancos em dificuldades – revelam-se sempre bons negócios mesmo em
alturas de crise.
Que fundos são estes?
Fundado
em 1995, o Lone Star tem um capital agregado de cerca de 66 mil milhões
de euros. “À escala americana, não é muito”, comenta Francisco Louçã,
caracterizando-o como “especulador” de “média dimensão”.
Para o
economista e antigo dirigente do Bloco de Esquerda, que enviou uma carta
ao Governo a defender a manutenção do Novo Banco na esfera do Estado, o
objetivo não podia ser mais claro:
“O que eles fazem é comprar dívida
ou empresas em dificuldade, tentam organizá-las para depois as venderem
em pouco tempo, com o máximo de lucro. Pode ser uma venda na totalidade
ou aos bocados. Seja como for, estamos no domínio da pura especulação”,
continua, reforçando que a “função bancária precisa de tempo, tem
relações longas (por exemplo, com créditos à habitação a 40 anos), não é
um setor que se rentabilize em dois anos”.
Uma rapidez a fazer
dinheiro que se viu no negócio dos centros comerciais Dolce Vita. Foi
assim que o Lone Star entrou em Portugal, em 2015, comprando quatro
centros comerciais Dolce Vita que pertenciam à imobiliária espanhola
Chamartín. Ainda no mesmo ano, vendeu três deles ao Deutsche Bank. Por
cá, o Lone Star é ainda proprietário do empreendimento Vilamoura, que
comprou por cerca de 200 milhões de euros.
O mesmo fundo
propõe-se agora comprar o Novo Banco por 750 milhões de euros, injetando
outro tanto para reforçar os seus rácios financeiros. Ao Estado
português exige uma garantia de até 2 500 milhões de euros, para cobrir
uma eventual desvalorização dos ativos do banco. O Lone Star já fez
outras incursões na banca – nomeadamente adquirindo a preço de saldo
dois pequenos bancos alemães resgatados pelo Governo de Berlim em 2008,
um dos quais conserva até hoje –, mas a sua principal vocação é o
investimento imobiliário de cariz comercial.
Excentricidades à americana
Intrigada
com a entrada direta de John Grayken para a 184º posição da lista dos
mais ricos do mundo em 2016, com uma fortuna avaliada em 5,9 mil milhões
de euros, a Forbes traçou-lhe o perfil e chamou-lhe “O banqueiro
milionário na sombra”. O retrato não é simpático e é repudiado por
Grayken, que sempre se mostrou avesso a entrevistas.
Segundo a
Forbes, John Patrick Grayken nasceu em junho de 1956, cresceu em
Cohasset, Massachusetts, numa terra de 7 500 habitantes, situada nos
subúrbios de Boston. É lá que Grayken mantém uma ilha privada,
enquadrada por um cenário natural escolhido para a rodagem do filme As
Bruxas de Eastwick (1987). Licenciou-se em Economia, na Universidade da
Pensilvânia, onde jogou como defesa na equipa de hóquei, e tirou um MBA
em Harvard, em 1982.
Grayken aprendeu a “nadar com os tubarões”
durante uma passagem pelo banco de investimento Morgan Stanley,
juntando-se depois à equipa do milionário Robert Bass, um tradicional
homem de negócios do Texas com aplicações em petróleo, na indústria
aeroespacial e no imobiliário.
O gestor soube aproveitar como poucos
a crise dos savings & loan, as antigas caixas de crédito americanas
que no início dos anos 90 colapsaram como um castelo de cartas. À
frente da Brazos Partners, pagou uma pechincha pelos ativos
problemáticos que sobraram dessas reestruturações e revendeu-os, a muito
bom preço. Uns milhões depois, fundou o Lone Star Funds, em Dallas, com
380 milhões de euros de investimento inicial, adotando como símbolo a
estrela solitária de cinco pontas da bandeira estadual do Texas. Começou
por investir em non performing loans, vulgo créditos de cobrança
difícil, mas rapidamente alargou a bitola para outras áreas, como o
imobiliário.
