Os afetos dos militares
Marcelo Rebelo de Sousa tem de se pôr a
pau. Ou, como se diz na tropa, tem de se pôr em sentido. É que o
presidente da República é, por inerência, chefe supremo das Forças
Armadas. Ora, como ficou provado por estes dias, a propósito da polémica
à volta do Colégio Militar, o Exército não aprecia sentimentalismos. Ou
seja, os militares não apreciam os afetos e até os proíbem no
regulamento.
E é precisamente aqui, na
apalavra afeto, que tudo isto deixa de ser uma questiúncula à volta do
Colégio Militar, para passar a ser uma questão de Estado. Não foi
Marcelo, ainda em campanha, quem prometeu que seria o presidente dos
afetos? Prometeu e cumpriu, distribuindo-os diariamente, cá dentro e
além-fronteiras. Veja-se o último exemplo: a Comissão Europeia aparece
carrancuda a zurzir no Governo, porque o défice, no final deste ano,
será de 2,7%, em vez de 2,2% do PIB, e o que faz Marcelo? Ralha com o
Governo? Puxa as orelhas aos comissários? Nada disso. Assinala, com
bonomia, que 2,7% ficam abaixo de 3% e que isso é bom para toda a gente.
Distribui afetos.
Ora, e voltando ao
princípio, isso não é permitido pelos regulamentos militares e portanto
não é um comportamento adequado ao chefe supremo das Forças Armadas.
Repare-se no que disse, no Parlamento, o major-general Coias Ferreira,
diretor de Educação e Doutrina do Exército [é verdade, na tropa até há
uma espécie de ministro da Educação, o que talvez explique porque há
tantos generais]: para que os alunos possam viver no Colégio Militar
como irmãos, "é bom que não haja afetos".
Julgava
eu, e também o presidente Marcelo, que afeto era uma coisa boa. Fui até
confirmar ao dicionário e apareceram-me as palavras ternura, carinho,
estima e afeição. Um engano, segundo o major-general. Segundo o
regulamento militar em vigor, afeto é sinónimo de coação sexual. Assim,
não são permitidos namoricos, nem paixonetas, nem adolescentes de mão
dada na parada (numa instituição militar, não há recreio). Não havendo
afetos, não haverá coação sexual, que no léxico militar são palavras com
o mesmo significado.
É tudo portanto
uma questão de semântica [precisamente, o ramo da linguística que estuda
o significado das palavras], como argumenta, e bem, o "ministro" da
educação militar. Ou isso, ou se prova que os militares são melhores a
manusear a G3 do que a língua portuguesa.
PS: Enquanto
os deputados da nação são entretidos com a semântica dos afetos
militares, fica por discutir para que serve o Colégio Militar. É verdade
que os pais dos alunos pagam propinas, mas não é menos que o Colégio
custa vários milhões de euros por ano ao Estado, ou seja, ao bolso dos
contribuintes. Para formar militares, pelos vistos não serve, tão poucos
são os alunos que optam por seguir a carreira militar.
*EDITOR-EXECUTIVO
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
05/05/16
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
05/05/16
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