HOJE
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Dez quilómetros à hora a bordo
dos transportes públicos
O
DN acompanhou os passageiros que regressam a casa depois de um dia de
trabalho. Muitas horas passadas em filas e esperas, situação que dizem
ter piorado nos últimos anos. De 40 minutos a uma hora para quem
trabalha e vive no centro da capital a três horas para quem tem o
trabalho e a habitação na periferia
Sofia
Raimundo sai do trabalho às 17.30. Nem mais uns minutos para um
telefonema, responder a um e-mail ou falar com um colega. Quando isso
acontece, tudo se atrasa. É tradutora numa empresa que fica em
Linda-a-Velha e mora no Montijo, quatro transportes para apanhar -
autocarro, metro, barco e camioneta ou carro. Sempre em passo de corrida
nas ligações e são duas horas para chegar a casa. O DN perdeu-a várias
vezes neste percurso. "E este é um dia bom, calmo, já cheguei a demorar
três minutos entre a plataforma do metro e o embarque para o barco!"
"E,
sim, não trago saltos altos, às vezes venho de sapatilhas, tenho dois
ou três pares de sapatos no escritório para as reuniões."
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Um
dia bom é apanhar o 748 das 17.38, pouco trânsito na descida para o
Marquês de Pombal, o metropolitano estar sem perturbações e as
composições demorarem três a quatro minutos entre elas. Até teve sorte,
quando chega à estação do Marquês acaba de sair um metro e o mesmo
acontece na mudança, na Baixa-Chiado. E tem de carregar o passe da
Transtejo .
"Perdi o outro metro e
tenho mesmo de apanhar o barco das 18.30, senão é mais meia hora e o meu
marido vai estar à minha espera, tenho um compromisso, desculpem, mas
têm de ser rápidas." Entra na composição, à pinha, sai disparada para
mudar da Linha Azul para a Verde. "Dantes era mais rápido, o barco saía
do Terreiro do Paço, mas mudou temporariamente para o Cais do Sodré,
isto há mais de um ano, agora tenho de fazer mudança por uma estação."
"Devido
a trabalhos no paredão do terminal do Terreiro do Paço, a ligação
fluvial do Montijo encontra-se desviada temporariamente para o terminal
do Cais do Sodré", diz o aviso afixado em julho de 2015 no Cais do
Seixalinho, onde chega o catamarã. Sobre esta situação, a Transportes de
Lisboa, que engloba a Carris, o Metropolitano, a Transtejo e a Soflusa,
nada responde. E Sofia passou a "stressar" ainda mais com os horários e
as transferências para chegar a casa. Aliás, stress é a palavra que
mais se ouve nesta reportagem, em que o DN acompanhou utentes no
regresso a casa na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
"Às
vezes o 748 não vem: há um acidente, uma avaria ou uma supressão, e o
mesmo acontece com o metro, que está pior. Só vão as três primeiras
carruagens para o Cais do Sodré, basta que falte uma para ficar gente na
plataforma. A frota da Carris está fossilizada e também não ajudam as
obras."
Chega um minuto antes de
abrirem as portas na sala 1 do Terminal do Cais do Sodré, de onde sai o
barco para o Montijo. Entra no catamarã, encontra um lugar sentado e
abre o livro Island of Treasure. Toca o telefone: "Ah, desculpa, já
estou no barco, esqueci-me de te avisar!" É o marido.
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Quando
o barco atraca, salta e lá vai a correr, que o marido espera. São pais
da Beatriz, de 11 anos, que estuda em Lisboa, o que faz que Sofia diga:
"De manhã faço batota, venho de carro com o meu marido, mas temos de
sair às 07.00, levamos 30 minutos até Entrecampos. Por isso, não compra
um passe conjunto, apenas para a travessia do Tejo, as restantes viagens
são feitas com o Navegante (título carregável), pago pela empresa por
trabalhar a 45 quilómetros de casa.
Sofia
Raimundo sempre morou na Margem Sul, no Montijo há 17 anos. "Adoro
Lisboa, mas só em agosto", confessa, para concluir: "O meu sonho é ir a
pé do trabalho para casa." Porque, se neste dia conseguiu cumprir as
duas horas de viagem, há vezes em que não é assim. "Já me aconteceu
haver uma urgência do trabalho, não conseguir apanhar o barco das 18.30,
não houve o segundo, e só apanhei o das 19.30." Confessa que o tempo
que perde nos transportes públicos é uma das razões porque hesita em ter
um segundo filho, já que não tem uma família que lhe possa cobrir a
retaguarda.
