18/07/2016

MARIA JOÃO RIBEIRO

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Barroso e Sherman: 
o “cherne” e o “cerne”

A condecoração que ficou por atribuir foi a do americano “mais-português-que-muitos-portugueses”: Robert Sherman. O Embaixador americano em Lisboa deu-nos uma verdadeira lição de comunicação e diplomacia.
O rescaldo da vitória de Portugal no campeonato europeu de futebol tem levantado pertinentes questões sobre determinados comportamentos a que importa estar atento e dedicar apurada reflexão: a) o que disse Ronaldo a Éder antes deste se lançar para o golo; b) o que sussurrou Éder a Ronaldo depois do jogo; c) que música inspirou Éder para derrotar os franceses; d) quem estimulou a glândula responsável pela concretização de golos de Éder; e) com que peluche dorme Éder enroscado…

São já conhecidas algumas das respostas: a) “Vais marcar o golo da vitória, f…”; b) “Fiz isto por ti e pelos 23”; c) “Purpose”, de Justin Bieber; d) a mentalista Susana; e) até à data de conclusão deste texto, e apesar de todos os esforços, não conseguimos apurar com acuidade a identidade do referido boneco.

Com estes elementos ficamos a saber um pouco mais sobre os senhores Comendadores jogadores – inclino-me em vénia quando os menciono – distinguidos pelo contributo que prestaram para o engrandecimento da sociedade portuguesa e que daqui em diante passarão a jogar de medalha ao peito.

A propósito do enaltecimento de Portugal, foram muitas as vozes que se levantaram em protesto por Marcelo Rebelo de Sousa não se ter lembrado de galardoar os grandes feitos de Durão Barroso, mas estas olvidavam que o antigo Presidente da Comissão Europeia conta já com muitas agraciações, comendas e “encomendas”. A mais recente destas últimas foi feita por um dos maiores bancos de investimento americanos, Goldman Sachs. Um outro coro de vozes iníquas acusou Barroso de falta de sentido de Estado. Como o podem fazer? Durão é dos homens que mais esbanja “sentido de estar” e tem um apuradíssimo “sentido de bem-estar”.

Com efeito, os ex-comissários devem respeitar um “período de nojo” de 18 meses para aceitarem outros cargos e evitarem conflitos de interesses, e Barroso cumpriu respeitosamente este requisito – que deve, aliás, ter sido imposto pelos franceses devido à fixação que estes têm pelo “nojento” e pelo “dégueulasse”. São sobretudo os franceses quem mais aponta o dedo à escolha de Durão, questionando a sua ida para um banco que conduziu a zona euro para uma crise sem precedentes e acusando-o de ter informações privilegiadas sobre o tema do “Brexit”, para o qual vai ser consultor.

Não sabemos se Barroso foi “criticado por ter cão ou por não o ter”, mas aproveitando a boleia da bicharada, até o gato Larry parece ter mais sentido de Estado do que Durão Barroso. O “chief mouser” branco e tigrado não abandonou o número 10 de Downing Street – coibindo-se de seguir o dono, Cameron, que o resgatou de um gatil em 2011 – porque esta é a atitude que a pátria espera dele, evitando com este comportamento um pesaroso “Catexit”, que deixaria fragilizados os ingleses e a economia mundial.

Em boa verdade, a imagem de um país é tão ou mais importante que o aspeto de um chefe de Estado. Hollande sabe-o bem e preocupa-se não só com as luzes e as cores que iluminam (ou não) a Torre Eiffel, mas também com o escrupuloso rigor do seu penteado avaliado em 120 mil euros/ano. Quem sabe se a Federação Portuguesa de Futebol não tivesse feito um investimento semelhante, a seleção da era Paulo Bento não teria chegado mais longe?

A condecoração que ficou por atribuir, contudo, foi a do americano “mais-português-que-muitos-portugueses”: Robert Sherman. O Embaixador americano em Lisboa deu uma lição de comunicação e diplomacia aos que, estupefactos como eu, seguiam os sucessivos vídeos de apoio à seleção portuguesa, feitos com entusiasmo e maestria. Envergando o equipamento da seleção das quinas, Sherman mais parecia um “Chairman” de Portugal. Parafraseando a nossa Ministra da Justiça a propósito do regabofe das cadeias, a euforia do Embaixador foi um verdadeiro “epifenómeno”.

Vestindo literalmente a camisola, Sherman liderou pelo exemplo e pela proximidade – algo de que tantos políticos e diplomatas andam arredados com as suas “caras de tacho” e as inscrições vitalícias nas estéreis “festas do rissol”. Aparecendo em poses descontraídas, animadas e a olhar diretamente para a câmara, o Embaixador americano abeirou-se do povo português como poucos candidatos portugueses em eleições lograram fazer. Conseguindo travestir-se de “mais um de nós”, Robert Sherman conquistou os portugueses e fez mais pelas relações emocionais com os EUA do que muitas reuniões, conferências e tratados.

Mais do que um site para pedir desculpas a Éder, pugnaria por uma plataforma de agradecimento a Sherman e talvez até o colocasse a assessorar o Governo na discussão com o Ecofin, com vista à dispensa das temerosas sanções.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
16/07/16


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