Dijsselbloem e vinho verde
AMESTERDÃO, HOLANDA - É assim a cultura holandesa e por isso até há um consenso geral que Dijsselbloem não fez nada de mal. Apenas disse a verdade. Ou aquilo que para ele é verdade
Dijsselbloem fez algo muito
incaracterístico para os holandeses: falou sem pensar. Se o tivesse
feito teria antecipado a chuva de comentários que caiu sobre ele, sem dó
nem piedade. De políticos, a deputados e até normais cidadãos que
gastam uma fortuna incalculável em vinho e mulheres - onde se inclui
este humilde cronista - todos vieram pedir a demissão do Presidente do
Eurogrupo. Dijsselbloem aprendeu uma lição valiosa: o silêncio de é
ouro!
Os portugueses não gostam particularmente de ser chamados à
razão, especialmente por alguém de fora. E vamos perceber uma coisa, se
existem salvaguardas como o FMI ou o Eurogrupo é porque também há uma
consciência colectiva que os Governos não são pessoas e há soluções que
precisam de ser criadas quando os problemas acontecem. Existe uma
diferença entre um Estado não ter condições financeiras para continuar e
uma pessoa singular que gastou o ordenado em cartões Pokemon, e agora
não consegue pagar a renda. Na mente de Dijsselbloem, Portugal recebeu
um empréstimo de um amigo, e em vez de pagar em boa hora foi jantar fora
ou de férias. Pois não é bem assim. Longe disso.
Seria
impensável um holandês ficar com um dívida por pagar. Nem lhes passaria
pela cabeça tal acto. Irritações e falta de sono surgiriam como efeitos
secundários. Para colocar isto preto no branco com um exemplo prático,
posso falar do IRS. Quando se faz a declaração de IRS, e na hipótese de
haver devolução de dinheiro, essa mesma é enviada logo à pessoa antes de
existir uma confirmação final do valor estar correcto. Cabe ao cidadão
exemplar guardar o dinheiro e esperar pela segunda e final confirmação.
Se o valor da restituição estiver incorrecto e for menor, então é feita a
devolução do dinheiro às Finanças. É assim a cultura deles e por isso
até há um consenso geral que Dijsselbloem não fez nada de mal. Apenas
disse a verdade. Ou aquilo que para ele é verdade.
As opiniões
diferem entre os holandeses, pelo menos entre aqueles com quem falei nos
últimos dias. Para a maioria, Dijsselbloem está no seu direito de dizer
o que quiser, uma vez que é presidente do Eurogrupo e há, de
facto, uma dívida para saldar. Uns nem estavam a par das declarações de
Dijsselbloem. Outros não têm o mínimo interesse, também porque a
comunicação social holandesa não fez grande alarido da situação. Os
melhores perguntam que lugar mágico é esse onde há vinho e mulheres com
fartura.
A indignação de toda esta situação só está a acontecer
noutros países, não na Holanda. Do Bloco de Esquerda ao
Primeiro-ministro todos pedem a sua demissão. E vão continuar a pedir,
porque não me parece que nada aconteça. Esperemos que Dijsselbloem
aprenda uma lição valiosa: há coisas que não podem ser ditas. Uma
questão de bom-tom, talvez. Há mesmo quem lhe chame de educação. Se
estava à procura de alguma coisa, então azar. Agora só pagamos quando a
adega estiver vazia. Só para irritar.
O PRÓPRIO
Não há mesmo muito para dizer. Tenho 34 anos e nasci em Lisboa. Fui jornalista, guionista, criativo e professor. Trabalhei em eventos, em marketing e televisão. Tenho uma licenciatura e mestrado, que me enchem o peito mais que esteróides. Fiz de tudo, mais ou menos bem. Há um ano e meio fui trabalhar e viver para Budapeste. Agora estou por Amesterdão. Todos os dias sinto falta da praia, do mar, da comida, e por incrível que pareça, descobri um amor por Portugal que não julgava existir.
IN "VISÃO"
25/03/17
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