"Turno da noite é o pior"
João
Paulo Barata, 46 anos, chefe de produção da Nacional, paga 42 euros
pelo passe de comboio e de autocarro, para se deslocar entre Algés, onde
mora, e o Beato, onde trabalha. Sempre funcionou por turnos, produção
contínua: das 07.00 às 15.00, das 15.00 às 23.00 e das 23.00 às 07.00. O
mais complicado é o horário que acaba às 23. "É mau tanto para ir de
casa para o trabalho como para regressar, há menos autocarros e à noite
demoro o dobro do tempo. Antigamente, o 782 saía de Cabo Ruivo às 22.30
com os trabalhadores dos CTT e passava por aqui. Deixou de o fazer.
Fizemos várias reclamações e nunca deram resposta. A única justificação
foi do call center, disseram que não havia passageiros, mas havia, o
autocarro vinha cheio."
No dia em que o DN o acompanhou, João
Paulo entrava às 23.00, mas ia fazer a mudança de turno por volta das
21.30 - vai sempre antes como fazem os outros chefes. Saiu de casa às
20.00 para apanhar o comboio em Algés para o Cais do Sodré, a melhor
opção àquela hora. De manhã, há menos trânsito, apanha o elétrico até
Belém e depois o 728, o mesmo que apanha no Cais do Sodré. Por mais
voltas que dê, leva sempre uma hora a hora e meia em cada ida e volta. E
mete férias no dia 13 de junho desde que levou 12 horas para chegar a
casa, devido às Festas de Santo António.
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Vive
em Algés, uma zona que considera bem servida de transportes, mas diz
que o serviço piorou: "De há uns anos para cá há menos transportes, os
comboios da CP são de 20 em 20 minutos, quando antigamente eram de 12 em
12. O 728 [Restelo-Portela] tem um longo trajeto e, quando há
problemas, chegamos a esperar 45 minutos. E é o único que passa em
Xabregas."
Custo elevado dos transportes
As
queixas de Maria Helena Notário são os custos da camioneta 330 - Gare
Oriente a Forte da Casa - e de o horário diurno não começar mais cedo.
Vive no Bairro da Primavera, em Santa Iria de Azoia, e o bilhete a bordo
custa 3,25 euros, muito mais caro do que o barco ou o comboio. Tem um
passe só para a rodoviária, 62,60 euros mensais, para fazer 14 km. "O
passe L123 dá para todos os transportes de Lisboa, porque é que não dá
para esta zona? A pergunta de Maria Helena foi dirigida à Rodoviária de
Lisboa (RL), que respondeu ao DN. "Foi um serviço que a RL implementou,
aquando da Expo"98, disponibilizando uma alternativa de transporte aos
residentes na zona do Forte da Casa, Quinta da Piedade. Face a esta
circunstância, o tarifário adotado foi específico e onde apenas são
utilizados os títulos próprios ou títulos combinados com a Carris e o
Metro. Embora a carreira 330 não permita a utilização do L123, há
alternativas."
Alternativas que não servem a Maria
Helena, 51 anos, pasteleira. Trabalha na Bela Vista, quatro estações de
metro até chegar à Gare Oriente, onde apanha a camioneta. "Se fosse de
comboio demorava muito mais tempo. Também cortaram os comboios. E a
estação fica longe da minha casa, o 330 passa mesmo ao lado." Gasta
entre uma hora a hora e meia na viagens, de de manhã leva mais tempo e
ao fim de semana o dobro. Trabalha entre as 06.30 e 16.00 e de manhã não
há 330. "Apanho outra carreira, são mais 15 minutos a pé e, ao fim de
semana, é uma complicação e eu não tenho carro. À semana, saio às 16.00 e
não há muito trânsito, às horas de ponta esta carreira leva 40 minutos
ou mais do Oriente à Póvoa de Santa Iria, agora é metade."
A
RL informou ao DN: "Nos último anos não fizemos supressão de serviços,
pelo contrário, reforçámos algumas linhas." Efetivamente, Maria Helena
Notário não nota menos carreiras, mas mais passageiros. "As camionetas
estão mais cheias, parece que há menos comboios a circular. E sem o ar
condicionado ligado. Não há condições."
