HOJE NO
"OBSERVADOR"
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Saiba tudo sobre
o caso das máfias da noite
Este texto, sobre todo o conteúdo da acusação, baseia-se em peças publicadas originalmente a 7 e a 11 de janeiro de 2016.
Noite, discotecas, seguranças e violência são os ingredientes principais do caso das Máfias da Noite. Alguns dos episódios retratados pelo Ministério Público (MP) ao deduzir acusação parecem tirados da série Sopranos, mas em vez dos subúrbios de Nova Jérsia, (Nova Jérsia, Estados Unidos) terão acontecido essencialmente na vida real do Grande Porto (Portugal, União Europeia).
A Operação Fénix (outro dos nomes pelo qual é conhecido este caso) leva automaticamente a esse paralelismo com o dia a dia de Tony Soprano:
a imposição de serviço de segurança a empresas de diversão noturna
através do uso da violência, a criação de insegurança para forçar as
mesmas empresas a contratarem os serviços da ‘família’ (neste caso, e
segundo o MP, a empresa SPDE, de Eduardo Silva), a cobrança de um
‘imposto’ sem qualquer serviço prestado, a cobrança de dívidas difíceis
ou até o papel de justiceiro em causa alheia (a troco, claro, do
pagamento do serviço). Tudo isto parece ser matéria de ficção televisiva
para ver tranquilamente em casa acompanhado de um balde de pipocas. Mas
apenas, até lermos a acusação do MP. Quem se lembrar da Operação Noite Branca vai ter uma sensação de deja vu.
Porque é essa ficção tornada realidade que leva a uma acusação pouco
comum, que reúne crimes como associação criminosa, extorsão agravada,
ofensa à integridade física qualificada, coação, detenção de arma
proibida, tráfico e mediação de armas — eis alguns exemplos dos crimes
imputados aos 54 arguidos que serão julgados num tribunal improvisado nos Bombeiros Voluntários de Guimarães. Assim
como já tinha levado a buscas durante o verão de 2015, que culminaram
na apreensão de diversas armas ilegais (por não estarem registadas) como
pistolas de uso militar Sig Sauer, Beretta ou Walther
e respetivas munições armazenadas nas casas dos principais arguidos, de
mais de 100 mil euros em dinheiro e de viaturas automóveis valiosas
como o Porsche Panamera, Audi Q7, Audi A8 ou Audi TT, entre outras. Não são os Sopranos mas, segundo a acusação do MP, tentavam parecer.
O QUE FOI A OPERAÇÃO NOITE BRANCA?
A Operação Noite Branca surgiu no final de 2007 na sequência de uma espiral de violência que colocou a noite do Porto a ferro e fogo. Os negócios em volta da segurança de estabelecimentos noturnos é precisamente o ponto em comum com a Operação Fénix mas a escalada de violência é significativamente maior devido aos quatro homicídios verificados em 2007: Aurélio Palha, dono de uma discoteca, e os seguranças Alberto Ferreira (‘Berto Maluco’), Nuno Gaiato e Ilídio Correia foram assassinados a tiro. Bruno ‘Pidá’, o alegado líder do Gangue da Ribeira, foi condenado em 2010 a 23 anos de prisão pelo homicídio de Ilídio Correia e outros crimes, sendo que mais três membros do Gangue da Ribeira conheceram penas superiores a 20 anos. A morte de Nuno Gaiato, abatido com um tiro na cabeça, levou igualmente a uma condenação de 12 anos e meio de Hugo Rocha. Já o julgamento do homicídio de Aurélio Palha, que também era imputado ao grupo de Bruno ‘Pidá’, terminou com absolvições, enquanto o caso da morte de ‘Berto Maluco’, assassinado em dezembro de 2007 como três rajadas de metralhadora Uzi, foi arquivado na fase de inquérito por falta de provas pela equipa especial liderada pela procuradora Helena Fazenda que tinha sido nomeada para investigar estes casos.
