Em busca do acesso ao Direito
A pergunta que devemos fazer é se gostaríamos de ser defendidos por um profissional livre, credenciado pela Ordem para o efeito, ou por um funcionário, eventualmente pago por quem visamos processar.
(O já quase tradicional disclaimer: não integro o
sistema de acesso ao Direito e não o integrarei enquanto o Estado se
permitir pagar o que, como e quando entende. Recuso a participação num
sistema em que, não raras vezes, os advogados se vêem compelidos a pedir
o que há muito já devia estar na conta, sujeitos à falta de diligência
de terceiros e sob uma permanente nuvem de suspeita.)
Causou alguma polémica não apenas uma notícia sobre os 60 milhões
pagos em 2016 no que se usa chamar apoio judiciário (entenda-se, nos
honorários pagos aos ditos “oficiosos”, nomeados pelo Estado a quem não
tem capacidade económica bastante para suportar os honorários de um
advogado), como a posição pública da Associação Portuguesa de Direito do
Consumo, no sentido de defender a substituição do actual sistema pelo
defensor público. Para os que não sabem, este último pressupõe um corpo
de profissionais, contratados em exclusividade pelo Estado e sujeitos a
uma disciplina hierárquica, a quem passaria a competir a defesa destes
cidadãos, por contraponto a profissionais liberais, cuja única
obediência a que devem, para além da lei, é à da sua consciência.
Em primeiro lugar, desmistificando os números, no OE para 2017 estão
previstos, entre outros, 58 milhões de euros para Forças Nacionais
destacadas, sendo que, por exemplo, o programa ferrovia 2020 vai custar
2,7 mil milhões de euros. Para os que consideram o valor pago excessivo,
relembre-se que a tabela, em função da qual os advogados que aceitam
integrar este sistema são pagos, não é revista desde 2004.
Importa, também, que se refira que os designados publicamente como “oficiosos” têm sido alvos de sucessivos ataques, máxime
com a publicitação ministerial da apresentação de centenas e centenas
de queixas-crime por alegadas burlas, cuja prática não se veio a
demonstrar.
Por último, não deixa de ser curioso que a dita fonte da notícia
(e, porque não, da referida APDC) não torne igualmente públicos os
montantes pagos a sociedades de advogados, não raras vezes contratadas,
num primeiro momento, para fazerem legislação e, num segundo, para
defenderem ou essa mesma legislação ou, pelo contrário, os interessados
numa dada interpretação.
A questão principal, contudo, prende-se, com o facto de estar por
demonstrar que os defensores públicos, cujos invocados méritos parecem
decalcados do Ministério Público, resultassem mais baratos. No limite,
perante esta notícia, a pergunta que devemos fazer é se gostaríamos de
ser defendidos por um profissional livre, credenciado pela Ordem para o
efeito, ou por um funcionário, eventualmente pago por quem visamos
processar. Pela minha parte, não ignorando que o sistema actual tem
defeitos, não tenho dúvidas.
IN "OJE/JORNAL ECONÓMICO"
17/02/17
.
Sem comentários:
Enviar um comentário