Desilusão com a capital
José
Félix está um pouco desanimado. "E o tempo que passo nos transportes
ainda piora. Não sou de Lisboa e pensei que os transportes fossem mais
rápidos. E só apanho o metro, mas espero seis a sete minutos na estação
do Oriente, mais tempo ainda no Saldanha, onde faço a mudança de linha
para chegar ao Marquês de Pombal. E isto quando não há perturbações, o
que há quase sempre." Nem de propósito, o placard informa: "Perturbações
na Linha Vermelha". São 17.40, José Félix saiu há dez minutos do local
de trabalho, um call center, desloca-se para uma perpendicular ao
Marquês de Pombal, demorando 40 minutos a uma hora. E ao fim de semana e
à noite é pior, já que José trabalha por turnos.
Tem
31 anos, é de Peso da Régua e licenciou-se em Turismo, para emigrar
para a Polónia. Regressou há seis meses a Portugal, para a capital
portuguesa, onde esperava ter mais oportunidades. O que ainda está à
espera.
São 17.40 e nada de metro, às 17.56 surge
uma composição mas reservada. Quando finalmente para um metro, entra
tudo a magote e há quem tenha de esperar pelo próximo. O que se houve:
"Agora há sempre perturbações na linha." "Mas hoje é demais." "Isto tem
ar condicionado, mas pelo vistos não está a funcionar." "Estão cinco
motoristas de baixa, três foram dispensados e dois estão de férias."
"Como é que sabe isso?" "Disse-me uma senhora lá de dentro."
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Já
a mudança no Saldanha, para apanhar a Linha Amarela, representou apenas
três minutos de espera. Mesmo assim, José Félix sai na estação do
Marquês de Pombal às 18.13. E ainda são dez minutos a pé até chegar a
casa.
Barreiro-Algueirão em três horas
Dois
minutos, dois minutos era quanto a enfermeira Angelina Gardete, 60
anos, precisava para apanhar o comboio das 18.41 no Rossio, com destino a
Sintra, para sair no Algueirão, onde mora. Assim, tem de esperar mais
30 minutos. "Não sei o que se passa, antes eram mais próximos", lamenta.
Do gabinete de comunicação da CP informaram o DN: "Há dois comboios que
pode utilizar para, com transbordo na estação do Cacém, ter ligação a
Sintra, comboios de dez em dez minutos." Angelina diz que não compensa,
que além de poder não ter lugar sentada, o tempo que iria ganhar seriam
uns dez minutos. E a composição que sai meia hora depois vai cheia e com
entrada de passageiros ao longo do percurso.
E
vai já com 1h45m de viagem desde que deixou o Hospital do Barreiro,
onde trabalha. É um dos seus três locais onde exerce funções, além dos
hospitais de Amadora-Sintra e de Cascais, este último o que lhe dá um
ordenado fixo. Desloca-se para estas unidades em viatura própria, mas o
tempo, o custo do combustível e as portagens não compensam a sua
utilização para o Barreiro. Gasta uma média de 250 euros por mês nas
deslocações.
Saiu do hospital às 17.30
para apanhar o barco no Barreiro das 17.45, chegando ao Terreiro do Paço
20 minutos depois para apanhar o comboio no Rossio. "Posso apanhar o
metro, mas a médica diz que faz bem andar e aproveito, são 15 minutos a
pé. Quando estou com mais pressa vou no metro, mas são cada vez mais
espaçados e, muitas vezes, está com problemas."
Desce em Algueirão-Mem Martins às 19.46 e,
neste dia, não tem o carro disponível porque o emprestou ao filho. Terá
de apanhar a camioneta. Nos dias em que está menos cansada, o que não é
o caso, vai a pé e são 20 minutos. No horário diz que a próxima é às
20.12, mas tem sorte e apanha outra por volta das 20.00. "São três horas
de viagem, mais coisa menos coisa, é sempre assim, na ida e na volta."
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Horas
que dá para falar de tudo, que trabalha e desconta desde os 12 anos,
que voltou a estudar quando conseguiu pagar os estudos, que sofreu
violência doméstica com o pai dos dois filhos. E que, muito
provavelmente, regressará a Londres, onde já trabalhou. E onde ganha
mais num mesmo sítio do que nos três hospitais em Lisboa. "O tempo e o
dinheiro que gasto nas viagens? Quase que não compensa, mas tem de ser!"
* Exemplos claros de que o direito à qualidade de vida é uma treta.
* Exemplos claros de que o direito à qualidade de vida é uma treta.
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