É bom que haja paraísos
fiscais como o Panamá!
Eu acho que o interessante na vida é ser do contra, ser original, adotar as ideias daqueles que desafiam o statu quo,
o pensamento dominante, o corrente. A esquerda, sempre tão eficaz com a
sua máquina propagandística, conseguiu persuadir o comum dos mortais de
uma série de verdades aparentemente universais e incontroversas: que os
impostos são bons, que o Estado social é uma conquista da humanidade e
que o planeta está muito pior desde que as teses neoliberais triunfaram à
escala internacional, porque causaram estragos, geraram uma grande
desigualdade, aumentaram a pobreza e outras coisas do género. Esta tese é
naturalmente falsa. Mas à custa de repetir tantas vezes a mentira e de
encontrar milhões de mentes frouxas, incapazes de dar a volta aos
argumentos, conseguiram persuadir-nos de que o original e o oportuno é o
regresso à casa-mãe da esquerda, de onde nunca saímos e onde todos nos
encontramos seguros e muito confortáveis, ainda que a tresandar a
naftalina, ainda que estejamos no lugar mais aborrecido e menos sedutor
do mundo, ainda que estejamos a fazer o jogo deste novo tipo de
ditadores dos tempos modernos.
Na Actualidad Económica,
a revista que dirijo, tento fazer o contrário, surpreender com aquilo
que, se possível, seja diferente do que a esquerda estabeleceu e
decretou como verdade oficial. E, por exemplo, penso que, contra a
opinião dominante, os paraísos fiscais são ótimos e desempenham um papel
crucial na defesa das pessoas normais e comuns. Há uma poderosa
campanha propagandística à escala global para acabar com os paraísos
fiscais. O seu verdadeiro objetivo é eliminar a desagradável
concorrência tributária entre os Estados. A justificação para o
conseguir é a de que essas jurisdições são lugares cuja função
fundamental é lavar o dinheiro procedente de operações criminais e
servir de plataforma para financiar o terrorismo internacional. A esta
tarefa dedicam-se com êxito evidente as esquerdas anticapitalistas,
secundadas por governos dos países desenvolvidos, sobretudo europeus,
que carregam os seus povos com uma fiscalidade excessiva e pretendem
evitar a sua fuga para ambientes tributários menos hostis.
O
que é um paraíso fiscal? É uma jurisdição, geograficamente situada em
qualquer parte do mundo, que estabelece regras preferenciais para os
investidores estrangeiros. Quando um Estado soberano aprova um quadro
institucional com estas características, não tem obrigação de ajudar a
que sejam cumpridas as normativas tributárias de terceiros países para
os salvar dos seus próprios erros, isto é, da manutenção de regimes de
tributação lesivos para a criação de riqueza. A única informação e
colaboração exigíveis às nações que estabeleceram uma fiscalidade baixa
ou mínima são as relativas às suspeitas de que nelas se tenham albergado
- e sem sombra de dúvida - fundos provenientes de transações de
natureza criminal, cuja eliminação precisa da cooperação internacional.
Mas isto não tem nada que ver como o desejo legítimo das pessoas de
atenuar o mais que puderem a sua carga fiscal.
Na
atual estratégia de perseguição empreendida contra os contribuintes, a
denominada teoria do rendimento universal desempenha um papel
fundamental. Sob a sua égide, os governos pretendem arrogar-se a
faculdade de conhecer e de taxar as atividades económicas que se
realizam fora das suas fronteiras. Mas esta postura carece de
legitimidade. As Finanças espanholas, por exemplo, ou as portuguesas,
não têm o direito de exigir tributos sobre os rendimentos de operações
comerciais ou financeiras não vinculadas ao território sobre o qual têm
jurisdição e em cuja origem não tiveram qualquer participação. Por outro
lado, a aplicação do rendimento universal é uma fonte de ineficiência
porque impõe uma dupla, tripla e inclusive quarta tributação sobre os
rendimentos dos indivíduos e sobre os benefícios empresariais que
distorce o bom funcionamento dos mercados de capitais penalizando o
crescimento.
Atualmente, o conceito de
paraíso fiscal adquiriu um carácter expansivo até abarcar qualquer
Estado com regimes tributários menos gravosos para o trabalho, para o
aforro e para o investimento que os seus concorrentes. Já não se trata
de emigrar para as ilhas Caimão, para citar um exemplo, para escapar aos
elevados impostos estabelecidos em determinados países, mas sim de
impedir que alguém ofereça aos cidadãos e às empresas condições fiscais
melhores do que os demais.
Aspira-se a criar um cartel estatal para
suprimir a concorrência entre os sistemas tributários e, deste modo,
evitar a pressão para reduzir a tributação que recai sobre os
contribuintes. Este acordo colusório tem por objetivo encerrar os
indivíduos e as empresas numa espécie de prisão fiscal ao serviço das
políticas redistributivas dos Estados e dos caprichos dos governos.
Porque sem pressão competitiva do exterior estes poderão impor aos seus
abnegados cidadãos e empresas a carga fiscal que desejarem.
Mas
há mais. Um Estado de direito tem de defender a privacidade dos
cidadãos, o que inclui a informação sobre a situação financeira ou
patrimonial, cujo uso é de propriedade privada, não coletiva. Este
direito individual tem de ser garantido pela lei e o levantamento desse
véu protetor só deve acontecer por razões tipificadas previamente e
mediante uma decisão fundamentada dos tribunais.
A conceção em voga do
cidadão transparente, de quem o poder fiscal conhece todos os pormenores
da sua vida, é orwelliana e imprópria de uma sociedade livre. Este
aspeto essencial deixa de existir quando situações escandalosas e
excecionais se transformam na regra geral. Haverá sempre pessoas
dispostas a abusar da proteção oferecida pelos paraísos fiscais, mas a
maioria procura neles segurança e rentabilidade para o seu capital, caso
de muitos indivíduos e empresas que enfrentam grandes riscos, não
necessariamente tributários, nos seus países de origem.
A
localização do aforro, do investimento e do trabalho em territórios com
uma baixa tributação é a prova palpável da existência de quadros
fiscais confiscatórios numa grande parte dos Estados desenvolvidos.
Existem paraísos fiscais, e são atrativos, porque quase todas as
economias avançadas têm impostos demasiado altos e os seus governos não
estão dispostos a diminuir o tamanho do setor público. Que a esquerda
empreenda essa cruzada é compreensível, mas as formações de
centro-direita, paladinos teóricos da liberdade económica, deveriam
entender a problemática gerada pelos paraísos fiscais como uma
reivindicação do seu projeto: um modelo de Estado com despesa pública e
impostos sensivelmente inferiores aos vigentes na atualidade.
Em
nome do combate contra o terrorismo, o narcotráfico, o contrabando de
armas e outras pragas da humanidade, um fim sem dúvida louvável, está-se
a tentar criar uma espécie de Estado fiscal de carácter policial à
escala planetária que ameaça a nossa prosperidade e a nossa liberdade. A
possibilidade de escapar daqueles que querem apropriar-se da riqueza e
do esforço individual foi um instrumento básico para travar, ou pelo
menos minorar, a insaciável voracidade do Leviatã estatal.
Querem acabar
com os paraísos fiscais para nos espremerem à sua vontade e isso é
inaceitável em termos morais e negativo em termos económicos. Impostos
altos levam a menos crescimento e, também, o que é mais importante, a
menores recursos para que as pessoas vivam como quiserem. É esta a
essência última de um debate contaminado por mentiras.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/04/16
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