Barroso e Sherman:
o “cherne” e o “cerne”
A
condecoração que ficou por atribuir foi a do americano
“mais-português-que-muitos-portugueses”: Robert Sherman. O Embaixador
americano em Lisboa deu-nos uma verdadeira lição de comunicação e
diplomacia.
O rescaldo da vitória de Portugal no campeonato europeu
de futebol tem levantado pertinentes questões sobre determinados
comportamentos a que importa estar atento e dedicar apurada reflexão: a)
o que disse Ronaldo a Éder antes deste se lançar para o golo; b) o que
sussurrou Éder a Ronaldo depois do jogo; c) que música inspirou Éder
para derrotar os franceses; d) quem estimulou a glândula responsável
pela concretização de golos de Éder; e) com que peluche dorme Éder
enroscado…
São já conhecidas algumas das respostas: a) “Vais marcar o golo da
vitória, f…”; b) “Fiz isto por ti e pelos 23”; c) “Purpose”, de Justin
Bieber; d) a mentalista Susana; e) até à data de conclusão deste texto, e
apesar de todos os esforços, não conseguimos apurar com acuidade a
identidade do referido boneco.
Com estes elementos ficamos a saber um pouco mais sobre os senhores
Comendadores jogadores – inclino-me em vénia quando os menciono –
distinguidos pelo contributo que prestaram para o engrandecimento da
sociedade portuguesa e que daqui em diante passarão a jogar de medalha
ao peito.
A propósito do enaltecimento de Portugal, foram muitas as vozes que
se levantaram em protesto por Marcelo Rebelo de Sousa não se ter
lembrado de galardoar os grandes feitos de Durão Barroso, mas estas
olvidavam que o antigo Presidente da Comissão Europeia conta já com
muitas agraciações, comendas e “encomendas”. A mais recente destas
últimas foi feita por um dos maiores bancos de investimento americanos,
Goldman Sachs. Um outro coro de vozes iníquas acusou Barroso de falta de
sentido de Estado. Como o podem fazer? Durão é dos homens que mais
esbanja “sentido de estar” e tem um apuradíssimo “sentido de bem-estar”.
Com efeito, os ex-comissários devem respeitar um “período de nojo” de
18 meses para aceitarem outros cargos e evitarem conflitos de
interesses, e Barroso cumpriu respeitosamente este requisito – que deve,
aliás, ter sido imposto pelos franceses devido à fixação que estes têm
pelo “nojento” e pelo “dégueulasse”. São sobretudo os franceses quem
mais aponta o dedo à escolha de Durão, questionando a sua ida para um
banco que conduziu a zona euro para uma crise sem precedentes e
acusando-o de ter informações privilegiadas sobre o tema do “Brexit”,
para o qual vai ser consultor.
Não sabemos se Barroso foi “criticado por ter cão ou por não o ter”,
mas aproveitando a boleia da bicharada, até o gato Larry parece ter mais
sentido de Estado do que Durão Barroso. O “chief mouser” branco e
tigrado não abandonou o número 10 de Downing Street – coibindo-se de
seguir o dono, Cameron, que o resgatou de um gatil em 2011 – porque esta
é a atitude que a pátria espera dele, evitando com este comportamento
um pesaroso “Catexit”, que deixaria fragilizados os ingleses e a
economia mundial.
Em boa verdade, a imagem de um país é tão ou mais importante que o
aspeto de um chefe de Estado. Hollande sabe-o bem e preocupa-se não só
com as luzes e as cores que iluminam (ou não) a Torre Eiffel, mas também
com o escrupuloso rigor do seu penteado avaliado em 120 mil euros/ano.
Quem sabe se a Federação Portuguesa de Futebol não tivesse feito um
investimento semelhante, a seleção da era Paulo Bento não teria chegado
mais longe?
A condecoração que ficou por atribuir, contudo, foi a do americano
“mais-português-que-muitos-portugueses”: Robert Sherman. O Embaixador
americano em Lisboa deu uma lição de comunicação e diplomacia aos que,
estupefactos como eu, seguiam os sucessivos vídeos de apoio à seleção
portuguesa, feitos com entusiasmo e maestria. Envergando o equipamento
da seleção das quinas, Sherman mais parecia um “Chairman” de Portugal.
Parafraseando a nossa Ministra da Justiça a propósito do regabofe das
cadeias, a euforia do Embaixador foi um verdadeiro “epifenómeno”.
Vestindo literalmente a camisola, Sherman liderou pelo exemplo e pela
proximidade – algo de que tantos políticos e diplomatas andam arredados
com as suas “caras de tacho” e as inscrições vitalícias nas estéreis
“festas do rissol”. Aparecendo em poses descontraídas, animadas e a
olhar diretamente para a câmara, o Embaixador americano abeirou-se do
povo português como poucos candidatos portugueses em eleições lograram
fazer. Conseguindo travestir-se de “mais um de nós”, Robert Sherman
conquistou os portugueses e fez mais pelas relações emocionais com os
EUA do que muitas reuniões, conferências e tratados.
Mais do que um site para pedir desculpas a Éder, pugnaria por uma
plataforma de agradecimento a Sherman e talvez até o colocasse a
assessorar o Governo na discussão com o Ecofin, com vista à dispensa das
temerosas sanções.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
16/07/16
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