A Operação Noite Branca surgiu no final de 2007 na sequência de uma espiral de violência que colocou a noite do Porto a ferro e fogo. Os negócios em volta da segurança de estabelecimentos noturnos é precisamente o ponto em comum com a Operação Fénix mas a escalada de violência é significativamente maior devido aos quatro homicídios verificados em 2007: Aurélio Palha, dono de uma discoteca, e os seguranças Alberto Ferreira (‘Berto Maluco’), Nuno Gaiato e Ilídio Correia foram assassinados a tiro. Bruno ‘Pidá’, o alegado líder do Gangue da Ribeira, foi condenado em 2010 a 23 anos de prisão pelo homicídio de Ilídio Correia e outros crimes, sendo que mais três membros do Gangue da Ribeira conheceram penas superiores a 20 anos. A morte de Nuno Gaiato, abatido com um tiro na cabeça, levou igualmente a uma condenação de 12 anos e meio de Hugo Rocha. Já o julgamento do homicídio de Aurélio Palha, que também era imputado ao grupo de Bruno ‘Pidá’, terminou com absolvições, enquanto o caso da morte de ‘Berto Maluco’, assassinado em dezembro de 2007 como três rajadas de metralhadora Uzi, foi arquivado na fase de inquérito por falta de provas pela equipa especial liderada pela procuradora Helena Fazenda que tinha sido nomeada para investigar estes casos.
A defesa, contudo, tem uma visão oposta do processo. Por exemplo, Nuno Cerejeira Namora, advogado de Hélio Varela (um dos arguidos do chamado setor de Vila Real), não tem dúvidas em afirmar que “a acusação nada mais é que uma efabulação e uma panóplia de inverdades”
– uma visão que é seguida por outros advogados que não quiseram prestar
declarações.
Namora acrescentou ainda que o seu cliente “jamais
exerceu qualquer atividade de segurança sem para tal estar habilitado,
nem colocou seguranças em estabelecimentos de diversão noturna sem
estarem estes habilitados a tal exercício. Isto tal como jamais coagiu
qualquer proprietário de estabelecimento a aceitar os serviços de
segurança da SPDE no seu estabelecimento, ou a pagar eventuais montantes
em dívida pela prestação daqueles. Vamos, assim, certamente, requerer
abertura de instrução quanto a tal factualidade”.
O Observador tentou contactar outros advogados dos arguidos da Operação Fénix mas não obteve resposta.
No centro deste caso está a empresa SPDE – Segurança Privada e Vigilância em Eventos, Lda, e o seu gerente Eduardo Silva, também conhecido por Edu. Escutados, vigiados e monitorizados durante largos meses pela Divisão de Investigação Criminal da Polícia de Segurança Pública, os principais funcionários da SPDE
são retratados na acusação do MP como um grupo de Edu – o alegado
líder, mentor e autor das ordens essenciais ao funcionamento daquilo que
os procuradores João Centeno e Filomena Rosado, autores da acusação, chamam de associação criminosa.
Divididos entre o Porto, Póvoa de Varzim, Espinho, Vale do Sousa
(Paços de Ferreira, Paredes, Castelo de Paiva, Felgueiras, Lousada e
Penafiel), Vale do Cávado (Braga, Barcelos, Esposende, Amares), Viana do
Castelo, Vila Real e Lisboa – a última área em que a SPDE entrou e que,
segundo fontes próximas de Eduardo Silva, está na origem do processo, a
empresa chegou a ter cerca de 484 funcionários em junho de 2014 e a
prestar serviços a 329 estabelecimentos noturnos.
Além da ‘noite’, a SPDE também trabalha na chamada segurança estática (vigilância a diversas empresas privadas com a E. Lecrec e Barros e Cunha), segurança privada em eventos (WRC Lousada, Circuito da Boavista, concertos musicais, etc.) e segurança privada em recintos desportivos (jogos do FC Porto no Estádio do Dragão).
A SPDE teve origem numa cisão da empresa Segureza, onde Edu
trabalhava. Edu, que também é conhecido por “Maestro”, saiu em outubro
de 2008 e levou com ele um grupo de funcionários e algumas casas de
diversão noturna como clientes para a nova SPDE.
1- COMO OPERAVA O MAESTRO?