Entre 1998 e 2004, o Lone Star fez investimentos no
Japão, Coreia do Sul, Indonésia e Taiwan, aproveitando os despojos da
crise financeira asiática. Em 2005, voltou-se para a Europa e, depois da
crise financeira, comprou ativos de bancos que colapsaram – do belga
Fortis e dos alemães AHBR e IKB.
O ciclo de negócio deste tipo de
fundos, conhecidos como fundos abutres, é, por norma, curto. Compram
barato, reestruturam, despedem pessoas e, passados três anos, em média,
vendem. A Forbes escreve que, de acordo com a cartilha de Grayken,
“comprar e manter à [Warren] Buffett é para otários”. Mas o Lone Star
contrapõe com a sua atividade na Alemanha, onde ainda é dono de um dos
bancos adquiridos há oito anos.
De negócio em negócio, John
Grayken tornou-se o segundo dono de fundos de investimento mais rico do
mundo, atrás de Stephen Schwarzman, do Blackstone, mas não podia ser
mais diferente. Ao contrário do seu “rival”, não se preocupa com a
imagem nem é um filantropo. Não haverá bibliotecas, escolas ou hospitais
com o seu nome, garante a Forbes. Grayken é tudo menos patriota: para
evitar pagar tantos impostos nos EUA, renunciou à nacionalidade
americana e naturalizou-se irlandês.
Casado, em segundas núpcias,
com uma britânica, Grayken comprou em 2015, no bairro londrino de
Chelsea, uma mansão de 9 quartos, equipada com piscina, cinema, elevador
panorâmico e um jardim de água japonês, por cerca de 66 milhões de
euros.
O imóvel está registado num offshore nas Bermudas, assim como a
ilha privada na sua terra natal. Discreto, Grayken não evitou ser
notícia quando adquiriu Pyrford Court, uma mansão de estilo eduardiano
no Surrey, Sudeste de Inglaterra, construída em 1910 pela família
Guinness (das cervejas com o mesmo nome). A casa de campo, com 15
quartos, serviu de cenário em 1976 para a rodagem do clássico filme de
terror The Omen (O Presságio). Esteve à venda por 25 milhões de euros.
Protestos globais
Desde
1995 que o Lone Star investe o dinheiro dos “clientes” que nele
confiam, assim como nas suas altas rentabilidades. Entre eles, estão os
insuspeitos fundos de pensões dos trabalhadores e reformados de Rhode
Island e do Oregon, dos bombeiros e polícias de Dallas, dos professores
de Nova Iorque. Mas, apesar da confiança mostrada por estes
investidores, o Lone Star é conhecido por ser um fundo de natureza
especulativa.
Por causa da sua atuação, enfrentou protestos, em
Nova Iorque, Berlim e Seul, de centenas de proprietários despejados que
não puderam pagar os seus empréstimos. Quando adquiriu direitos sobre 10
edifícios de apartamentos no bairro de Washington Heights, no extremo
norte de Manhattan, os habitantes, na sua maioria imigrantes de Porto
Rico e da República Dominicana, penduraram lençóis à janela onde
escreveram: “Especuladores, cuidado!” Em Tóquio, chamaram a Grayken
“falcão careca”, e na Alemanha apelidaram-no de “carrasco do Texas”,
depois de ter ordenado uma série de despejos. E, na Coreia do Sul, um
gestor do Lone Star foi condenado a três anos de prisão por suspeita de
manipulação das cotações bolsistas de um banco adquirido pelo fundo.
No
ano passado, o procurador do Estado de Nova Iorque, Eric Schneiderman,
abriu uma investigação à gestão dos créditos hipotecários, motivado
pelos protestos dos proprietários despejados. Em editorial, The New York
Times acusou o Lone Star de forçar os despejos “com o objetivo de
revender as casas para fazer dinheiro”.
São estas as duas
palavras mágicas – “fazer dinheiro” – que resumem a vida dos fundos de
investimento. Fica a pergunta, cuja resposta já estará certamente na
cabeça de Grayken: como fazer dinheiro com o Novo Banco?
* Tubarão é apelido.
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