05/05/2016

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HOJE NO
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Língua. 
Presidente da Academia das Ciências diz
. que acordo foi “ato ditatorial” de Sócrates

Marcelo reabriu o tema do Acordo Ortográfico e o presidente da Academia das Ciências aproveita para afirmar que a resolução aprovada não tem eficácia jurídica.
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Há cada vez mais desacordo em torno do Acordo Ortográfico. Marcelo reabriu a discussão quando lembrou que o facto de Angola e Moçambique não o terem ratificado abre a porta a que seja reequacionado. O Governo nem quer ouvir falar nisso. Mas o debate está longe de morrer e o presidente da Academia das Ciências diz mesmo que a resolução que o adotou em 2010 pode afinal ser nula.

“Há juristas na Academia das Ciências que entendem que a resolução da Assembleia da República que determinou a entrada em vigor do Acordo Ortográfico não tem eficácia jurídica”, revela ao i o presidente da Academia das Ciências, Artur Anselmo, lembrando que a lei obrigaria que o órgão a que preside tivesse sido consultado antes. “Somos um órgão de consulta do governo e até hoje nunca fomos ouvidos para nada”, queixa-se.

Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro a tomar a iniciativa de ouvir a Academia. Artur Anselmo foi a Belém juntamente com os representantes das Academias de História e de Belas Artes e o assunto da nova ortografia esteve em cima da mesa.

Artur Anselmo aproveitou para pôr o Presidente ao corrente do tema, explicando-lhe que na Academia a que preside é dada “liberdade aos académicos” de usar ou não as novas regras ortográficas, porque continua a haver quem entenda que o Acordo não está afinal em vigor.

Marcelo ouviu, sem tomar posição. “A prudência é boa conselheira”, observa o académico. Mas o presidente da Academia das Ciências acha que esta pode ser uma boa altura para relançar o debate. “Nunca é tarde”, sublinha o linguista, que gostaria de ver “respeitadas as ortografias nacionais”, dando margem a formas diferentes de escrever dentro da lusofonia, à semelhança do que acontece nos países anglo-saxónicos “sem que que daí venha mal ao mundo”.
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Anselmo espera, por isso, que o governo de António Costa venha resolver o problema iniciado no governo de José Sócrates. “A forma como foi forçada a aplicação do Acordo foi o ato ditatorial”, qualifica Artur Anselmo, que critica o facto de os académicos não terem sido consultados no processo.

Agora, a Academia das Ciências tem tudo preparado para iniciar reuniões com o Executivo e encontrar formas de melhorar um Acordo que tantas vezes induz em erro. “Basta dar o exemplo de legendas ou não se entende a diferença entre ‘para’ do verbo ‘parar’ e ‘para’”, ilustra.

Assunto encerrado 
Se em Belém Marcelo continua a dar sinais de querer ver o debate reaberto, em São Bento o tema é dado como fechado. O ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva veio dar nota disso mesmo ao lembrar que o Acordo “é uma convenção internacional adotada pelos países da CPLP” e que Portugal “aguarda serenamente” a conclusão do processo nos países – como Angola e Moçambique – nos quais ainda não vigora.

Ao i, fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro dá mesmo o assunto por encerrado: “O número dois do governo falou. Não há nada a acrescentar”.

Depois das declarações que vieram relançar a discussão, em Belém procura-se evitar qualquer declaração que soe a guerra com o governo. “O Presidente da República não é um militante anti-acordo”, sublinha ao i o conselheiro cultural da Presidência, Pedro Mexia, esclarecendo que não haverá por parte de Marcelo qualquer iniciativa sobre um tema que está dentro da esfera de competência do governo. .
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ARTUR ANSELMO
Mexia, um dos detratores do Acordo Ortográfico de 1991, admite que chega a Belém “muita correspondência” de pessoas que gostariam de reabrir o debate político em torno da nova ortografia. Mas o assessor do Presidente recorda que a bola está do lado do Executivo e frisa que “não há nenhuma iniciativa do Presidente em marcha”.

Ontem, porém, Marcelo, ainda em Moçambique, aproveitava para voltar ao tema. “Nós estamos à espera que Moçambique decida sim ou não ao Acordo Ortográfico. Se decidir que não, mais Angola, é uma oportunidade para repensar essa matéria”, afirmou, lembrando que “o Presidente da República, nos documentos oficiais, tem de seguir o Acordo Ortográfico”, mas admitindo que “o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa escrevia tal como escrevem os moçambicanos, que não é de acordo com o Acordo Ortográfico”.

Uma coisa é certa: o tema já voltou à agenda política e foi pela mão de Marcelo – que continua a disponibilizar os seus discursos com a antiga ortografia – que o Acordo voltou a ser notícia.

* Nós nem queremos saber do acordo ortográfico.

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