Segundo o MP, Edu, o ‘Maestro’, acompanhava à distância
as movimentações no terreno. Alegadamente, e segundo as escutas
telefónicas citadas ao longo do despacho de acusação, ter-se-ia afastado
da “noite, das pancadas”, incumbindo, de acordo com o MP, “os coordenadores” e os “operacionais do terreno” de alegadamente “executarem
atos violentos com vista a cobrarem quantias monetárias junto dos
responsáveis pelos estabelecimentos, quer as que decorriam dos serviços
de vigilância aí prestados pela SPDE e cujos pagamentos estavam
atrasados, quer as que nem sequer lhe eram licitamente devidas”, lê-se na acusação.
Automaticamente, o chamado piquete de segurança da SPDE era acionado
para que o segurança agressor fosse substituído por outro funcionário da
empresa de forma que a polícia não o identificasse com a ajuda do
cliente agredido.
Com base essencialmente em excertos das escutas
telefónicas de que foi alvo, Edu é descrito ao longo da acusação como um
homem que gosta de impor a sua autoridade e os seus pontos de vista.
Até com a polícia – como já se viu em imagens televisivas aquando de
alguns desacatos no Estádio do Dragão na época de 2014/2015.
Insatisfeito
com a fiscalização que os funcionários da SPDE estariam a ser alvo, Ed
criticou duramente a polícia em conversa com o Chefe Cangalhas (PSP)
fazendo as seguintes afirmações citadas no despacho de acusação: “Qualquer dia é de marreta à vossa frente (…) eu vou ter mesmo de ‘foder os cornos a um polícia’ (…) a minha vontade é de sair à noite com um gorro e foder o focinho a todos (…) a polícia é ridícula (…) esta palhaçada há de acabar (…) Isto vai rasgar para qualquer lado (…)”
2 - PINTO DA COSTA O SEU GUARDA COSTAS E O FUTEBOL
Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto, e Antero Henrique,
diretor-geral da SAD do Porto, eram os clientes mais mediáticos de Edu e
foram acusados pelo MP e pronunciados pelo juiz Carlos Alexandre por um
total 13 crimes de exercício ilícito relacionado com a atividade de
segurança privada. Mas as ligações de Eduardo Silva e da sua empresa
SPDE ultrapassam as fronteiras do clube das Antas no que ao futebol diz
respeito.
Godinho Lopes, ex-presidente do Sporting, Hulk, ex-jogador do FC Porto a jogar neste momento no Zenit de São Petersburgo, e Nuno Fréchaut,
ex-jogador do Boavista e da Seleção Nacional, também estiveram origem
de acusações contra o gestor e segurança conhecido como Edu. Até
desavenças relacionadas com a divisão do produto de uma transferência de
jogadores para o Sp. Braga e conflitos ocorridos entre jogadores das
camadas jovens do Boavista tiveram intervenção da SPDE e levaram a
outras acusações.
Todas as situações têm um ponto em comum: não só
a a SPDE não tinha alvará para comercializar serviços de segurança
privada, como a carteira profissional de Eduardo Silva como porteiro
tinha caducado em maio de 2015. Daí a imputação do crime de exercício
ilícito da atividade de segurança.
Comecemos por Pinto da Costa e
por Antero Henrique que foram acusados por alegadamente terem
conhecimento que a SPDE e os seus funcionários não estavam devidamente
habilitados a prestar serviços de proteção pessoal.
Desde 2011 que
o FC Porto e a SPDE tinham relações comerciais no campo da vigilância
dos espetáculos desportivos das diversas modalidades e de diversas
infra-estruturas, como o museu do clube. Foi nessa altura que Eduardo
Silva começou a acompanhar o presidente do FC Porto nas suas deslocações
profissionais e pessoais, prestando um serviço de proteção pessoal –
vulgo guarda-costas. Segundo o MP, o mesmo era prestado a título pessoal
já que Edu não podia desempenhar esta atividade por não estar
devidamente credenciado.
