HOJE NO
"OBSERVADOR"
A falsa seita que
abusava de crianças em Palmela
Um falso psicólogo criou um falso local de culto para uma falsa seita
religiosa. Pedro, de 34 anos, era tratado por "mestre". Na realidade,
abusava de crianças e vendia os seus serviços a pedófilos.
Da estrada vê-se apenas a casa principal da herdade, em Brejos do
Assa, Palmela. Nada que dê indicação do que se passava lá dentro. Um
falso local de culto, de uma falsa seita religiosa, inventada por um
falso psicólogo. E assim Pedro, de 34 anos, abusou de várias crianças e
criou um negócio de pedofilia.
Foi preciso percorrer o caminho de
terra para a Polícia Judiciária encontrar inscrito numa árvore o nome
“Javeh” e um crucifixo. À volta, umas cadeiras, onde seriam feitas as
supostas cerimónias religiosas. E depois, entre paredes, o choque: havia
colchões espalhados por todo o lado e documentos com as regras da
organização. Os miúdos passavam por uma cerimónia semelhante ao batismo,
mas o grande objetivo “não era chegar ao céu”. Era ser purificado.
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Havia vários graus de purificação, todos eles através de atos
sexuais com os menores. “Sexo anal era o topo. Seguiam-se diferentes
tipos de abusos: carícias, masturbação, sexo com penetração”, diz uma
fonte da PJ. Os purificadores? Os predadores sexuais.
Pedro sabia que podia fazer dinheiro. Bissexual assumido, ele próprio
abusava dos menores. Criando cenários para lhes tirar fotografias,
acariciando-os. Foram essas imagens, assim como as descrições físicas de
cada um dos meninos que usou numa série de sites destinados a
encontros gay — onde passava horas e acabaria por encontrar vários
homens que andavam, afinal, à procura de crianças.”Ele percebeu que
havia homens com preferências específicas por crianças e começou a
vender-lhe os serviços”, diz fonte da investigação.
Para camuflar o
esquema, Pedro, utilizando os seus conhecimentos enquanto Testemunha de
Jeová, criou uma seita a que chamou “Verdade Celestial”. Segundo a PJ,
elaborou um conjunto de regras, com categorias hierárquicas, e alegava
ser ele o “mestre” — que por sua vez respondia a um mestre espanhol, de
nome Pablo. No Facebook, criava vários perfis para sustentar a mentira.
Pedro dava consultas de psicologia e explicações às crianças e
aproveitava-se do facto de elas por vezes passarem a noite na quinta
para trazer os clientes pedófilos até lá. Enquanto as crianças dormiam,
eram sujeitas a abusos sexuais vários. Sempre sozinhas, para que os
crimes não fossem testemunhados por outras crianças. E sempre sob o
pretexto da purificação. “Chegou a cobrar 30, 60 euros pelos serviços.
Havia homens que acabavam a dormir lá, outros iam embora” depois dos
abusos, conta a PJ.
Entre os múltiplos contactos que fez pela
internet, e cujas conversas foram recuperadas pela Polícia Judiciária,
há diálogos “inacreditáveis”. “Nalguns ele descreve os próprios filhos.
Noutros, há homens a sugerirem que tenham filhos para se servirem
deles”, conta a PJ.
Na casa que a PJ visitou, em junho de 2015, numa operação
montada em apenas duas semanas, viviam Pedro, a mulher e os dois filhos,
um amigo que servia de “motorista” da organização e o filho deste,
também menor. Era o motorista quem ia buscar e levar os miúdos a casa
dos pais.
A certa altura, nos contactos pela internet, Pedro
conheceu também um casal de raparigas com cerca de 20 anos que tinham
fugido da casa dos pais, em Aveiro, porque eles não aceitaram a sua
homossexualidade. “Foram para lá viver, tomavam conta das crianças, mas
tinham práticas sexuais à frente delas. Uma vez terão mostrado como se
usa um vibrador”, diz a PJ. “Lembro-me de a mulher do Pedro andar sempre
acompanhada de duas miúdas muito loiras. Dizia que eram amigas dela. Às
vezes eram elas que iam buscar as crianças à escola”, diz uma
testemunha.
Certo dia, chegou um oitavo habitante à casa: um rapaz
que acabara o curso superior e que também tinha assumido a sua
homossexualidade. Os pais não o aceitaram e sentia-se “perdido”. Todos
eles contribuíam de alguma forma para a falsa seita, acreditando que
Pedro tinha “superpoderes”.
