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Um sério combate à precariedade generalizada exige uma leitura séria do desemprego em todas as suas expressões. Por outro lado, considerar o chamado desemprego estrutural como mero resultado do desajustamento entre procura e oferta de mão de obra e entender que esse problema pode ser corrigido com mais formação pode tornar-se desastroso por duas razões muito concretas: primeira, o país precisa de um modelo de desenvolvimento que incorpore as formações, sob pena de estarmos a formar para "exportar" ou a iludir e a amesquinhar quem aposta na formação e na qualificação; segundo, por ser injusto e uma fraude inculcar nas pessoas a ideia que o ter ou não êxito na procura de trabalho ou na possibilidade de criar emprego se resolve, só ou fundamentalmente, pela iniciativa de cada pessoa.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
04/12/16
O trabalho é a nossa política
"O trabalho é a minha política". Quantas
vezes já ouvimos esta frase? Em regra, tal afirmação tem por objetivo
passar uma mensagem de perigosa desvalorização da política. Mas se quem a
usa e dela abusa for capaz de refletir dois minutos sobre o que diz,
pode descobrir que a frase talvez tenha impregnada uma excelente
afirmação do sentido que a política deve ter. O trabalho é mesmo
central, não apenas na economia, mas sim nas mais diversas áreas da
sociedade e nas dimensões individual e coletiva da vida das pessoas. Por
isso, ele tem de estar no centro da política.
Há
setores políticos dos chamados centro e centro-esquerda que prosseguem
num exercício de quadratura do círculo: tentam encontrar repostas para
bloqueios económicos e sociais com que todos nos deparamos mantendo
quase intactos os fatores geradores de precariedades, de inseguranças,
de desvalorização dos salários, e credibilizando quadros de relações
laborais assentes em poderes absolutamente desequilibrados, com os
sindicatos em "estado de necessidade" e os trabalhadores entregues ao
seu poder individual e à sua capacidade de "empregabilidade". Estas
opções são essência do neoliberalismo, sustentam as injustiças, as
desigualdades e a pobreza, e jamais permitirão à generalidade das
pessoas melhorar as suas condições de vida.
O
Governo do Partido Socialista - que tem base parlamentar de toda a
esquerda - não pode fazer exercícios de encanar a perna à rã e resvalar
para aquele caminho, por muito que se invoque a "realidade" do contexto
europeu e internacional. Esta solução governativa, que sem dúvida vem
gerando esperança e está a ser muito positiva para o país, precisa de
ampliar e consolidar a sua identidade com a base social que a sustenta,
sob pena de vir a criar uma enorme desilusão com consequências políticas
desastrosas. Ao contrário do que afirmam alguns pregadores de serviço,
as reformas de que Portugal necessita para se desenvolver terão de
nascer de propostas e plataformas de políticas construídas com base à
Esquerda, como aconteceu ao longo da nossa história. Isso não significa,
de modo algum, diminuir diálogo social e político, colocar de lado ou
secundarizar os outros setores da sociedade. Como tenho defendido neste
espaço, o Governo tem de ser mais assertivo na discussão e na construção
de compromissos responsabilizadores com os empresários e as suas
organizações, com o poder económico e outras instituições. Conseguirá
esse objetivo se for capaz de se apresentar com uma agenda coerente e
compreensível para a maioria da população e se os seus interlocutores
lhe reconhecerem força à partida.
Na
discussão do emprego ou das relações laborais, o eixo de todo o debate
não se situa na busca de equilíbrio entre os trabalhadores que têm
emprego com direitos e os que estão totalmente desprotegidos. O eixo do
debate tem de se situar na discussão do equilíbrio entre os fatores
trabalho e capital ao nível do estabelecimento de salários justos, de
tempos e condições de trabalho dignas, de sistemas de distribuição e
redistribuição de riqueza qualificadores da sociedade, de
estabelecimento de equilíbrio de poderes entre os representantes das
duas partes em confronto e negociação.
Um sério combate à precariedade generalizada exige uma leitura séria do desemprego em todas as suas expressões. Por outro lado, considerar o chamado desemprego estrutural como mero resultado do desajustamento entre procura e oferta de mão de obra e entender que esse problema pode ser corrigido com mais formação pode tornar-se desastroso por duas razões muito concretas: primeira, o país precisa de um modelo de desenvolvimento que incorpore as formações, sob pena de estarmos a formar para "exportar" ou a iludir e a amesquinhar quem aposta na formação e na qualificação; segundo, por ser injusto e uma fraude inculcar nas pessoas a ideia que o ter ou não êxito na procura de trabalho ou na possibilidade de criar emprego se resolve, só ou fundamentalmente, pela iniciativa de cada pessoa.
Há
que partir das diversas "realidades" com que nos deparamos e estruturar
caminhos de negociação coletiva e de práticas nas relações laborais que
harmonizem no progresso a nossa sociedade.
* Investigador e professor universitário
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
04/12/16
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