ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
"EXPRESSO"
Venezuela.
“É uma lista muito grande a
das pessoas conhecidas que já
morreram em assaltos e sequestros”
Yenny deixou a Venezuela depois de uma tentativa de assalto no meio do trânsito no centro de Caracas. Maria ainda lá está e teme pelo futuro dos filhos, de nove e cinco anos, numa cidade onde falta tudo: comida, água, eletricidade, medicamentos, sabão para lavar a roupa e champô para o cabelo. As histórias das duas portuguesas nascidas na Venezuela espelham bem o momento que se vive no país. Quem pode parte; quem fica espera por uma mudança
.
O coração de Yenny de Abreu está na Venezuela e em tudo o que lá
ficou. O namorado, os tios e os primos, os negócios e a casa, a vida que
tinha antes daquela espécie de guerra ter tomado conta do país. “Não
temos bombas a cair, mas há tiroteios e milhares de mortos, não há
comida, nem segurança e não se vê futuro.”
A família mudou-se em
dezembro para a Madeira depois de Yenny ter sido atacada por um grupo de
homens armados quando estava parada no meio do trânsito no centro de
Caracas. “Foi a a gota de água. Ainda hoje não sei como escapei,
tentaram partir o vidro do carro com as pistolas, mas alguma coisa os
fez desistir. Não tinha chegado a minha vez.”
O incidente acabou
por precipitar a mudança. “Os meus pais, que nasceram na Madeira e têm
aqui uma casa, falavam disso, o assunto foi muito discutido e chegaram a
ponderar virmos só nós — as três filhas —, mas depois a decisão foi de
que vínhamos todos. Nós vivíamos num sítio de muitos portugueses, em San
Pedro de Los Altos, a uma hora e meia de Caracas, e todas as semanas
havia notícias de um vizinho sequestrado ou de um cliente que tinha sido
assaltado e morto. O que se pensava era quando seria a nossa vez.
Lembro-me que, quando pediam o resgate ao fim de semana, os conhecidos
tentavam reunir o dinheiro para evitar que matassem o sequestrado.”
.
Consciente de que era apenas uma questão de tempo, a família tratou de
deixar os negócios — uma empresa de sementes e químicos para agricultura
— a uns primos. “Tínhamos também uma fazenda para a produção de flores,
mas faliu porque dependia da importação de sementes da Holanda. A
empresa de produtos para agricultura ainda funciona, mas os meus primos
dizem que agora está ainda pior. Quando me vim embora já nem sabia o que
era comer uma maçã.” A casa de dois andares onde viviam também ficou
para trás, está fechada. “Todos os dias me lembro da casa e tenho medo
que aconteça alguma coisa.”
Antes de deixar a Venezuela, Yenny
teve ainda que percorrer toda a burocracia que implica viajar para fora
do país, mesmo quando se tem dinheiro para pagar as passagens. “São
poucas as passagens que a companhia venezuelana abre para os voos para
Madrid, a única ligação à Europa. Esta é a única que nos permite pagar
em bolívares, mesmo assim a preços altos. Tenho umas pessoas de família
que vão chegar agora e que pagaram 550 mil bolívares [cerca de 50 mil
euros], 20 vezes o ordenado mínimo venezuelano. As outras companhias
obrigam ao pagamento em dólares ou euros por transferência internacional
ou cartão de crédito internacional.”
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As cinco passagens
custaram seis mil euros, além da noite num hotel no Panamá já que não
havia voos diretos de Caracas para Lisboa, mas o governo não autorizou
os dois mil dólares no cartão de crédito, a única forma legal de sair
com dinheiro da Venezuela. A Yenny e à família valeu o dinheiro que pai
tinha guardado nas contas na Madeira, mas até isso gerou um sobressalto.
Duas semanas depois da chegada à Madeira, o colapso do Banif levou o
pai às filas no banco para salvar o dinheiro que tinha poupado uma vida
inteira. “O meu pai ficou com medo, lembrava-se bem do desespero dos
clientes que perderam tudo no Banco Espírito Santo.”