Assim, a 30 de maio terão sido celebrados
novos contratos de prestação de serviços entre a SPDE e a Futebol Clube
do Porto, Sociedade Anónima Desportiva (SAD), e a Porto Estádio,
ficando devidamente expresso em ambos contratos a “prestação de serviços
a membros…” dos órgãos sociais das duas sociedades. É a partir desta
cláusula contratual que o MP diz que Eduardo Silva passou a prestar de
forma indevida serviços de segurança pessoal a Pinto da Costa, a Antero
Henrique e às respetivas famílias.
O MP enfatiza na acusação da Operação Fénix que Edu, que gostava de apresentar-se como o “guarda-costas de Pinto da Costa”,
era próximo de Antero Henrique, pois os serviços de proteção pessoal
eram, de uma forma geral, combinados entre os dois. De forma presencial,
pois Antero não gostava de falar ao telefone. Segundo o MP, o
diretor-geral da SAD do Porto pagava os serviços de segurança pessoal de
“forma encapotada”. Nas buscas à sua residência foram apreendidos cerca
de 72 mil euros em numerário que estavam num cofre,
afirmando os procuradores responsáveis pela acusação que esse montante
destinava-se ao pagamento dos seguranças.
Os serviços de proteção
pessoal a Pinto da Costa terão sido prestados nas suas deslocações a
Lisboa para jogos com o Sporting e com o Benfica e para o Funchal para
jogo com o Marítimo na época desportiva de 2014/2015, existindo também o
acompanhamento de Fernanda Miranda, mulher do presidente do Porto, e a
vigilância de casas de familiares de Jorge Nuno Pinto da Costa.
Outro
serviço de proteção a Pinto da Costa ocorreu aquando de uma suspeita de
assalto à casa da família do próprio presidente do Porto. Eduardo Silva
foi chamado ao Estádio do Dragão, tendo saído para a habitação da
família de Pinto da Costa acompanhado de outro funcionários da SPDE na
esperança de apanhar o assaltante – o que veio a acontecer na presença
da PSP. Pinto da Costa deslocou-se com Lourenço Pinto, advogado e
ex-dirigente da arbitragem muito próximo do FC Porto e do seu
presidente, para o local do assalto para perceber em pormenor o que
teria acontecido.
Antero Henrique também foi alvo de proteção
pessoal por parte de Eduardo Silva e dos seus funcionários.
Um dos casos
verificou-se no Estádio do Dragão a 18 de maio de 2015. Descontentes
com a perda do campeonato para o Benfica pela segunda vez consecutiva,
havia o receio que os adeptos do Porto fizessem ‘uma espera’ a Antero –
responsável máximo pelo futebol da SAD do Porto e que cada vez mais
desempenha o papel de presidente executivo do FC Porto. Devidamente
protegido Eduardo Silva, Jorge Sousa, Nelson Matos e Hugo Cunha, Antero
Henriques ficou salvaguardado face a possíveis desacatos.
3 - GODINHO LOPES COM SEGURANÇA POR DEPOR CONTRA SPORTING
Seguimos agora para Godinho Lopes. De acordo com a acusação do
Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderado pelo
procurador-geral adjunto Amadeu Guerra, Eduardo Silva terá determinado a
16 de junho de 2015 um serviço de proteção pessoal – vulgo
guarda-costas – para o ex-presidente do Sporting Clube de Portugal. Tal
serviço ter-lhe-á sido solicitado por Nuno Teixeira Cruz,
alegando este amigo de Godinho Lopes que o ex-líder leonino estava a
testemunhar contra o Sporting na Suíça, no âmbito do caso Doyen. Desde a
derrota de Godinho Lopes nas eleições para a presidência da direção do
Sporting que existia um clima de grande tensão entre a direção de Bruno
Carvalho e o ex-presidente leonino.
Teixeira Cruz, segundo os
procuradores João Centeno e Filomena Rosado (autores da acusação a que o
Observador teve acesso), terá feito uma abordagem cautelosa, avisando
desde logo que compreenderia caso Edu não quisesse ficar com o serviço
devido à forte ligação ao FC Porto. O gestor da SPDE, contudo,
desvalorizou essa questão, acrescentando que tinha 200 homens em Lisboa
e, se fosse necessários, colocaria 150 à disposição daquele serviço em
particular.
