02/01/2017

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HOJE  NO
"OBSERVADOR"

Orçamento. 
O que muda no seu bolso em 2017
 (agora e em agosto)

 Com o novo ano, entra em vigor o Orçamento do Estado. Mas desta vez nem todas as novidades surgem já em janeiro. O Governo faseou algumas medidas que só vão sentir-se no verão. Veja como vai ser.

Meu querido mês de Agosto
Por ti levo o ano inteiro a sonhar
Trago sorrisos no rosto
Meu querido mês de Agosto
Por que sei que vou voltar

Diz a letra da conhecida canção popular (de autoria de Dino Meira) que agosto traz consigo sorrisos no rosto pelo regresso a casa (uma dedicatória aos emigrantes que voltam ao país nas férias de verão). Pode dizer-se que Orçamento do Estado do novo ano provocará o mesmo efeito e pela mesma altura do ano, mas pelo regresso de uma parte significativa de rendimento (que está prometido para 2017) ao bolso dos portugueses. Depois de vários anos de contenção orçamental e de más notícias, no menu para o novo ano constam aumentos de pensões e de salários. E o melhor só aparece em agosto. Mas em ano de eleições autárquicas (no Outono), a oposição desconfia.

Ponto prévio: um orçamento é sempre muito mais que as medidas que fazem dele conhecido aos ouvidos dos portugueses. Todas as despesas do Estado têm de lá estar previstas, mas também todas as formas de conseguir receitas, o que implica necessariamente a coleta de impostos, a imposição de taxas e outras formas de abastecer os cofres do Estado com dinheiro suficiente para pagar a saúde, a educação, as forças de segurança e a máquina do Estado de forma mais geral.
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O Orçamento do próximo fica marcado, e também foi assim que o Governo e a esquerda o promoveram, como o orçamento que aumenta as pensões, de forma extraordinária, para que os pensionistas recuperem o que perderam durante os anos da crise. A grande medida, diz a esquerda, é este aumento, mas há outras: o aumento do subsídio de refeição, a eliminação da sobretaxa ao longo do ano, a imposição de uma taxa sobre os refrigerantes e outras 200 páginas de alterações.

PSD não tem dúvidas sobre o eleitoralismo
Duarte Pacheco não coloca outra hipótese, as medidas que entram em vigor em agosto têm um único propósito: “Que as pessoas fiquem mais felizes num período eleitoral”. E o deputado do PSD explica esta sua convicção afirmando que “se o Governo tem um envelope financeiro, o que seria natural era dividi-lo por 12 meses”. É mesmo duro quanto à retirada faseada da sobretaxa, que classifica de “chico espertice”, já que se uma pessoa for aumentada a meio do ano, sendo a sobretaxa aplicada ao nível da retenção na fonte, ainda terá de pagar sobretaxa em 2017, quando fizer o acerto de contas no IRS do ano.

A grande novidade do atual Orçamento é que as medidas que mais se farão sentir no bolso de grande parte dos portugueses entram em vigor em agosto. A lógica, de acordo com o Governo e os partidos à esquerda, é permitir que estas medidas avancem num quadro em que os recursos ainda são escassos. Tendo efeitos apenas a partir de agosto, permite ter custos menores este ano. Do lado da oposição, a acusação sai disparada: há eleições autárquicas e a esquerda quer ganhar votos com estas medidas que melhoram os rendimentos precisamente nessa altura.

Há medidas, como é o caso da sobretaxa, que têm um desaparecimento faseado que se faz sentir ao longo do ano, e ainda há aquelas que não têm data marcada (são compromissos escritos mas ainda sem forma), mas que não avançam certamente em janeiro. Exemplos? Aqui vão os mais relevantes que vai sentir no ano que agora começa:

Pensões: as pensões até 838 euros vão ser atualizadas em 0,5% já a partir de janeiro, o valor obrigatório por lei e que é determinado pela inflação. Mas a maior fatia chega em agosto, com um aumento extraordinário das pensões até 628 euros em dez euros. Depois de algumas críticas, por serem deixadas de fora as pensões sociais e rurais, o Governo e a esquerda acordaram que, também em agosto, estes pensionistas terão um aumento extraordinário, mas de 6 euros, e não de 10 euros como os restantes. O Governo estima que o aumento extraordinário das pensões possa chegar a mais de um milhão e meio de reformados. Antes das últimas alterações feitas, na discussão na especialidade, o Governo estimava que o aumento das pensões custaria ao Estado cerca de 190 milhões de euros.