Seis meses
depois, Yenny, que era a contabilista diplomada na empresa do pai,
trabalha como esteticista num cabeleireiro no Funchal, uma irmã é
empregada numa loja num centro comercial e irmã mais nova estuda no 10º
ano. “O meu pai ainda não decidiu se investe ou não aqui, eu também não
sei se vou ficar. A maioria dos portugueses da Venezuela da minha
geração encara a Madeira como um ponto de passagem, um sítio seguro para
pensar o que fazer depois. Eu tenho amigas espalhadas pelo mundo. No
Chile, em Madrid, até na Austrália. O meu dentista, por exemplo,
trabalha na Colômbia. E eu ainda não sei o que fazer, mas quando percebi
o rumo que levava o país comecei a tirar cursos de maquilhagem, de
estética, de manicure. A ideia era ter uma coisa que pudesse fazer em
qualquer parte do Mundo e é isso que agora me sustenta.”
A
preocupação, no entanto, não acabou. O namorado ainda vive na Venezuela,
e estão lá primos com quem fala todos os dias. E todas as notícias são
seguidas com atenção como a recente morte de uma portuguesa numa
tentativa de sequestro. “Ainda noutro dia fizemos a conta às pessoas
conhecidas que já morreram em assaltos e sequestros. É uma lista grande,
muito grande.” O coração de Yenny, 28 anos, continua na Venezuela, mas
agradece todos os dias viver agora num lugar seguro onde não falta
comida nas prateleiras do supermercado. “Nem imagina a sensação de
entrar no supermercado e poder comprar de tudo.”
Maria, nome fictício, sabe bem o que é passar horas na fila do
supermercado e não ter nada para comprar no fim da espera. “Há uns dois
meses que não sei o que é beber café com leite”, lamenta a portuguesa
nascida na Venezuela e a viver em Caracas. “Falta leite, falta farinha,
falta açúcar, não há carne e o que aparece é muito caro, vendido no
mercado paralelo.” O que, no caso de Maria, é ainda mais grave já que
tem um negócio de venda de bolos. A falta de farinha e de açúcar tornou
tudo muito mais complicado. “Se eu me mudava para a Madeira? Se aparecer
uma oportunidade não deixo passar, mas teria de ter um emprego, uma
maneira de sustentar os meus dois filhos.”
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O futuro dos filhos,
um de nove e outro de cinco anos, é o que mais preocupa Maria, de 44
anos, filha de emigrantes madeirenses. “Todos queremos o melhor para os
nossos filhos, que tenham qualidade de vida, que tenham uma boa escola,
cuidados de saúde, mas agora nem há comida para comprar. Passa-se a vida
na fila do supermercado”. Se a falta de comida é o que mais a preocupa,
a verdade é que faltam também outros bens como champô para o cabelo ou
sabão para lavar a roupa. “Agora trocamos produtos. Quem tem champô
troca por sabão.” E quando não há é preciso improvisar o melhor que se
souber. Há quem lave a roupa com sabão da loiça.
“Também falta a
água. Aqui, na zona de Caracas onde vivo, desligam a água potável de
quinta a domingo, às vezes só ligam na segunda-feira de manhã. Não sei
que caminho isto leva, mas estamos todos à espera de uma mudança e o que
virá depois não será nada bom.” Nas ruas há insegurança, o dinheiro
desvaloriza todos os dias e tudo é muito caro, mesmo muito caro. A ideia
de deixar a Venezuela também é ponderada por Maria, mas em Caracas tem a
família mais chegada, o pai e a irmã. A Madeira, onde vivem tios e
primos, seria um bom destino se houvesse trabalho, mas a terra dos pais é
uma das regiões portuguesas com maior taxa de desemprego.
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“Tenho nacionalidade portuguesas e os meus filhos também. Sei que na
Madeira teria boas escolas para os meus filhos, seria capaz de garantir
uma boa qualidade de vida, além disso tenho família, tios e primos. Aqui
os colégios privados são muito caros, as escolas públicas não prestam.
Aqui nem sequer há medicamentos.” E Maria lamenta o estado a que chegou a
Venezuela, um país muito bonito, com tantas belezas naturais e tantas
riquezas como petróleo, ouro e diamantes. “Este era um país de
oportunidades.”
* As ditaduras não são de esquerda nem de direita, são ditaduras e Maduro é um ditador, oxalá apodreça em breve.
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