HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
Durão Barroso:
O peixe graúdo que
a Goldman Sachs pescou
A Goldman Sachs contratou Durão Barroso para
seu "chairman" e consultor. Durão Barroso tinha saído em 2014 da
Comissão Europeia e andava dedicado à vida académica.
Aos
60 anos, Durão - Barroso para os portugueses, José Manuel Barroso para o
mundo e Zé Manel para os mais íntimos -, já escolheu o seu novo
destino. Vai ser "chairman" do Goldman Sachs, e consultor do banco norte-americano para o Brexit.
.
Durão Barroso entrou pela porta grande na
instituição que está em litígio com o Banco de Portugal ainda por causa
da resolução do Banco Espírito Santo. Tudo começou quando o regulador
português decidiu, já depois da resolução, reenviar para o BES "mau" um
crédito concedido pela Oak Finance, por considerar que esta entidade era
indirectamente um dos accionistas qualificados em Agosto de 2014,
aquando da resolução do BES.
O Banco de Portugal considerou
"haver razões sérias e fundadas para considerar que a Oak Finance
actuara, na concessão do empréstimo, por conta da Goldman
Sachs International, e que esta entidade detivera uma participação
superior a 2% do capital do BES". Por isso, retirou esse crédito ao Novo
Banco e devolveu-o ao BES "mau".
O processo chegou a tribunal e
está a ser julgado em Londres. A Oak Finance contesta que a instituição
estava apenas a actuar em nome de clientes que não se queriam
identificar. Segundo foi noticiado pelo Wall Street Journal,
houve um "esforço conjunto" de vários grandes nomes do banco americano
para conseguirem ganhar o negócio com o BES, entre eles José Luís
Arnaut, consultor da Goldman Sachs, e o também português António
Esteves, que na altura era um dos altos quadros do banco norte-americano
de onde entretanto saiu.
Esse papel de Arnaut chegou a ser razão para o PS querer ouvi-lo na
comissão de inquérito parlamentar ao BES/GES, mas o advogado acabou por
ser dispensado. Tal, aliás, como Durão Barroso que chegou a constar da
lista de personalidades a ouvir. Barroso era, na altura da resolução do
BES, presidente da Comissão Europeia. Mas não tendo ido à comissão
enviou umas respostas por escrito a propósito de ter recebido Ricardo
Salgado em Maio de 2014, à data presidente do BES, num encontro
onde este lhe revelou dificuldades do Grupo da família. Na resposta à
comissão de inquérito, Durão Barroso confirmou a reunião, garantindo ter
aconselhado Salgado "a entrar em contacto com as autoridades
portuguesas até porque não via em que medida a Comissão poderia ter
intervenção útil naquela questão".
Anos mais tarde, problemas com outro banco nacional. Apesar das
várias questões colocadas sobre o papel da Comissão Europeia,
nomeadamente da Direcção-geral da Concorrência, no desenvolvimento da
capitalização do Banif
(que culminou na resolução da instituição já em Dezembro de 2015),
Durão Barroso acabou, também, por não ir à comissão de inquérito. Em
entrevista ao Expresso, em Maio deste ano, afirmou que nem o regulador
nem o Governo tinham feito "alertas especiais, pelo menos que eu me
recorde, em relação à situação da banca. A Comissão, por exemplo, quando
recebeu notícias do Banif, achou logo que aquilo era muito estranho". E
o facto de Bruxelas ter recusado planos de reestruturação do Banif foi
referido por Durão como a chamada de atenção da Comissão sobre os
problemas. Quando o Banif acabou em resolução já Jean-Claude Juncker
tinha substituído Durão Barroso na liderança da Comissão Europeia.
Não há mal em trabalhar no privado
Depois de sair de Bruxelas, Durão Barroso – que de 2004 a 2014
foi presidente da Comissão Europeia – esteve em actividade académica.
