Quartel-general
em Abrantes
O nosso governo fingirá que se propõe cumprir aquilo que sabe que nunca conseguirá cumprir
1-Alguém ficará surpreendido se não forem
atingidos os limites ao défice e à dívida propostos no Programa de
Estabilidade (PE), nesta semana apresentado? Claro que não. E poderá a
oposição reclamar pelo não cumprimento desses objetivos? Poder pode, mas
cairá no ridículo. O anterior governo não cumpriu nenhum dos objetivos
de dívida e défice a que se propôs, apesar de acreditar piamente nas
políticas prosseguidas.
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Eis aquela que
foi enunciada agora como a magna questão: será possível baixar
significativamente o défice nos próximos anos, sabendo que o crescimento
económico será reduzido? Parece que não. Por muito que o atual governo
afirme que sim, não acredito que António Costa e Mário Centeno pensem
que será possível. Basta atentarmos nos sinais que vêm da economia
internacional. Sabemos, no entanto, que há uma forma de não só não
baixarmos o défice e reduzir a dívida, como de destruirmos ainda mais o
país: tentar cumprir religiosamente as fórmulas que nos impuseram e
ainda tentam impor desde Bruxelas, ou seja, fazer o que o governo PAF
fazia convicto e até com vontade de ir para além delas.
As receitas deste Programa de Estabilidade pouco ou nada farão para reverter o caminho da morte lenta que tristemente percorremos. É bem verdade que a reposição de salários e pensões, a eliminação da sobretaxa, um complemento salarial para trabalhadores de baixos salários são boas notícias, mas são apenas um restabelecer do mínimo dos mínimos sociais, aspirinas para uma comunidade que sofre da doença do legionário. Continuamos a anos-luz de políticas que permitam baixar os impostos que esmagam as famílias e as empresas e de níveis sólidos de investimento privado e público que permitam crescimentos robustos.
Mesmo que a maioria das medidas propostas no Programa Nacional de Reformas tentem corrigir problemas há muito tempo identificados, sejam bem-intencionadas e aparentemente bem planeadas, as imposições políticas europeias, a manterem-se, depressa as dinamitarão.
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Continuaremos
neste estertor. O nosso governo fingirá que se propõe cumprir aquilo
que sabe que nunca conseguirá cumprir - e a Comissão Europeia fingirá
que acredita. Por si mesmo, é o melhor que se pode arranjar.
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Claro
que a consolidação orçamental é importante. Mas não pode pôr em causa
os equilíbrios sociais e o modo de vida que definimos, sendo também já
de um óbvio ululante que as políticas que foram seguidas não garantem o
equilíbrio das contas.
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Se nós e outros
países continuarmos a ir pelo caminho que se tomou depois da grande
crise financeira de 2008 - a tal que foi provocada por vivermos acima
das nossas possibilidades -, destruímos ainda mais o nosso país, damos
cabo do projeto europeu e, muito provavelmente, de muitas democracias na
Europa.
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Enquanto a política europeia for aquilo que ainda é, nada de substancial mudará.
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2-A
prova de que nada de muito relevante e de mudança de políticas sai do
Programa de Estabilidade foi a reação do PSD, que nem a votação do
documento, no Parlamento, solicitou. A contestação do principal partido
da oposição foi tão ténue que o PS se virou - mal e a mostrar que não
lida bem com entidades independentes - contra o Conselho de Finanças
Públicas, que se limitou a fazer aquilo para que existe: notar os riscos
e as evidentes previsões para lá de otimistas do documento.
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Já
o CDS mostrou que tem uma linha alternativa pensada e quer mostrá-la,
pedindo a votação do PE e, com certeza, apresentando as suas ideias.
Temos que, assim sendo, o PSD só vai votar contra porque o CDS quer
discutir o dito programa e falar das ideias para o país dos democratas
cristãos.
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Fingir de morto, em política,
pode resultar se não houver gente a tentar ocupar o mesmo espaço
político-ideológico. Havendo, é muito perigoso.
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Passos
Coelho ascendeu a líder do PSD, em larga medida, porque foi
subestimado. Esta oferta de iniciativa ao CDS parece indicar que o
ex-primeiro-ministro está a cair no mesmo erro que os seus adversários
cometeram.
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3-Chega a ser insultuoso
ouvir o constante repetir que foram feitas reformas estruturais no
último ciclo governativo. Mas afinal o que mudou na nossa economia ou no
desenho do nosso Estado? Rigorosamente nada. Nada foi alterado no
sistema produtivo, nada foi feito para alterar os nossos bloqueios
económicos endémicos (produtividade, escassez de capital), nada foi
feito para qualificar a mão-de-obra, nada se fez para que muitos dos
nossos empresários deixem de ser os responsáveis pela baixa
produtividade, a nossa justiça continua lenta, o nosso sistema
financeiro tornou-se um problema ainda maior, a nova legislação das
rendas saldou-se num enorme flop e, claro, não houve a mais pequena
intenção de mexer no Estado - a não ser que aquela vergonha que Paulo
Portas apresentou fosse para levar a sério.
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Algumas
importantes modificações aconteceram, não há dúvida: destruiu-se parte
importante do elevador social, a nossa pobre classe média ficou bem mais
pobre e correu-se com mais de meio milhão de jovens portugueses.
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Podem dizer agora que não havia alternativa, mas, por favor, não insultem a inteligência das pessoas.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
24/04/16
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