ESTA SEMANA
NA "SÁBADO"
NA "SÁBADO"
A vida dura dos sherpas do Evereste
Filas de trânsito de turistas que querem máquinas de café e televisões a 8.848 metros de altitude. São os sherpas que carregam tudo, fazem dezenas de subidas e arriscam a vida
Quando Phurba vai trabalhar não sabe se volta a ver a mulher ou os dois
filhos. Sabe que vai estar fora oito semanas, que vai dormir numa tenda
na neve, carregar quilos de equipamento e escalar encostas de gelo a
derreter. Parte com um objectivo: subir o Monte Evereste, no Nepal, pela
22ª vez. Se conseguir, entra no Guinness. "Gosto deste trabalho, toda a comunidade faz dinheiro", conta no documentário Sherpa, que estreia brevemente no Discovery Channel.
Já a mulher, Karma - que perdeu um irmão num acidente na montanha -,
não pensa o mesmo. "Ele gosta mais da montanha do que da família",
desabafa, a chorar.
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As palavras de Karma foram quase um
presságio. Doze dias depois de Phurba subir com a equipa do inglês
Russell, dono de uma das empresas de turismo, deu-se uma tragédia no
Evereste. Há dois anos, no dia 18 de Abril de 2014, 16 sherpas -
grupo étnico habituado ao frio e à falta de oxigénio na região
montanhosa do Nepal - morreram soterrados por 14 milhões de toneladas de
neve. Nenhum turista se encontrava entre as vítimas, já que só os sherpas
- mas não a equipa de Phurba - estavam a subir a essa altitude para
levar o equipamento para as zonas de descanso. Chegam a fazer o mesmo
trilho 30 vezes. E carregam tudo: botijas de oxigénio, tendas, comida,
máquinas de café e até uma televisão.
No documentário de Jennifer Peedom vemos como os sherpas
decidem quem leva o quê: à sorte. Escrevem os nomes em pedras e, à
medida que as vão tirando, descobrem o que lhes calhou. Pior resultado:
as tendas da casa de banho. E nunca arriscam perder os transmissores de
sinal. Russell explica: "Se a neve cair, provavelmente morrem, mas
conseguimos encontrar o corpo." Como são budistas, acreditam na
reencarnação que, sem corpo, é impossível.
Filas de trânsito no faroeste
Os
riscos de avalanche têm aumentado, já que há cada vez mais expedições
turísticas - 100 em 1993, 658 em 2013. O contraste não podia ser maior. A
neve branca, os pássaros a voar, o silêncio da montanha e uma fila
igual à de um supermercado em hora de ponta. São turistas e guias a
seguir pelos mesmos trilhos - ou seja, o caos. Em 2012, um turista
sul-coreano, em hipotermia e a delirar, esperou quatro horas por ajuda,
enquanto passavam 300 alpinistas.
"Aquilo é o faroeste. Qualquer pessoa faz o que quer." A acusação é feita à SÁBADO por Norbu Tenzing, que entra no documentário Sherpa
e é filho do primeiro homem a escalar a montanha mais famosa do mundo.
Com 54 anos, e apesar de nunca ter subido ao Evereste, luta pelos
direitos dos sherpas. Os acidentes têm causas fáceis de
identificar, defende: demasiado turismo e pouca regulamentação. "O
Governo do Nepal é o único que pode melhorar esta situação, já que
recebe cerca de 2 milhões de euros.
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É a sua galinha dos ovos de ouro. As empresas têm livre iniciativa e quem acaba a fazer a maior parte do trabalho e a ganhar menos dinheiro são os sherpas", diz Norbu, durante uma conferência telefónica com a SÁBADO e outros meios internacionais.
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É a sua galinha dos ovos de ouro. As empresas têm livre iniciativa e quem acaba a fazer a maior parte do trabalho e a ganhar menos dinheiro são os sherpas", diz Norbu, durante uma conferência telefónica com a SÁBADO e outros meios internacionais.
Os sherpas
são uma comunidade de agricultores que agora depende dos turistas. Se
fizerem uma meia dúzia de expedições por ano podem ganhar 3.500 euros -
quando a maioria da população ganha 526 euros.
Nunca o primeiro sherpa
a escalar o Evereste poderia ter imaginado o que se seguiria. Em 1953,
Tenzing Norgay guiou o inglês Edmund Hillary ao pico mais alto do
planeta - a 8.848 metros de altitude. "Era um homem muito humilde", diz o
filho, que conta que nessa altura se trabalhava com camaradagem. Hoje,
muitos turistas tratam os sherpas como empregados. Em 2013 rebelaram-se quando um europeu usou a palavra fuck na montanha - um local sagrado para os sherpas.
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Em 2014, depois do acidente, a tensão aumentou. Revoltados com a falta de condições e com os riscos que correm - o Governo pagava apenas um seguro de vida de 8 mil euros, que depois da greve passou para 13 mil - recusaram subir. "Para respeitar os mortos, vamos cancelar a expedição." Phurba também voltou para trás. E não bateu o recorde das 22 vezes.
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Em 2014, depois do acidente, a tensão aumentou. Revoltados com a falta de condições e com os riscos que correm - o Governo pagava apenas um seguro de vida de 8 mil euros, que depois da greve passou para 13 mil - recusaram subir. "Para respeitar os mortos, vamos cancelar a expedição." Phurba também voltou para trás. E não bateu o recorde das 22 vezes.
Em
2015, com os terramotos no país também não houve subidas. As expedições
recomeçam este ano, mas Phurba não deve ir. "É possível que fique pelo
acampamento-base e não suba mais. A história dele é como a das outras
famílias", conclui Norbu. "Quando os maridos escalam não é porque
queiram mesmo. É porque não têm outra hipótese."
* Para os Sherpas ser guia é o único trabalho possível e os turistas escravizam-nos para satisfazer o ego desmedido, é a vida de pobre.
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