Para pior já basta assim
Durante cerca de um ano, Passos Coelho
teve uma narrativa. Este Governo era despesista, as reversões iam
desequilibrar as contas públicas, o investimento ia retrair-se perante o
radicalismo de Esquerda, o défice dispararia. E depois? Depois o PS
acabaria por abandonar o país. Caberia ao PSD o papel difícil, mas
necessário e responsável, de voltar ao comando do navio e pôr as contas
em ordem.
Com a apresentação do
Orçamento do Estado para 2017, o discurso da Oposição fez uma viragem
que deita por terra meses e meses desta narrativa sobre despesismo. Eis
que a palavra de ordem passou a ser austeridade. Primeiro foi Pedro
Passos Coelho a queixar-se que, afinal, "ela" está de volta. Depois
Assunção Cristas disse que de facto é isso. Uma austeridade com roupagem
diferente, um bocadinho mais à Esquerda, mas em qualquer caso
austeridade. E é aqui que o cidadão que tente situar-se neste teatro
político e perceber qual a visão de cada partido para o país fica
baralhado.
Então a contenção na despesa
e o rigor não eram um mal necessário? A dureza dos anos da troika não
era o único caminho para endireitar as contas do Estado, depois do
descontrolo em que PSD e CDS-PP as tinham encontrado? Passos Coelho e
Assunção Cristas prefeririam que este orçamento desse aumentos incríveis
à Função Pública, aumentasse a eito as pensões e evitasse mais
impostos, fazendo disparar de novo o défice?
Sem
o diabo à solta do lado do défice, os líderes da Oposição têm de
encontrar novos perigos em que focar a atenção. E nem lhes falta por
onde. Os níveis de investimento continuam perigosamente baixos e ainda
não foram apresentadas verdadeiras medidas para promover aquilo de que
precisamos como de pão para a boca: o crescimento da economia.
O
Estado, em rigor, não tem orçamento. Tem um bolo que é reunido à conta
de retirar migalhas a cada um dos contribuintes. Sem crescimento, esse
exercício será sempre penoso. Ainda assim, é difícil não reconhecer que o
modelo proposto para o próximo ano introduz um pouco de justiça social,
devolvendo uns tostões a quem mais precisa e procurando ir buscar mais
onde faz menos diferença.
É urgente uma
Oposição construtiva e criativa, que apresente ideias e propostas em
vez de esperar pelas desgraças do poder. Sem isso, a sua existência
torna-se vazia. E até desnecessária como alternativa. Austeridade por
austeridade, para pior já basta esta.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
17/10/16
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