PS garante que eleições não pesaram nas decisões
No PS, João Paulo Correia garante que “nunca o calendário eleitoral serviu de base à aplicação de qualquer destas medidas”. O deputado socialista explica as medidas com a “gestão orçamental” e argumenta que nas autárquicas “a questão nacional tem pouca ou nenhuma influência”. “A razão para fasear medidas foi o esforço da despesa e, no caso da sobretaxa, o esforço do lado da receita. Porque a preocupação central é ter um défice de 1,6% no final do ano”, sublinha.



  • Subsídio de refeição: congelado há sete anos, o Governo propôs neste Orçamento que fosse aumentado em 25 cêntimos por dia a partir de janeiro. Com as negociações no Parlamento, o PS (o Governo não pode apresentar propostas de alteração), duplicou o aumento, mas com um senão: a segunda parte do aumento só entraria em vigor em agosto. Resultado: o valor do subsídio de refeição passa de 4,27 euros para 4,52 euros em janeiro, e aumenta para os 4,77 euros a partir de agosto. Na prática, isto significa mais 11 euros por mês para cada funcionário público.

    Sobretaxa:
    mais uma medida que, dependendo do escalão do IRS, os portugueses vão sentir de forma diferente ao longo do ano. Não existirá sobretaxa na folha salarial para quem estiver no primeiro e segundo escalões do IRS (ou seja, quem receba até 20.261 euros por ano), sendo que os contribuintes do primeiro escalão já não a tiveram no último ano. Para os outros três escalões a sobretaxa continua a existir, mas desaparece até ao final do ano, de forma gradual. Quem ganha até 40.522 euros deixa de pagar no salário de julho, quem ganha mais que esses 40 mil euros deixa de pagar no último salário do ano. É nos primeiros dois escalões que estão, de acordo com números divulgados pelo Governo, a maior parte das famílias: 4,6 milhões de agregados familiares. No terceiro escalão estão outros 365 mil agregados, o que significa que este faseamento vai permitir que a maior fatia de contribuintes deixe de pagar sobretaxa até ao verão. Os que pagam depois do verão? Cerca de 90 mil contribuintes. A medida, segundo as primeiras contas do Governo (números do relatório do Orçamento do Estado entregue a 14 de outubro), teria um custo de 200 milhões de euros, em receita não arrecadada em 2017.


  • Duodécimos do subsídio de Natal: a ideia inicial do Governo, quando preparou este Orçamento do Estado era acabar com os duodécimos já este ano e que o subsídio de Natal fosse pago integralmente. Já não havia cortes salariais, logo não fazia sentido haver pagamento em duodécimos. Mas acabou por definir fazê-lo a dois tempos, para suavizar o impacto mensal no rendimento das pessoas. Assim, metade do 13º mês é devolvido no mês de novembro (funcionários públicos) e de dezembro (reformados e pensionistas) e a outra metade é devolvida ao longo do ano. Se trabalhar no setor privado, vai continuar a poder optar por receber o subsídio pela metade, em duodécimos, e a outra metade no mês em que costuma recebê-lo, ou pode optar por receber de uma vez.

    Manuais escolares gratuitos para o primeiro ciclo: o caminho começou a fazer-se este ano, com a gratuitidade dos manuais escolares para os alunos do primeiro ciclo do ensino básico, mas o Governo decidiu alargar este benefício. Numa versão preliminar do Orçamento do Estado, o Governo só dava como certo que esta medida fosse alargada para o segundo ano, como disse a secretária de Estado da Educação numa entrevista antes de o Orçamento ser apresentado na Assembleia da República. Mas o Governo foi mais longe e decidiu que o terceiro e quarto ano também seriam abrangidos. Resultado: todos os alunos do primeiro ciclo das escolas públicas receberão manuais a partir do próximo ano letivo. Ou seja, esta medida só se fará sentir em setembro.

    Precários integrados na Função Pública: outro tema alvo de negociação, outro processo que não ficará concluído logo em janeiro. Até ao final do primeiro trimestre, o Governo tem de apresentar um plano para a regularização dos trabalhadores com vínculos precários da Administração Pública. Quem for essencial ao serviço é integrado, mas as regras e a forma como isto se irá fazer ainda não está decidido. O prazo para estar terminado é 31 de outubro.

    Abono de família vai subir, especialmente para as crianças entre os 12 e os 36 meses, cujo valor deve convergir de forma gradual para os valores que são pagos às crianças até um ano de idade, quatro vezes o que se paga para as crianças que tenham entre dois e três anos. Este aumento vai ser gradual, mas o calendário ainda não é conhecido.