Certo é que, de acordo com a acusação, não foram os
funcionários da SPDE que fizeram o serviço Godinho Lopes. Segundo a o
MP, Edu terá contratado quatro seguranças através de um seu contacto em
Lisboa que se apresentaram ao final do dia de 16 de junho no aeroporto
da Portela, em Lisboa, para proteger Godinho Lopes de qualquer situação
imprevista. Um desses seguranças ter-se-á abeirado do ex-líder leonino
na porta de saída dos passageiros para informá-lo de que o tinham
mandado ali para o proteger.
O facto de Godinho Lopes não ter
participado na contração dos seguranças, e de não existir prova de que
tenha tido conhecimento da mesma, foi essencial para não ser acusado.
4 -HULK DE VISITA AO PORTO E FRÉCHAUT EM AVEIRO
O mesmo terá acontecido com Hulk, ex-estrela do FC Porto que foi
transferido para a Rússia. De visita ao Porto em novembro de 2014, foi
acompanhado por dois seguranças da SPDE por determinação de Eduardo
Silva. Nelson Matos e Jorge Sousa, dois dos funcionários da SPDE que
foram acusados na Operação Fénix, terão sido os guarda-costas
contratados para acompanharem o agora jogador do Zenit durante a sua
estadia no Porto.
O caso do Nuno Fréchaut é
diferente. O ex-jogador do Braga e internacional A foi acusado de
exercício ilícito da atividade de segurança privada por alegadamente ter
solicitado serviços de segurança pessoal a Eduardo Silva no dia 19 de
maio de 2015. Segundo a acusação, Fréchaut pretendia deslocar-se a
Aveiro juntamente com Paulo Silva, irmão de Eduardo, para recolherem um
cheque que teria sido emitido por Paulo. O ex-jogador pretendia a
segurança de Nelson Matos, mas Eduardo disponibilizou também Hugo Cunha
para realizar a proteção de Nuno Fréchaut e de de Paulo Silva no
encontro que se verificou em Aveiro com indivíduos não identificados
pelas autoridades.
5-COBRANÇAS DE DÍVIDAS DE TRANSFERÊNCIAS DO FUTEBOL
Além dos serviços de segurança pessoal, os procuradores João Centeno e
Filomena Rosado visaram na acusação serviços de cobrança de dividas
através de violência física e de coação que são igualmente imputadas a
Eduardo Silva e a outros funcionários da SPDE por parte do MP.
Uma
dessas situações está ligada a uma transferência de um jogador não
identificado para o Sporting Clube de Braga mas sobre a qual não recai
qualquer suspeita de envolvimento direto de Eduardo Silva. Francisco
Cruz e e Manuel Miguel, homens de confiança de Edu, são os visados pelo
MP.
De acordo com a acusação, Cruz e Miguel terão sido contratados por José Carlos Reis
(apresentado pelo MP como ‘olheiro’, isto é, caça-talentos do clube)
para pressionarem Nelson Almeida, empresário de futebol, a pagar uma
alegada dívida de 25 mil euros O pagamento dos serviços dos seguranças
seria feito em dois tempos: mil euros para fazer o serviço e 25% da
dívida depois de Almeida pagar.
Francisco Cruz e Manuel Miguel,
diz o MP, terão feito de manobras de vigilância, perseguição e pressão
junto de Nelson Almeida durante dois a três dias, entre o final de julho
e início de agosto de 2014 que surtiram efeito: o empresário de futebol
acabou por entregar dois cheques de 10 mil euros e um de 5 mil euros
para saldar a alegada dívida.
6 - DESAVENÇAS NAS CAMADAS JOVENS DO BOAVISTA
O último caso de futebol relatado na acusação prende-se com a
proteção de um menor que jogava nas camadas jovens do Boavista. Segundo
Maria Helena Couto e Mário Jorge Couto, o seu filho teria sido roubado
por colegas que lhe ficaram com o seu telemóvel. Assim, e com o alegado
objetivo de intimidarem os colegas, terão recorrido a Eduardo Silva para
contratar um segurança que acompanhasse o jovem jogador no trajeto
entre a escola e o Estádio do Bessa e ficasse com ele até ao final do
treino.
