26/03/2017

JOSÉ MASCARENHAS

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Dijsselbloem e vinho verde

AMESTERDÃO, HOLANDA - É assim a cultura holandesa e por isso até há um consenso geral que Dijsselbloem não fez nada de mal. Apenas disse a verdade. Ou aquilo que para ele é verdade

Dijsselbloem fez algo muito incaracterístico para os holandeses: falou sem pensar. Se o tivesse feito teria antecipado a chuva de comentários que caiu sobre ele, sem dó nem piedade. De políticos, a deputados e até normais cidadãos que gastam uma fortuna incalculável em vinho e mulheres - onde se inclui este humilde cronista - todos vieram pedir a demissão do Presidente do Eurogrupo. Dijsselbloem aprendeu uma lição valiosa: o silêncio de é ouro!

Os portugueses não gostam particularmente de ser chamados à razão, especialmente por alguém de fora. E vamos perceber uma coisa, se existem salvaguardas como o FMI ou o Eurogrupo é porque também há uma consciência colectiva que os Governos não são pessoas e há soluções que precisam de ser criadas quando os problemas acontecem. Existe uma diferença entre um Estado não ter condições financeiras para continuar e uma pessoa singular que gastou o ordenado em cartões Pokemon, e agora não consegue pagar a renda. Na mente de Dijsselbloem, Portugal recebeu um empréstimo de um amigo, e em vez de pagar em boa hora foi jantar fora ou de férias. Pois não é bem assim. Longe disso.

Seria impensável um holandês ficar com um dívida por pagar. Nem lhes passaria pela cabeça tal acto. Irritações e falta de sono surgiriam como efeitos secundários. Para colocar isto preto no branco com um exemplo prático, posso falar do IRS. Quando se faz a declaração de IRS, e na hipótese de haver devolução de dinheiro, essa mesma é enviada logo à pessoa antes de existir uma confirmação final do valor estar correcto. Cabe ao cidadão exemplar guardar o dinheiro e esperar pela segunda e final confirmação. Se o valor da restituição estiver incorrecto e for menor, então é feita a devolução do dinheiro às Finanças. É assim a cultura deles e por isso até há um consenso geral que Dijsselbloem não fez nada de mal. Apenas disse a verdade. Ou aquilo que para ele é verdade.

As opiniões diferem entre os holandeses, pelo menos entre aqueles com quem falei nos últimos dias. Para a maioria, Dijsselbloem está no seu direito de dizer o que quiser, uma vez que é presidente do Eurogrupo e há, de facto, uma dívida para saldar. Uns nem estavam a par das declarações de Dijsselbloem. Outros não têm o mínimo interesse, também porque a comunicação social holandesa não fez grande alarido da situação. Os melhores perguntam que lugar mágico é esse onde há vinho e mulheres com fartura.

A indignação de toda esta situação só está a acontecer noutros países, não na Holanda. Do Bloco de Esquerda ao Primeiro-ministro todos pedem a sua demissão. E vão continuar a pedir, porque não me parece que nada aconteça. Esperemos que Dijsselbloem aprenda uma lição valiosa: há coisas que não podem ser ditas. Uma questão de bom-tom, talvez. Há mesmo quem lhe chame de educação. Se estava à procura de alguma coisa, então azar. Agora só pagamos quando a adega estiver vazia. Só para irritar.

O PRÓPRIO
Não há mesmo muito para dizer. Tenho 34 anos e nasci em Lisboa. Fui jornalista, guionista, criativo e professor. Trabalhei em eventos, em marketing e televisão. Tenho uma licenciatura e mestrado, que me enchem o peito mais que esteróides. Fiz de tudo, mais ou menos bem. Há um ano e meio fui trabalhar e viver para Budapeste. Agora estou por Amesterdão. Todos os dias sinto falta da praia, do mar, da comida, e por incrível que pareça, descobri um amor por Portugal que não julgava existir.

IN "VISÃO"
25/03/17

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