Ginasticar
Por falar em “Vayorken”, é importante relembrar o exemplo de Jane Fonda, que desde mil novecentos e qualquer coisa nos ensinou a ginasticar, ainda por cima com perneiras cor-de-rosa
Começa o ano e recomeça o peso na consciência de todos os meses
pagarmos a mensalidade do ginásio sem lá pormos os pés. E sendo o peso
da consciência proporcional ao peso que ganhámos durante as festas, devo
dizer que tenho em mim todos sonhos do mundo, principalmente nas ancas.
Parece que o pai natal foi embora e se esqueceu da barriga. E depois de
meses sem tempo para ir ao ginásio, janeiro chega com a oportunidade de
recomeçar.
Há que ginasticar (já pregava a Rua Sésamo, em mil
novecentos e qualquer coisa)! E, de facto, é uma pena que a
expressividade do verbo ginasticar tenha sido substituída, algures em
dois mil e qualquer coisa, pela rigidez do verbo treinar. Acho até que
foi por isso que eu ganhei esta preguiça...
Enfim, nada que a
oportunidade de um janeiro novinho em folha não resolva e aqui vou eu
para o ginásio, com a boa vontade de quem se recusa a usar aqueles
fatinhos inteiriços de licra colorida, e assume todo o sacrifício
precisamente como aquilo que é – um sacrifício (sobretudo se for antes
do meio-dia).
Foi no ginásio que percebi o alcance do meu
problema com a autoridade. Não suporto o estilo militarista dos
professores que puxam pelos alunos, ameaçando com flexões extra e outros
trabalhos forçados, nem as aulas em que a linha do sofrimento é
claramente ultrapassada. Fico fula, apetece-me dizer palavrões e
relembrar que EU é que estou a pagar, que não gosto que me gritem e que
EU só faço o que EU quero!
Ou seja, a Mafalda dentro de mim
exclui à partida metade das modalidades e o “Vayorken” acabou por
excluir algumas outras...
Por exemplo, eu até gostava de ir à
hidroginástica, mas tudo mudou quando a minha música passou a estar
envolvida. Já bastava a touca, o chapinar dentro de água no meio de um
quarteirão de septuagenárias, aqueles cilindros de poliuretano colorido
debaixo dos braços e toda a “graciosidade” dos meus movimentos, não era
preciso que tudo isso acontecesse ao som de um “a gente diverte-se
imenso”!
E por falar em “Vayorken”, é importante relembrar o
exemplo de Jane Fonda, que desde mil novecentos e qualquer coisa nos
ensinou a ginasticar, ainda por cima com perneiras cor-de-rosa. E para
quem, como eu, tem a ambição de viver muitos anos com a vitalidade de
Fonda, mas não tem metade do estilo, ginasticar é (ainda mais) preciso.
O
que vale é que ginasticar é daquelas coisas que melhoram com o tempo.
Quanto mais ginasticamos menos custa. E melhor do que a oportunidade de
recomeço num janeiro novinho em folha, é a constância de uma rotina de
exercício físico. O meu problema é que eu não tenho uma rotina, muito
menos uma rotina de exercício físico e, portanto, agarro-me à
oportunidade de um ano que começa para fazer diferente.
Outra
coisa boa de ginasticar é o pós. O corpo relaxado e desempenado, que
resulta do esforço. Já para não falar da satisfação de tirar o tal peso
da consciência de cima. Até porque perder peso na consciência, é a
melhor parte de perder peso. E afinal isto de ginasticar tem muitas
consequências benéficas que escapam a uma primeira análise...
Por
exemplo: antes de frequentar o ginásio, ou mais concretamente o
balneário do ginásio, só na praia é que via corpos de outras mulheres.
Durante todo o ano, a imagem do meu próprio corpo só era confrontada com
a dos corpos femininos que aparecem na televisão ou na publicidade. Era
o meu corpo (real) versus um padrão super redutor (e artificial), que
estabelece a normalidade. Ora desde que passei a ir ao ginásio,
tornou-se habitual ver corpos mais diversos. Corpos de mulheres novas e
velhas, grávidas, gordas e magras, com estrias, cicatrizes, celulite e
tatuagens, de várias fisionomias, com ou sem pelo, dentro da maravilhosa
diversidade que compõe (essa coisa tão subversiva que é) a realidade.
Pode não parecer, mas acho que todas as mulheres vão concordar que isso,
por si só, é tão saudável como ginasticar.
IN "VISÃO"
14/01/17
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