E quando se responde
ao silêncio…
Querido Júlio,
Não se escrevem repostas ao silêncio. Talvez sim… A velocidade dos
dias vividos apressadamente levam-nos frequentemente a cometer falhas
graves que acarretam interpretações pelas quais não nos podemos queixar.
O atento, o atencioso, o cuidadoso não se esquece e por isso deve
tropeçar em menos interpretações do que o esquecido ou a esquecida,
neste caso. Por muito que possa justificar o que se passou, de facto, a
carta não seguiu para norte. Ficou presa nas intenções. Seguiu para
destinatário diferente. Mil desculpas, desta lisboeta que o estima.
Não se escrevem respostas ao silêncio? Direi que sim. Nem que seja
com um falso monólogo, para fazer crer ao outro que respondeu à
«resposta» que não teve, fazendo-o agir. Seria bom poder responder
sempre aos silêncios que fomos deixando que acontecessem nas nossas
vidas, nas nossas relações. A Maria está chateada com o Rui, e já nem
lhe apetece responder. A seguir a um resmungo dele, entredentes, vem o
silêncio e, perante o silêncio dele, instala-se o dela. Seria diferente
se ela lhe respondesse? Penso que sim. A resposta é uma oportunidade que
promove uma resposta, uma atitude, uma ação, um pedido de desculpa.
Quando pensamos que já não vale a pena responder, é nesse preciso
momento que devemos ir mais longe e aventurar-nos. Acredito que todos
temos dentro de nós um marinheiro que ambiciona navegar por águas nunca
«d’antes navegadas», mesmo que nos falte a Amália na voz e tenhamos medo
do escuro. Por mais que achemos que já sabemos o que nos espera, que já
adivinhamos a resposta, na verdade podemos ser mil vezes surpreendidos
com o resultado. Responder com silêncio ao silêncio nem sempre é sinal
de esquecimento, de desinteresse ou de indiferença. É muitas vezes sinal
de falta de coragem, de medo, de falta de iniciativa.
A Filipa foi surpreendida pela Ana com as suas três prioridades para a
vida. A primeira dizia apenas respeito a si própria; a segunda dizia
respeito, eventualmente, às duas; e a terceira implicaria o acordo de
ambas. Se a primeira dificulta a segunda, talvez a segunda impeça a
terceira e tudo acabe em bem. Mas o melhor é manter o silêncio, pensava a
Filipa. E será que o facto de se remeter ao silêncio sobre as
prioridades do outro quer dizer que concorda ou discorda? O que pensará o
outro do silêncio? Será que mesmo não falando o silêncio não influencia
a conduta de ambas? Se eu quero ter um filho e tu não o desejas,
deverei continuar contigo, sabendo que isso é importante para mim e não
para ti? Será que quero, mas não tenho pressa, e por isso o que quero
não interfere no que ambas queremos para já, e depois logo se verá? E
quando chegar o momento de decidir? Será que o desencontro entre duas
vontades se resolve com o silêncio?
«O que um não quer, dois não podem.» Ouvi esta expressão algures, já
não me recordo do seu autor, mas faz sentido. E se o outro não quer o
que eu desejo, devo privar-me do que quero ou devo forçar o outro a
querer o mesmo?
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
28/02/16
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