O "curto-circuito"
da migração global
A resposta da União Europeia à migração tem
sido míope. Uma solução duradoura deve ter em conta o impacto que as
políticas dos países desenvolvidos têm no resto do mundo.
As cerca de 750 mil pessoas
que chegaram à Europa por mar em 2015 representam apenas uma pequena
parte dos 60 milhões de pessoas deslocadas pela guerra ou perseguições –
o maior número de sempre na história. A Europa registou um fluxo
massivo de migrantes antes; cerca de 700 mil refugiados entraram na
União Europeia depois da separação da Jugoslávia em 1993. Mas isto marca
a primeira vez na história que a União Europeia se confronta com a
necessidade de acomodar tantas pessoas de fora do continente, incluindo
novas chegadas da Líbia, Síria, Iraque e Afeganistão.
Além disso, os refugiados não-europeus que desembarcaram em solo
europeu, no último ano, não deverão ser os últimos. Mas a resposta da
União Europeia à migração em massa torna menos provável que a crise dos
refugiados seja resolvida de forma sustentável. A menos que os líderes
europeus incorporem uma visão de longo prazo na sua abordagem à
migração, a probabilidade de emergências semelhantes à crise dos
refugiados deste ano vai continuar a aumentar. E esta abordagem precisa
de reconhecer como as políticas europeias domésticas contribuem para o
movimento de pessoas do mundo em desenvolvimento.
A actual resposta míope e reactiva da União Europeia à migração em
massa é conduzida por uma visão de soma zero da economia que ignora os
efeitos de longo alcance da política interna. No seu desenho e
implementação, é focada quase exclusivamente em medidas imediatas e nos
resultados de curto prazo. A possibilidade do impacto futuro é
amplamente descontada.
Em vez de tentar dissuadir a migração em massa ao encorajar e apoiar o
desenvolvimento político e económico fundamental a longo prazo em
países que são pobres ou destruídos pela guerra civil, os responsáveis
políticos da União Europeia tendem a intervir depois do facto, com
promessas de esquemas de ajuda e apoio de emergência. Mas, porque esta
abordagem ignora as raízes das causas da migração, não deverá ser eficaz
no longo prazo.
A incapacidade de seguir uma visão de longo prazo não só prejudica a
eficácia da resposta da União Europeia; é altamente contra-produtiva. A
ausência de um quadro que responda aos factores que justificam a
migração deixa os políticos livres para atender os seus mercados
domésticos, com pouca atenção às externalidades políticas e económicas
negativas que podem estar a causar estragos fora das suas fronteiras.
Os programas protecionistas de vários biliões de dólares – como a
Política Agrícola Comum da União Europeia e os incentivos agrícolas nos
Estados Unidos – apoiam os produtores domésticos às custas das economias
emergentes. Estas práticas comerciais injustas têm um impacto
devastador no rendimento e padrões de vida dos agricultores na América
do Sul, África e Ásia, que são incapazes de competir com os seus rivais
mimados e ricos.
Mais recentemente, as políticas monetárias adoptadas pelas economias
avançadas, em particular os Estados Unidos, têm contribuído para o
dramático enfraquecimento das moedas dos mercados emergentes. A retirada
dos estímulos da Reserva Federal em 2013, a esperada redução no espaço
do alívio quantitativo e as expectativas de uma subida de juros, todas
têm contribuído para uma acentuada saída de capital do mercado em
desenvolvimento.
De acordo com o Instituto Internacional de Finanças, cerca de 548 mil milhões de dólares saíram dos mercados emergentes
em 2015, a maior saída desde 1988. O resultado foi uma queda dramática
na quantidade de capital disponível para o investimento mais do que
necessário em infra-estrutura e capacidade produtiva. Isto tem resultado
num crescimento mais lento no mundo em desenvolvimento, lar de mais de
80% da população mundial.
A política intermitente está a consolidar o que o Papa Francisco tem
descrito como a "globalização da indiferença". Cada vez mais, as
políticas domésticas são avaliadas pelos seus benefícios locais, com
pouca consideração tendo em conta as consequências sociais, económicas e
políticas no exterior. Os ideais da globalização, que enfatizaram a
inter-conexão além-fronteiras, estão a ser substituídos por um quadro de
"cada nação por si própria".
Uma solução duradoura da crise de migração da Europa deve ter em
conta o impacto que as políticas dos países desenvolvidos têm no resto
do mundo, incluindo a instabilidade económica e a perturbação política
em muitos dos países aos quais os migrantes estão a chegar. Os
responsáveis políticos devem considerar cuidadosamente os efeitos de
segunda ordem das suas políticas, pois ao andarem para trás nas suas
próprias economias de forma desordenada, a migração em massa cresce.
O actual ambiente económico e geopolítico mundial é um gatilho para a próxima onda de migrantes. O Fundo Monetário Internacional e a OCDE têm rapidamente revisto em baixa as suas estimativas para o crescimento económico mundial e a Unidade de Inteligência Económica
estima que cerca de metade das economias mundiais estão num "elevado"
ou muito elevado" risco de contestação política e social. Este "mix" é
um desastre à espera de acontecer, um desastre que os responsáveis
políticos mundiais devem agir para evitar, em vez de esperar para
responder apenas quando a próxima crise surgir.
* Economista e escritora, faz parte do Conselho de Administração de um conjunto de instituições mundiais.
Project Syndicate
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IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
08/03/16
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