Foi professor convidado de Política Económica Internacional e "fellow"
na Universidade de Princeton – onde continuará a dar aulas
esporadicamente, segundo disse recentemente ao Expresso -, assim como
professor convidado na Universidade Católica, em Lisboa, na Universidade
de Genebra, e no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do
Desenvolvimento, também naquela cidade suíça.
Em entrevista ao Expresso, em Maio,
Durão Barroso assumiu que se manteria ligado à universidade, e que
tinha recebido "algumas propostas interessantes do sector económico e
empresarial". "É possível que aceite alguma coisa do ponto de vista
não-executivo", admitiu. Trabalhar no privado depois dos mais altos
cargos que teve, dizia, "é perfeitamente legítimo, desde que se evite
qualquer problema de conflito de interesses. Razão pela qual quis deixar
passar algum tempo antes de considerar qualquer ocupação desse género.
Precisamente para marcar uma distância no tempo em relação a essa
responsabilidade", justificava.
"A política", garantia "para mim hoje em dia, como actividade, é coisa do passado".
Agora junta-se à Goldman Sachs, banco que em várias ocasiões se
tornou notícia por levar para os conselhos do banco altos dirigentes ou
políticos. Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, ou Mario
Draghi, presidente do BCE, são alguns dos nomes associados ao Goldman.
Ou ainda Mario Monti, que foi comissário europeu e primeiro-ministro de
Itália. Marc Roche, jornalista do Le Monde, colocou o dedo na ferida no
livro "O banco – como o Goldman Sachs dirige o mundo".
Para este jornalista, segundo declarações à Lusa,
a filosofia Goldman Sachs está presente na política europeia através de
um grupo de "iluminados" que são simultaneamente "um grupo de pressão,
uma associação de colheita de informações, uma rede de ajuda mútua
eficaz, competente e treinada na instituição norte-americana", apesar de
se saber muito pouco sobre o que andaram a fazer no Goldman Sachs os
"tecnocratas" que actualmente são protagonistas na Europa. Agora, é a
vez de Durão Barroso ir para a instituição. De Portugal, também passou
pela instituição António Borges, já falecido, que viria a ser
assessor da Parpública para as privatizações, no Governo de Passos Coelho.
É também de um clube considerado – no livro do jornalista do DN Rui
Pedro Antunes - o "mais poderoso do mundo" que "influencia o destino da
nação", que Durão Barroso passou a fazer parte. É o líder nacional do
Clube de Bilderberg, em substituição de Francisco Pinto Balsemão. Sempre
com ligações ao PSD, Durão Barroso foi, pela primeira vez este ano o
líder nesse clube, tendo convidado a ir ao encontro Maria Luís
Albuquerque, ex-ministra das Finanças e vice-presidente do PSD, e
Fernando Medina, o autarca de Lisboa. Segundo uma investigação de Rui
Pedro Antunes, os portugueses que já estiveram nestes encontros anuais
acabaram por ascender ou já tinham desempenhado cargos governativos.
Assim aconteceu com Durão Barroso. Participou pela primeira em
Bilderberg em 1994, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros de
Cavaco Silva, função que iniciou em 1992. Já antes tinha sido
sub-secretário de Estado do Ministério dos Assuntos Internos, em 1985,
quando a tutela era de Eurico de Melo. Ainda nos governos de Cavaco
Silva foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
(1987-1991), com Deus Pinheiro como ministro, e foi nessa qualidade que
ficou ligado aos acordos de Bicesse, em 1990, que resultaram num cessar
fogo em Angola entre MPLA e Unita. Dois anos depois garantiu o cargo
máximo da diplomacia nacional, na segunda maioria absoluta de Cavaco
Silva. O seu antecessor, Deus Pinheiro, seguiria para Bruxelas para ser o
segundo comissário português.
