05/05/2016

RITA GARCIA PEREIRA

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Um (nada) admirável 
mundo novo...

Inicio a minha colaboração com o Económico esta semana, após mais uma torrente de notícias sobre o sector da banca. De todas, resolvi destacar o que se alega ser a situação dos trabalhadores do Novo Banco, em especial aqueles que, há cerca de um mês, aguardam a sua sorte.

Voltemos ao início da história: uma vez convertida o que se afirmou ser a parte boa do BES no Novo Banco, os seus trabalhadores foram instados a aplicarem-se e a darem o seu melhor, estando implícito no discurso que lhes era dirigido que o seu posto de trabalho poderia depender do desempenho de todos e cada um. Talvez movidos por este impulso, seguramente também na defesa da sua própria honra, o que é certo é que estas pessoas se mantiveram a exercer funções, debaixo de uma enorme pressão, muitas vezes com risco da sua própria integridade física, por serem a cara de um banco que, como agora se sabe, prejudicou milhares de cidadãos. 

Cerca de um ano e meio após, é a história recente que desmente a meritocracia que parecia resultar do que lhes fora afiançado: sem quaisquer explicações adicionais ou até fundamentação bastante, mais de trezentos trabalhadores foram convocados por email para uma reunião individual, no âmbito da qual lhes foi comunicado que, ou aceitavam a quantia que lhes era indicada, ou seriam objecto de um despedimento colectivo em piores condições. Aos que não aceitaram de imediato, foi-lhes enviado um outro email, dispensando-os do dever de comparência, isto é, em suma, mandando-os para casa, para “pensarem melhor”. Enquanto isso, nalguns casos, os seus postos de trabalho foram desactivados, tendo desaparecido a documentação, a secretária e até a cadeira onde se sentavam. No caso de não terem aceite as ditas condições, à hora que este artigo estiver a ser publicado, terão de se apresentar mas dificilmente saberão onde.

Pretende-se chamar a todo este processo uma alegada “negociação”, feita ainda para mais numa sociedade cujo único accionista é o Estado. Para um cidadão normal, a audição na Assembleia da República de Sua Exa. o Senhor Presidente do Conselho de Administração do Novo Banco assumiu contornos surrealistas, só ultrapassados pelas declarações de grande parte dos deputados ouvidos, que iam manifestando o que eles próprios entendiam ser ilegalidades, sem que daí tenham extraído qualquer conclusão útil. Afinal, o enorme êxito que iria ser o Novo Banco não se concretizou porque, agora, “as pessoas vão menos aos balcões” (sic!), o que determinou que este conjunto de trabalhadores, alguns dos quais afectos aos serviços centrais, tenha de ser dispensado, até por força da “imposição externa de redução de custos”.

Em todo este processo há algo que me faz recordar a Parvalorem e as centenas de trabalhadores que também ali foram “acantonados”, numa longa agonia, a gastarem dias sentados entre caixotes de papéis sem destino.

Dito de outra forma, o Estado que legisla sobre o assédio moral é o mesmo que cria e permite que subsistam os comportamentos que o integram. E, mais estranho mais, tudo isto sucede perante uma, pelo menos aparente, impassividade das instituições que os deviam defender, isto é, os sindicatos para os quais foram descontando ao longo da carreira.

No fundo, percebo a falta de critérios na selecção dos visados. A serem aplicados juízos de competência, tendo presente as parcas justificações que foram dadas para este procedimento, os primeiros destinatários dos ditos emails não poderiam deixar de ser os responsáveis últimos pelo seu envio.

Advogada

IN " DIÁRIO ECONÓMICO"
03/05/16

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