    Refeições escolares contam como deduções no IRS: as despesas com refeições escolares dos alunos das escolas públicas vão voltar a poder dedutíveis em IRS, ou seja, contar para baixar o imposto a pagar na altura de liquidar o imposto (no segundo trimestre do ano). Estas despesas das cantinas vão entrar como despesas de educação na liquidação do IRS dos pais, ou seja, em abril e maio, com impacto em eventuais reembolsos a fazer depois disso, ou seja, em maio e junho.

    Declarações de IRS passam a ser automáticas: para uma boa parte dos contribuintes, já não haverá multas pelos atrasos na declaração, seja esquecimento ou o sistema a falhar porque tentou entregar no último minuto do último dia. A Autoridade Tributária vai passar a permitir entregar uma declaração provisória que é composta pelo fisco a partir da declaração automática dos rendimentos pelos empregadores e pela informação que já existe no portal e-factura. (Nenhuma das medidas que dizem respeito às declarações de IRS podiam entrar em vigor noutra altura do ano que não a da liquidação do imposto, período que começa tipicamente em abril).

    OPOSIÇÃO DESCONFIA, PS JUSTIFICA
    Esta distribuição de medidas ao longo do ano — sobretudo o aumento extraordinário de pensões e a sobretaxa de IRS — foi questionado pela oposição durante o debate orçamental. E continua. PSD e CDS mantêm que a intenção é eleitoralista. Ao Observador, Duarte Pacheco, do PSD, critica: “Se tinham um envelope financeiro, o que seria natural era dividir o valor por 12 meses”. E exemplifica com a retirada faseada da sobretaxa a que chama de “chico espertice”, já que “o que desaparece é “a retenção na fonte e não o pagamento da sobretaxa sobre o rendimento auferido naquele ano”. 
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    O deputado do PSD está convencido que a medida, tal como foi desenhada, tem como objetivo “que as pessoas fiquem mais felizes num período eleitoral”. O mesmo diz Cecília Meireles, do CDS, que também questiona: “Se há margem para fazer isso [retirar a sobretaxa] e se o impacto global do ano é o mesmo, porquê fazer ao longo do ano e não de uma vez? É quase como se o Estado estivesse a guardar o dinheiro que já é de uma pessoa”.

    À esquerda, a questão é desvalorizada, ainda que o Bloco de Esquerda só responda pela questão da sobretaxa, com Mariana Mortágua a dizer ao Observador que “a retirada faseada da sobretaxa permite poupar dinheiro ao Estado”. E o aumento das pensões, por que motivo só aparece em agosto? 

    A deputada do BE atira a pergunta para o lado do Governo e garante que o seu partido defendia que o aumento extraordinário avançasse já no primeiro mês do ano. O PS garante que a opção de aumentar pensões só a partir de agosto teve a ver “com o esforço da despesa. E no caso do faseamento da sobretaxa, explica-se pelo peso na receita”, argumenta o deputado socialista João Paulo Correia.

    E sobre as acusações de eleitoralismo, o socialista recua no tempo e aponta a acusação à coligação PSD/CDS “que prometeram devolver 35% da sobretaxa de IRS em cima da campanha eleitoral. Aí sim”. Não é a mesma lógica? “Não é o nosso caso, porque a nossa proposta foi feita em outubro/novembro, um ano antes das eleições”. Mas o deputado ainda acrescenta que nas autárquicas “as pessoas escolhem consoante a proximidade e a questão nacional pouca ou nenhuma influência tem”. E garante mesmo: “Nunca o calendário eleitoral serviu de base à aplicação de qualquer uma destas medidas”.

    PROMESSAS POR CONCRETIZAR
    Nem só de medidas se faz um orçamento. Este documento é o maior e mais concreto sumário das intenções de política de um Governo. Algumas, no entanto, não estão lá explícitas. São as que chegam via autorização legislativa.

    Isto quer dizer o seguinte: o Governo não concretiza as medidas em lei, mas pede uma autorização à Assembleia da República para legislar por decreto durante o ano. Ou seja, o Governo pode aprovar uma lei nos moldes da autorização legislativa sem ter de passar pela Assembleia da República. Mas também não fica obrigado a fazê-lo.

    No caso do Orçamento para 2017, a autorização legislativa mais significativa é a que prevê as alterações na fórmula de cálculo dos descontos para a Segurança Social dos trabalhadores independentes. Os chamados recibos verdes atualmente descontam todos os meses um valor fixo determinado por quanto receberam no ano anterior, independentemente de quanto é o rendimento concreto. A esquerda, em especial o Bloco de Esquerda, pressionaram o PS para conseguirem esta alteração já neste Orçamento e conseguiram que lá ficasse inscrita uma autorização legislativa a definir que a lei a ser preparada crie uma nova fórmula e que o desconto para a Segurança Social seja calculado com base nos rendimentos, no máximo, dos últimos três meses.

