Credibilidade ...
Nos
mais variados contextos ouve-se dizer com alguma frequência: “já não
sei em quem acreditar” ou “já não podemos acreditar em nada”...
Ora,
isso dever-nos-ia deixar muito preocupados pois é um claro indicador de
uma sociedade doente, de relações pouco transparentes, de falta de
confiança nas pessoas e nas instituições, etc. No fundo, trata-se de um
atestado generalizado de falta de credibilidade ...
Contudo, tal
parece ser encarado com naturalidade, como algo inevitável numa
sociedade que funciona em roda livre onde o lema parece ser “salve-se
quem puder”.
O problema é que não se afigura ser algo passageiro,
antes pelo contrário. É alimentado diariamente através da “imposição e
aceitação” de ídolos com pés de barro, ao nível do desporto, da banca,
da política, da educação, da ciência, do espetáculo, da economia, da
justiça, etc. sendo que, normalmente, mais tarde muitos desses ídolos
são apedrejados e retirados do pedestal pelos mesmos que, de forma
leviana, irresponsável e apressada lá os colocaram e aplaudiram.
É
assim que, com uma frequência assinalável, vemos muitas pessoas ditas
responsáveis fazerem (ou dizerem) precisamente o contrário do que antes
defendiam. Ou seja, presenciamos autênticos espetáculos de
contorcionismo, alguns fruto de incoerências básicas que não vale a pena
qualificar e outros decorrentes de não se assumirem mudanças de
posição, esquecendo-se que, algumas vezes, mudar de posição é uma
manifestação de inteligência e honestidade.
Podemos dizer que
basta não ligar, virar a página do jornal, mudar de canal ou de site,
mas infelizmente não é assim. Alguns destes contorcionistas bem-falantes
e respetivas instituições (muitas ditas independentes) têm influência
direta sobre o modo de vida coletivo, condicionando fortemente o nosso
dia a dia.
A título de exemplo, uma das principais armas que
temos à disposição para combater este estado de coisas é o
desenvolvimento do espírito crítico alicerçado na compreensão dos
fenómenos, no conhecimento de como se pode atuar sobre eles, na
capacidade de levantar hipóteses e de perceber as possíveis implicações
das opções que se venham a tomar. Isto permitirá, por um lado, tomar
decisões mais adequadas e, por outro, em simultâneo, denunciar e expor
as incoerências e malabarismos dos bem-falantes.
A Escola e o
Clube, como locais privilegiados do processo educativo, podem e devem
assumir-se como instrumentos de mudança. Para isso terão de conseguir
“desenlear-se” dos constrangimentos que lhes são impostos e de algum
conformismo e desencanto que parece andar de mãos dadas com o “deixar
andar” e o “não vale a pena remar contra a maré”.
Por mais
condicionalismos que existam é possível modificar o processo pedagógico
ao nível da sala de aula ou sessão de treino, que não podem continuar a
ser locais onde predomina a transmissão de conhecimentos e a reprodução
de estereótipos e soluções pré-formatadas.
O fantasma dos
programas e dos exames e a pseudo necessidade de ganhar o jogo no
próximo fim de semana, apesar de serem fortes condicionadores dos
comportamentos (na Escola e no Clube), não podem continuar a servir de
desculpa para não se introduzirem mudanças que ajudem a médio e longo
prazo as pessoas, entre muitas outras coisas, a terem princípios e
valores, pensarem pela sua cabeça e a não terem receio de assumir as
suas opções...
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
09/10/16
Credibilidade... (parte II)
No
seguimento do que defendemos no mês passado nesta coluna, e na linha do
que temos vindo a defender há mais de seis anos de ininterrupta
colaboração mensal com o Diário, hoje voltamos ao tema da credibilidade
como elemento fulcral do sucesso nos mais variados setores e áreas
profissionais.
Uma das formas que pensamos ser importante
utilizar para nos ajudar a elaborar uma opinião sobre a credibilidade de
um indivíduo que seja candidato a integrar uma equipa de trabalho ou a
liderá-la (por exemplo, jogador, aluno, treinador, professor, dirigente,
político...), para além da habitual “análise curricular” e daquilo em
que ele diz acreditar e promete fazer, é a recolha de informações (de
forma criteriosa) junto daqueles que trabalham ou tiveram oportunidade
de trabalhar com ele.
Temos de ver para além do embrulho, da
forma como as pessoas nos são apresentadas ou como se autopromovem. É
necessário analisar, por exemplo, a coerência que demonstram ao longo do
tempo, como agem quando têm algum poder, a forma como se relacionam com
os outros, como atuam em situação de crise ou de insucesso, se têm mais
propensão a servir as instituições a que pertencem ou, pelo contrário,
pensam essencialmente no seu umbigo e em servir-se, mesmo que para isso
tenham de passar por cima de tudo e de todos, inclusive daqueles que, em
certas ocasiões, os ajudaram e deram a mão, etc.,etc.
Qualquer
bem-falante (com melhor ou pior aspeto, com ou sem empresário e máquina
de propaganda de suporte) tem possibilidades de “chegar ao coração das
pessoas” prometendo o que elas querem ouvir, sendo que, muitas vezes, as
probabilidades de ser escolhido aumentam de forma proporcional ao
descaramento e à falta de pudor e de vergonha. É por isso que a
credibilidade da pessoa é importante pois pode ser decisiva para que
valorizemos ou não o que ela diz e se propõe fazer.
Podemos dizer
que as pessoas são inteligentes e que não se deixam enganar com
facilidade. Queremos acreditar que sim e que, normalmente, escolhem com
sabedoria (por exemplo, nos clubes, nas escolas, nas universidades, nas
empresas, nos cargos políticos, etc.).Porém, todos sabemos que, por
vezes, demasiadas vezes, isso não acontece.
É preciso ter
consciência que as consequências (positivas ou negativas), relativas às
pessoas que se escolhem ou deixam de escolher seja para integrar equipas
de trabalho ou para as liderar, normalmente prolongam-se no tempo e não
se limitam ao prazo do contrato ou mandato. Basta pensarmos o que tem
acontecido com alguns clubes desportivos, algumas empresas e
instituições públicas e privadas, ou mesmo com alguns governos. Na
esmagadora maioria das vezes essas pessoas foram eleitas ou nomeadas
pelos que foram eleitos (pelos eleitores em geral, os sócios, os
acionistas, os próprios pares, etc.) e, dessa forma, quando mais tarde
nos lamentamos pelo fracasso dessas escolhas, temos que questionar se
não fomos daqueles que, “embalados na canção do bandido”, não nos
informámos devidamente e, por isso, por ação ou omissão, contribuímos
para que fossem escolhidos/eleitos.
Mas não é fácil sair das
análises superficiais, dos juízos de valor telegráficos e do “diz-se,
diz-se”, uma vez que o processo pedagógico que nos formou, e
predominantemente nos continua a formar, acaba por nos formatar a olhar
mais para a aparência que para o conteúdo.
Contudo, convém não
esquecer que se é verdade que, muitas vezes, por exemplo, ao nível do
desporto e da nossa vida privada e profissional a “sorte e o azar”
também condicionam o sucesso, já no que diz respeito à escolha de
pessoas não podemos continuar a dizer que é como os melões: “só se sabe
se é bom depois de abrir”.
Num processo de seleção é imperioso
analisar as diferentes variáveis em jogo, devendo a credibilidade
assumir um papel fundamental, de modo a que mais tarde uns não se
lamentem dizendo “se eu soubesse o que sei hoje...” e outros não se
limitem a ter o fraco consolo do “eu bem te avisei...”.
* Professor Universitário
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
11/11/16
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