O objetivo, segundo o MP, era mostrar os seguranças para
que os colegas do filho de Maria e de Mário passassem a temê-lo. Além do
próprio Eduardo Silva, também Nelson Matos, Jorge Sousa, Hugo Cunha e
Francisco Cruz deslocaram-se ao Estádio do Bessa. Não é claro na
acusação a razão para a presença de todos estes funcionários da SPDE
naquele local.
Eduardo Silva, Maria e Mário Couto foram acusados do exercício ilícito da atividade de segurança privada.
7- OS NINJAS DO VALE DO DOUSA
Uma parte relevante do caso das Máfias da Noite relaciona-se com o
chamado “Grupo dos Ninjas”. Conhecidos pelos métodos violentos com que
controlavam a área do Vale do Sousa, terão sido recrutados por Edu para a
SPDE, tendo mais tarde expandido a sua zona de influência para os
estabelecimentos do Porto.
A violência e a intimidação eram, segundo o MP, práticas usuais utilizadas com quatro objetivos:
- A alegada criação de um ambiente de insegurança para obrigar o dono do estabelecimento a contratar a SPDE ou mostrar aos clientes que nos estabelecimentos da SPDE não havia abusos.
O caso mais dramático desta estratégia ocorreu no “Chic Bar”, em
Vila Nova de Famalicão, e resultou, segundo o MP, na morte do jovem Luís Miranda em março de 2015 depois de ter sido agredido por um funcionário da SPDE. O caso foi badalado na altura
mas o MP lança agora uma nova luz sobre o que terá acontecido naquela
noite de 15 de março. Segundo a acusação, Luís Miranda estava embriagado
e ter-se-á envolvido em desacatos dentro da discoteca – desacatos esses
que o segurança Nelson Ferreira não terá conseguido controlar, tendo
chamado Francisco Vasconcelos, do Grupo dos Ninjas, que se fez
acompanhar por Jorge Ribeiro.
Quando Vasconcelos e Ribeiro
chegaram ao Chic Bar já Luís Miranda tinha sido expulso do
estabelecimento e dirigia-se para a pé para o centro de Famalicão. De
acordo com o MP, Francisco Vasconcelos, também conhecido por ‘Chiquinho’
terá dito a Jorge Ribeiro para perseguirem Miranda.
Antes, segundo a
acusação, “colocaram nas mãos umas luvas de cor preta que
continham na zona dos nós dos dedos algo que provocava uma saliência, o
que fizeram com a intenção de vir a utilizar contra o corpo do ofendido”.
E entraram num carro da SPDE para alcançar mais rapidamente Luís
Miranda que se deslocava a pé, “embriagado”, a afastar-se da discoteca e
“que naquele momento não oferecia qualquer risco para os demais utentes do estabelecimento”, lê-se na acusação.
“Jorge
Ribeiro foi o primeiro a alcançar o ofendido Luís Miranda e
desferiu-lhe um soco na boca, utilizando as luvas com saliência nos nós
dos dedos. O ofendido [Luís Miranda] caiu desamparado no chão e embateu
com a cabeça com força no solo empedrado”, diz o MP. Luís
Miranda, que naquele momento se encontrava acompanhado de um amigo (João
Cardoso), veio a falecer no Hospital de São Marcos, em Braga, cinco
dias depois na sequência da fratura craniana que sofreu na sequência da
agressão, segundo o MP, de Jorge Ribeiro.
De acordo com a acusação do MP, ‘Chiquinho’ e Ribeiro ter-se-ão
apercebido do estado grave de Luís Miranda, tendo Francisco Vasconcelos
entrado em contacto com a testemunha João Cardoso (que conhecia Jorge
Ribeiro e a fama do Grupo dos Ninjas) para lhe dizer que “tu viste que aquilo não foi espancá-lo, nem nada”
mas que “assim tinha procedido por causa do ‘nome da casa’, pois os
desacatos eram prejudiciais para a reputação desta”. ‘Chiquinho’ terá
pedido a João Cardoso para pedir aos pais de Luís Miranda para retirarem
a queixa-crime que tinham interposto, assumindo ele próprio as despesas
do hospital.