    Esta medida não avançará certamente em janeiro, nem há ainda previsão para quando isto irá acontecer. Mas quando acontecer, terá um impacto significativo numa grande quantidade de trabalhadores que não têm, por opção ou falta dela, um trabalho mais estável.

    AS BOAS E AS MÁS NOTÍCIAS DE JANEIRO
    Se é verdade que as más notícias chegam todas no início do ano, estas estão longe de ser tão más como nos orçamentos desde 2010, e há boas notícias que chegam logo em janeiro.
    Primeiro as boas notícias:
    • Como se explicava acima, o segundo escalão de IRS — quem ganha entre sete e vinte mil euros anuais –, deixa de pagar sobretaxa logo em janeiro.
    • O Indexante de Apoios Sociais, o valor que serve de referência para a fixação de um conjunto de prestações sociais, vai ser atualizado depois de vários anos congelado, o que significa que as prestações indexadas a este valor também serão atualizadas para cima, nesta caso, ao valor da inflação. O mesmo acontece com o Complemento Solidário para Idosos (CSI).
    • As pensões mais altas vão deixar de pagar a taxa extraordinária chamada contribuição extraordinária de solidariedade (CES) e que já só se aplicava a pensões mensais superiores a 4.611 euros.
    • Regressa o quarto escalão do abono de família, que tinha sido eliminado em 2010 por José Sócrates.
    • O pagamento especial por conta, que as pequenas e médias empresas têm de adiantar ao Estado vai ser reduzido de 1.000 para 850 euros.
    • As entradas nos museus vão voltar a ser gratuitas a todas as pessoas com residência em Portugal nos domingos e feriados, desde que até às 14h.
    • O imposto sobre os cigarros eletrónicos só vai aumentar metade do que estava previsto.
    Com o início do ano também chegam algumas notícias piores. 


    Umas são boas notícias que não se concretizaram, outras são mesmo agravamentos de impostos ou criação de novos:
    • A sobretaxa de IRS devia acabar em 2016, mas o Governo decidiu estendê-la a 2017, acabando com a sobretaxa de forma gradual. Os escalões com mais rendimentos são os últimos a ver a sobretaxa desaparecer, apenas em novembro (e pagarão o ajuste no IRS de 2018).
    • O Governo decidiu criar uma taxa adicional de IMI para quem tenha património imobiliário para habitação, ou terrenos para construção: paga uma taxa de 0,7% quem tiver um valor patrimonial tributário entre 600 mil e um milhão de euros, e 1% quem tiver imóveis que no seu conjunto valham mais que um milhão de euros.
    • Boa ou má notícia, depende de quem para ela olha: apesar da polémica criada em torno da medida, com a oposição do Bloco de Esquerda, o Governo aprovou mesmo a norma que equipara os autarcas aos membros no Governo no que à responsabilização financeira diz respeito, ou seja, deixam de poder ser responsabilizados por decisões desde que ela sigam os pareceres jurídicos dos serviços das respetivas autarquias. A medida abrange presidentes de câmara e presidentes de junta.
    • Para quem pensa em comprar carro em 2017, as notícias não são boas. Tanto o ISV (3%), como o IUC vão subir, para além das taxas adicionais de IUC que os carros novos terão de pagar mediante as emissões de dióxido de carbono: quanto mais CO2 libertarem, mais pagam.
    • Tabaco sobe pelo menos cinco cêntimos, as bebidas alcoólicas 3% e os refrigerantes pagam uma taxa 8,22 cêntimos por litro (as que tenham menos de 80 gramas de açúcar) ou 16,44 cêntimos (as que tenham mais de 80 gramas de açúcar).
    O adeus à austeridade, que o PS diz dar mais um passo com o Orçamento do Estado que entra agora em vigor (e que tem a benção do Presidente da República, ainda que com os avisos da praxe), vai ser concretizado por parcelas ao longo do ano. A composição de Dino Meira prometia aos emigrantes o “regresso ao paraíso”, com a visita ao país nas férias de agosto. Terá o mesmo efeito a composição orçamental do Governo?

    Já passaram tantos dias,
    Já passaram tantos meses
    E eu ando louco por regressar
    Já senti a cada momento
    Que a saudade é um tormento
    Eu ando louco por regressar
    Já passaram tantas horas
    De voltar eu bem preciso
    Deitar as saudades fora
    Cantar xau vamos embora
    De regresso ao paraíso

    * Um excelente trabalho de NUNO ANDRÉ MARTINS e RITA TAVARES


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