“Ninguém queria acreditar na história”
Foi esse rapaz, recém-licenciado, que acabou por denunciar tudo à PJ.
Um dia, chateado com Pedro, disse-lhe que ia abandonar a organização. O
mestre respondeu-lhe que, se o fizesse, corria sérios riscos de vida.
Alegou que havia elementos da PSP e da GNR na organização e que esta
tinha dimensões internacionais. Chegou mesmo a castigá-lo, obrigando-o a
despir-se e vergastando-o com ramos de árvores.
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O rapaz fugiu e,
cheio de medo, foi bater à porta da Polícia Judiciária de Setúbal.
“Ninguém queria acreditar na história que estava a contar”, diz a fonte.
“Era tão inacreditável que tivemos dificuldade em considerar o caso
credível”, sublinha. Mas, como a história envolvia crianças, era preciso
atuar. “É um case study. Não é normal em Portugal, parece inacreditável. Passa-se ao lado da nossa casa”, diz a PJ.
Em duas semanas, a PJ conseguiu reunir vários peritos e obter
mandados de busca e detenção para junho de 2015. “Nesse dia havia
polícia por todo o lado”, recorda a vizinha. Foram recolhidos
computadores, vestígios de sémen, papéis com regras e todas as provas
que pudessem confirmar a história da testemunha que fugiu da seita.
Seguiram-se horas de interrogatórios, de identificações das crianças, de
cruzamento de provas — que incluíam chats na internet, vídeos, fotografias feitas na casa.
A
PJ conseguiu identificar oito vítimas, entre elas os filhos de Pedro e
do seu motorista. “O filho do ‘psicólogo’ era uma criança muito calada.
Fazia tudo o que lhe diziam e passava o dia sem ir à casa de banho. Ele
recusava ir a passeios da escola por causa disso”, conta a funcionária
da escola.
Pedro alegou também ser vítima
Assim que a PJ lhe entrou em casa, Pedro descaiu-se. Disse que já
estava à espera de ser detido um dia. Mas depois, já nas instalações da
PJ, viria a tornar-se um suspeito difícil de interrogar. Com
contradições e omissões. Até que, com persistência da polícia, acabou
por confessar. Alegou ter sido abusado em criança, à frente dos pais,
pensando assim que a sua culpa seria atenuada.
No seu passado,
apurou a PJ, não havia cadastro. Mas a mulher dele admitiu ter-lhe
satisfeito alguns fetiches sexuais, como fazer sexo com outros homens
enquanto ele filmava. Por outro lado, ele próprio já tinha deixado um
pedófilo ir a sua casa e acariciar o seu filho. Um ato que também filmou
e com o qual chegou a lucrar. “Foram encontradas no computador inúmeras
imagens dele próprio e de pornografia infantil. Fotografava os miúdos
na piscina insuflável, de cuecas, afastava as cuecas das crianças e
mostrava isso tudo a pedófilos”, diz a PJ.
Com ele foram detidos
quatro outros homens, os “purificadores” da seita: o recém-licenciado;
um homem com o curso de Direito que se fazia passar por advogado; o
motorista; e um amigo, que namorava com a filha dos donos da quinta. Os
primeiros três ficaram em prisão preventiva. Há ainda um quinto arguido,
que, quando a PJ agiu, já se encontrava preso preventivamente à ordem
de outro processo — também por abuso sexual de menores. A mulher de
Pedro e as duas raparigas de Aveiro foram detidas, mas encontram-se em
liberdade. “A mulher do mestre tem uma atitude demasiado passiva, tem
algum instinto protetor em relação ao mais velho, mas assistia impávida e
serena. Compactuou”, diz a PJ.
Como Pedro chegou à terra e ficou conhecido por “psicólogo”
A dona de um café em Brejos do Assa, Palmela, que não quer ser
identificada, lembra-se bem da primeira vez que viu Pedro. Chegou ao
café acompanhado da mulher e dos dois filhos pequenos. Foi a mulher dele
quem os apresentou, através de uns cartões de visita que o
identificavam como “psicólogo”. E foi assim que Pedro ficou conhecido
pela vizinhança. Até ao dia em que a PJ irrompeu na casa onde viviam e
desmantelou a falsa seita religiosa. Um ano depois, com cinco homens e
três mulheres arguidos no processo, o caso continua a gerar
perplexidade.