Edu foi informado do caso por Francisco Vasconcelos
depois de Luís Miranda ter morrido e Jorge Ribeiro ter sido detido
preventivamente. De acordo com a acusação, terão combinado que João
Cardoso seria novamente contactado para que desse à Polícia Judiciária,
que investigava o caso, a mesma versão que todos os suspeitos dariam:
que foi Luís Miranda quem começou os desacatos, tendo agredido os
funcionários da SPDE, e que Jorge Ribeiro tinha-se limitado a
empurrá-lo. O que Cardoso aceitou fazer, com receio de represálias.
Este
caso é um, entre vários semelhantes relatados na acusação, de alegada
coação sobre testemunhas para não colaborarem com a Justiça
Ribeiro
foi libertado da prisão preventiva logo a 25 de março, não estando
entre os 13 arguidos que foram presos em julho mas é agora acusado,
juntamente com Francisco Vasconcelos, do crime de ofensas à integridade
física grave, agravada pelo resultado.
IMPEDIR QUEIXAS JUDICIAIS CONTRA A SPDE
Edu, segundo a acusação, tentava impedir qualquer tipo de queixa
judicial. Além dos clientes agredidos, existiam também ex-funcionários
da SPDE insatisfeitos. Alcides Júnior era um deles.
Reclamava cerca de
30 mil euros de serviços que não foram pagos e interpôs uma queixa
judicial nesse sentido. Edu terá pedido a Paulo Ferreira para convencer
Alcides a retirar a queixa. Apesar de recear pela sua segurança e da sua
família, Alcides não acedeu a esse pedido, tendo sido contactado por
Alberto Couto, ex-agente da Divisão Criminal da PSP que colaborava com
Edu, que reiterou o conselho, num tom mais ameaçador, para deixasse cair
a queixa.
No dia em que a ação de Alcides ia ser julgada no
Tribunal da Maia, o ex-funcionário da SPDE informou Couto de que
retirava a queixa se lhe pagassem 2.500 euros para pagar ao advogado – o
que veio a acontecer. “Alcides Junior conhecia os arguidos e
restantes elementos, bem sabendo que eram indivíduos sobejamente
conhecidos pelos seus métodos violentos na resolução de questões, tendo
temido pela sua integridade física”, lê-se na acusação.
Outros casos relacionam-se com clientes de bares e discotecas do Porto e
de outras zonas que foram gravemente agredidos por um ou vários
seguranças da SPDE ao mesmo tempo com socos na cabeça e/ou pontapés
quando já estavam deitados no chão, tendo sido obrigados a ter
assistência hospitalar. Todos eles foram aconselhados a não apresentarem
queixa nas autoridades, sob pena de serem novamente agredidos ou estar
em causa a segurança das respetivas famílias
- Angariação de clientes para a SPDE. Convencendo os donos dos estabelecimentos noturnos a contratarem a empresa de Edu.
O MP diz que, a partir do Grupo de Ninjas, Eduardo Silva terá constituído um grupo mais alagado “com
vista a explorar a segurança, quer ativa, quer passiva, dos
estabelecimentos de diversão noturna, mediante a imposição do pagamento
da respetiva remuneração mensal, semanal ou diária”. Como? Através de “atos violentos” ou ameaças de “males
futuros (destruição de estabelecimentos e/ou agressão aos respetivos
clientes), assim exigindo a entrega de quantias monetárias aos
proprietários de diversos estabelecimentos de diversão noturna”.
Os
pagamentos aconteciam mesmo quando os serviços não eram prestados pela
SPDE, o que leva o MP a apelidar essas quantias como um “imposto”. “O grupo não olhava a meios para permitir essa expansão, que fazia, designadamente, através do uso da força”, lê-se na acusação.
- Dívidas de cobrança difícil. Alguns funcionários da SPDE, fora do horário de serviço e sem o conhecimento de Edu, também se dedicavam à área de cobranças difíceis, utilizando a ameaça ou até mesmo o uso da força para obrigado os alegados devedores a pagarem o que supostamente deviam. O próprio MP tem dúvidas sobre os montantes ou até mesmo a existência de dívidas nalguns casos.
