O caso das missas nas escolas
Será que, aproveitando a estada de Marcelo em Roma, os sacerdotes da laicidade politicamente correta o queriam entregar aos leões?... Já estivémos mais longe...
Desta
vez não serão os filmes bíblicos que passam na televisão, tão repetidos
como as comédias portuguesas dos anos 40, que nos recordam que vem aí a
Páscoa. Esta semana, fomos lembrados dessa quadra religiosa pela
Associação República e Laicidade, através do protesto contra a
realização de missas católicas nalgumas escolas públicas do Norte do
País. Este tipo de discussão é como os filmes bíblicos: repete-se
ciclicamente nas manchetes dos jornais ou nos fóruns de opinião das
rádios e canais televisivos de notícias, com temas candentes como o da
proibição, ou não, do crucifixo nas escolas. Feliz do despreocupado País
que não tem mais nada com que se ralar...
O Ministério
da Educação do Governo do PS apoiado por toda a esquerda parlamentar,
insuspeito, portanto, de beatice, lembra que a tradição dos festejos
religiosos nalgumas escolas visadas, dura há mais de 20 anos, e que a
celebração de missas faz-se no rigoroso princípio da não exclusão de
ninguém - leia-se, de não crentes ou dos que professam outra fé. Assim,
só participam os alunos devidamente autorizados pelos pais, enquanto os
outros se ocupam com outras atividades extra-curriculares,
providenciadas pela escola. Muitos preferirão, por exemplo, jogar à bola
no recreio... Mesmo assim, de uma forma um tanto ou quanto jacobina, a
Associação referida denuncia esta prática "incompreensível na escola
pública de um Estado laico" achando, pasme-se,que esta prática coloca em
causa "a laicidade do Estado". Que exagero!
Mas que laicidade tão
frágil, que corre perigo, só porque uma ou duas escolas disponibilizam
espaço para que alunos crentes participem numa celebração religiosa
(pressupondo-se que a possibilidade está aberta a qualquer outra
religião).
Outras vozes insurgem-se contra o facto de que outros
ritos, de outras religiões, possam ser excluídos. Calma: para já, a
Páscoa é um período com raízes em festividades judaicas, celebrado pelos
católicos. Quando for altura, por exemplo, do Ramadão, falaremos, neste
caso, dos alunos muçulmanos...
Entendamo-nos: vivemos
numa república laica e ainda bem que assim é. O Estado não deve
patrocinar a catequização de nenhum cidadão num rito qualquer, não deve
promover a prática de qualquer religião nem favorecer ou discriminar com
base em crença religiosa. Assim como não deve reprimir os que praticam
uma ou outra religião. Isso, aliás, está defendido na Constituição e
perfeitamente consagrado na lei, pelo que não existe qualquer questão
religiosa nas escolas. Precisamente por não existir qualquer questão
religiosa é que proibir, em condições transparentes, a celebração da
Páscoa católica em instalações escolares, é perfeitamente desnecessário.
Da mesma forma, permitir que outros credos, igualmente sem interferir
na atividade letiva, possam ser autorizados, nalgumas datas especiais, a
desenvolver atividade em instalações escolares, também não me parece
que possa ofender uma laicidade e uma república seguras de si...
A
Igreja Católica perdeu força e influência e tornou-se, hoje, um alvo
fácil. A vigilância anti-religiosa, ou melhor, anti-católica (mas muito
mais tolerante, por exemplo, com o Islão...), identificada com uma certa
esquerda, tem os tiques de uma espécie de inquisição ao contrário. O
que, a prazo, pode revelar-se contraproducente para a própria causa da
laicidade.
As redes sociais estão cheias disso. Veja-se a pancada
que o Presidente da República levou, por causa do ósculo ao anel papal,
na recente visita ao Vaticano. Alegadamente, Marcelo Rebelo de Sousa,
ao beijar a mão do Papa Francisco, teria subalternizado o Estado
português à tutela do Vaticano, pondo em causa a laicidade da
República... Onde isto já vai! Marcelo representa o Estado português, é
verdade, mas não foi o Estado português que beijou o anel do Papa. Foi o
cidadão crente Marcelo Rebelo de Sousa, cumprindo um gesto normal para
qualquer católico (fé que o ex-candidato Marcelo nunca escondeu ao longo
da sua vida nem em campanha eleitoral). Um pouco de bom senso e
flexibilidade é o suficiente para ilibar o PR desse "pecado" lesa
República, à conta do qual a Santa Fogueira do facebook o fez arder,
durante dias seguidos.
Ou será que, aproveitando a estada do
Presidente em Roma, os sacerdotes da pretensa laicidade politicamente
correta o queriam entregar aos leões?... Já estivémos mais longe...
IN "VISÃO"
18/03/16
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