18/10/2016

INÊS CARDOSO

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Para pior já basta assim

Durante cerca de um ano, Passos Coelho teve uma narrativa. Este Governo era despesista, as reversões iam desequilibrar as contas públicas, o investimento ia retrair-se perante o radicalismo de Esquerda, o défice dispararia. E depois? Depois o PS acabaria por abandonar o país. Caberia ao PSD o papel difícil, mas necessário e responsável, de voltar ao comando do navio e pôr as contas em ordem.

Com a apresentação do Orçamento do Estado para 2017, o discurso da Oposição fez uma viragem que deita por terra meses e meses desta narrativa sobre despesismo. Eis que a palavra de ordem passou a ser austeridade. Primeiro foi Pedro Passos Coelho a queixar-se que, afinal, "ela" está de volta. Depois Assunção Cristas disse que de facto é isso. Uma austeridade com roupagem diferente, um bocadinho mais à Esquerda, mas em qualquer caso austeridade. E é aqui que o cidadão que tente situar-se neste teatro político e perceber qual a visão de cada partido para o país fica baralhado.

Então a contenção na despesa e o rigor não eram um mal necessário? A dureza dos anos da troika não era o único caminho para endireitar as contas do Estado, depois do descontrolo em que PSD e CDS-PP as tinham encontrado? Passos Coelho e Assunção Cristas prefeririam que este orçamento desse aumentos incríveis à Função Pública, aumentasse a eito as pensões e evitasse mais impostos, fazendo disparar de novo o défice?

Sem o diabo à solta do lado do défice, os líderes da Oposição têm de encontrar novos perigos em que focar a atenção. E nem lhes falta por onde. Os níveis de investimento continuam perigosamente baixos e ainda não foram apresentadas verdadeiras medidas para promover aquilo de que precisamos como de pão para a boca: o crescimento da economia.

O Estado, em rigor, não tem orçamento. Tem um bolo que é reunido à conta de retirar migalhas a cada um dos contribuintes. Sem crescimento, esse exercício será sempre penoso. Ainda assim, é difícil não reconhecer que o modelo proposto para o próximo ano introduz um pouco de justiça social, devolvendo uns tostões a quem mais precisa e procurando ir buscar mais onde faz menos diferença.

É urgente uma Oposição construtiva e criativa, que apresente ideias e propostas em vez de esperar pelas desgraças do poder. Sem isso, a sua existência torna-se vazia. E até desnecessária como alternativa. Austeridade por austeridade, para pior já basta esta.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
17/10/16


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