Entre as várias situações reveladas na acusação, destacam-se três – sempre com os mesmos métodos.
Rómulo
tinha acordado desenvolver um projeto de arquitetura com Armando Félix e
Maria Lurdes Gavinho. Terminado o trabalho, Rómulo queixava-se de que
tinha dinheiro a receber. Acompanhado por funcionário SPDE, ameaçou
Maria Lurdes com a sua filha, dizendo que conhecia o carro em que ela se
deslocava, bem com a escola que frequentava. Receosa pela segurança da
sua filha, Maria Lurdes aceitou pagar 12.500 euros. Não satisfeito,
Rómulo solicitou a Manuel Miguel, segurança da SPDE, para que cobrasse
os 35 mil remanescentes. Manuel Miguel terá feito novas ameaças, mas não
conseguiu ‘cobrar’ mais dinheiro, sendo que esse montante, segundo o
MP, não era devido a Rómulo Correia.
Outra situação prende-se com a recuperação de Audi Q7 – uma das viaturas mais caras da marca premium alemã,
no valor superior a 80 mil euros. Óscar Campelo queixava-se que a
viatura ter-lhe-ia sido roubada e encontrava-se nas instalações da
sociedade Rectigaia. Manuel Miguel, Francisco Cruz, Pedro Sousa e mais
três indivíduos ter-se-ão deslocado para essas instalações. Encontraram
Luzia Monteiro, mulher do proprietário da empresa, rodearam-na,
“formando um círculo à sua volta e adotando uma postura e um semblante
intimidatórios. Manuel Miguel terá dito a Luzia Monteiro: “Sei bem quem tu és, sei onde moras, sei que tens dois filhos e sei onde eles estudam!”
Acedendo
ao pedido dos seguranças para chamar por telefone o seu marido à
garagem da empresa, Luzia rompeu o cerco e, em vez de chamar Manuel
Rodrigues (o dono da empresa), chamou a polícia. O que obrigou os
vigilantes da SPDE a fugir.
Finalmente, uma situação que não
diretamente a ver com dinheiro. ET tinha tido uma relação sexual com AS,
tendo gravado no telefone um vídeo com a mesma. Assustada, esta
contratou Nuno Gonçalves por 1.500 euros para recuperar o vídeo das mãos
de AS. Por telefone, Nuno terá dito a AS: “Vais voltar para
trás e vais entregar o telemóvel, vais apagar o vídeo em frente à
senhora, senão vou a tua casa, àquela pocilga onde moras, vou-te matar e
incendiar a casa”. AS fez queixa e entregou o vídeo à polícia e
não terá sido incomodado novamente. Já ET terá pago os 1.500 euros
acordados com Nuno Gonçalves. Ambos estão acusados de um crime de
coação.
8 -A ENTRADA EM LISBOA
A conquista do chamado “Setor de Lisboa”, que fontes próximas de Edu
têm como causa do processo aberto, chegou em 2013 através de uma
parceria com João Pereira (‘Pepe’), e Francisco Maximiano (‘Max’).
‘Pepe’ e ‘Max’ tinham trabalhado com a VGI – Segurança Privada, SA. Com a
extinção desta sociedade, surgiu a SPDE para tomar o seu lugar. Em
menos de um ano e pouco, a SPDE passou a ter contrato com 40
estabelecimentos noturnos, alguns dos quais muito conhecidos na noite
lisboeta, como o “Plateau”, o “Tokyo”, “Jamaica”, “Docks” ou o “T-Clube”
ou até restaurantes como o “Valentino”.
‘Pepe’ e ‘Max’ prestavam contas, segundo o MP, a Edu, deslocando-se regularmente ao norte para reuniões com o chefe da SPDE. O modus operandi,
esse, assentava no mesmo em Lisboa ou no Porto, no Norte ou no Sul: a
violência era a única língua falada e a resposta que deve ser data a
quem não respeita as regras das ‘suas’ casas.
* Um excelente trabalho de investigação de LUÍS ROSA.
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