Pedro e a mulher terão chegado à freguesia em 2013. Quem os conheceu
diz que pareciam “pessoas pobres”. Pensavam que tinham vindo do Norte,
com os dois filhos então de dois e sete anos. Mas, segundo disse fonte
da PJ ao Observador, Pedro veio de perto. Antes vivera em casa de uma
irmã no bairro de Monte Belo, em Setúbal, onde trabalhou como
rececionista. E a mulher era do Pinhal Novo.
O casal não teve
dificuldades em integrar-se. Pedro tinha experiência como treinador de
futebol e conseguiu um lugar no Clube Desportivo de Algeruz, a treinar
os Ferinhas. Ia mantendo contacto com os rapazes menores. Aos pais,
entregava cartões e apresentava a sua especialidade: psicologia.
“Cheguei a levar lá o meu filho, ele fez um relatório médico e eu
entreguei-o à psicóloga da escola. Nunca ninguém estranhou”, disse uma
residente ao Observador.
Os relatórios feitos pelos psicólogos da PJ mostram que é um “burlão
manipulador, mentiroso, convincente naquilo que diz”. Pedro conseguia
argumentar e convencer as pessoas sem sequer as confrontar. Sabia
levá-las. E foi assim que se integrou na freguesia e depressa conseguiu
um conjunto de clientes. Todos menores.
Manuel ainda se lembra de
quando ele chegou. Um vizinho perguntara à sua mulher, entretanto
falecida, se ela não teria um espaço para o “senhor psicólogo alugar
para dar consultas”. Ela tinha um anexo: uma sala, uma pequena cozinha e
uma casa de banho. Pedro aceitou e pagou-lhe 150 euros. Ainda chegou a
pintar as paredes, mas acabou por nunca habitar ali, em Algeruz. A
mulher de Manuel acabou por devolver-lhe o dinheiro. “Via-se que eram
pessoas pobres”, argumenta.
Foi num anexo numa quinta em Brejos do
Assa que Pedro e a família acabaram por ficar. Com eles um amigo, da
mesma idade, que também tinha um filho de oito anos. Com os contactos
feitos através dos treinos de futebol com os pais das crianças, Pedro
começou a dar consultas de Psicologia. Diz a PJ que por apenas cinco
euros. Paralelamente, dava explicações. “Lembro-me de ele vir cá
distribuir panfletos para divulgar as explicações que dava. Mal soube
que tinha sido preso deitei tudo fora”, conta ao Observador uma
funcionária da escola primária, frequentada pelo filho de Pedro.
Montou o seu negócio e acabou por deixar os treinos de futebol. Da
estrada, é impossível ver todo o espaço ocupado por Pedro, localizado no
centro de uma enorme quinta com árvores de fruto e rodeada de videiras.
Cá fora, os moradores pensavam tratar-se um verdadeiro ATL. Havia
consultas de psicologia, explicações e atividades. Os miúdos gostavam de
ir para lá. E os pais até chegaram a ser convidados para festas e
sessões de karaoke. Sem suspeitas. “Ao fim de semana ouvia-se sempre
música. Às vezes até muito tarde”, conta ao Observador uma vizinha, que
chegou a pensar deixar lá o neto no verão — a PJ chegou antes para
prender Pedro.
A acusação aos cinco homens e três mulheres por
parte do Ministério Público ficou concluída em junho deste ano, doze
meses após a detenção. O procurador pediu que os arguidos perdessem as
responsabilidades parentais. Os filhos de Pedro encontram-se à guarda da
mulher dele, que está em liberdade.
A Comissão de Proteção de
Menores e Jovens em Risco está a avaliar o caso. Além dos filhos dos
arguidos, vai avaliar se as crianças que foram vítimas dos abusos se
encontram seguras com quem vivem. “Como é que os pais nunca suspeitaram,
olhando para as condições daquela casa?”, interroga a PJ. E deixa o
aviso: “Que este caso sirva de prevenção. Estas coisas podem acontecer
mesmo ao lado e ninguém dá por elas”.
* Uma história real tenebrosa, tenebroso devia ser o castigo para este bandido.
Não esqueça, ao longo da história mais de 90% das guerras têm como origem conflitos gerados por religiões, em nome de Deus assassina-se.
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