Durão Barroso liderou a pasta dos Negócios Estrangeiros até ao final
do Governo de Cavaco Silva, em 1995. Candidatou-se depois à liderança do
PSD, perdendo-a para Fernando Nogueira, num congresso cuja frase mais
célebre acabou por ser a de Luís Filipe Menezes, referindo-se a Durão
Barroso, a quem chamou de "sulista, elitista e liberal". E foi este
"sulista" (Durão Barroso nasceu em Lisboa há 60 anos) que ao perder o
partido ganhou novo alento na política. É que Fernando Nogueira
perderia, nesse mesmo ano, as legislativas, levando ao fim do cavaquismo
e permitindo um novo ciclo de governação socialista, com António
Guterres ao leme.
A liderança do "cherne"
Durão Barroso aproveitou o momento. Foi para o Parlamento e
aproveitou para se doutorar nos Estados Unidos, deixando, aliás, estes
estudos como argumento para não disputar a liderança do partido. Até
1999. Sucede na liderança do PSD ao agora Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, sem ter tido luta. E perde as legislativas para
Guterres, nesse mesmo ano, tendo-lhe sido atribuída a frase: "Tenho a
certeza que serei primeiro-ministro, não sei é quando". Foi-o em 2002 e
depois de reconfirmado à frente do PSD. A vitória das autárquicas dos
sociais-democratas, ou antes a derrota dos socialistas, leva Guterres a
demitir-se com o argumento de pretender evitar o "pântano político" e
Jorge Sampaio, então Presidente, convoca eleições antecipadas.
Caminho aberto para Durão, primeiro-ministro, mas em coligação com o CDS de Paulo Portas.
O "sonho" concretizava-se. Ficou dois anos. Saiu a meio do mandato para
aceitar a presidência da Comissão Europeia em 2004. Deixou um vazio que
Jorge Sampaio aceitou preencher com Santana Lopes, que assumiu a chefia
do Executivo, mas por pouco tempo. O país voltaria a eleições em 2005,
com o início da era Sócrates. E foi com o primeiro-ministro socialista
ao leme que o Tratado de Lisboa seria assinado em 2007. Durão Barroso
era presidente da Comissão Europeia. Os dois nomes ficarão para a
história europeia e a célebre frase "Porreiro, pá!" dita por Sócrates a
Barroso quando o acordo foi assinado.
Se Barroso diz que a vida política termina agora, ela iniciou-se, no
entanto, muito antes das lides governativas. Tudo começou há mais de 40
anos. Antes mesmo do 25 de Abril, quando foi um dos líderes da FEM-L
(Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas), do Movimento
Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), de inspiração maoísta.
Já depois do 25 de Abril foi expulso do MRPP. Só nos anos 80 aderiu ao
PSD, a seguir à morte de Sá Carneiro.
Santana Lopes foi dos que antecipou grandes voos para Durão Barroso. Já
subiu toda a hierarquia, mas ainda não se candidatou à Presidência, como
muitos ainda antecipam. "Eu acredito que o sonho só é verdadeiramente
sonho quando é grande", dizia, em 2002, em vésperas de eleições que
levaram Barroso a chefe do Executivo, a sua mulher, Margarida de Sousa
Uva, acrescentando que o seu marido tinha essa "imensa capacidade de
sonhar".
E foi ao "vender o seu peixe" que Margarida de Sousa
Uva acabaria, sem querer, por colar outro epíteto a Barroso: "De certa
maneira foi ingrata a maneira de estar aqui a vender o meu peixe, mas o
Zé Manel, se fosse peixe, era um cherne". Disse-o para citar o poema de
Alexandre O’Neill: "sigamos o cherne". O poema, no entanto, segue
dizendo: "Sigamos, pois, o cherne/ antes que venha/ Já morto, boiar ao
lume de água".
Ainda não chegou a essa fase. Durão Barroso
talvez olhe para o poema e prefira escolher a outra frase: "Desçamos ao
fundo do desejo/Atrás de muito mais que a fantasia".
* Um "inginheiro" de tachos.
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