HOJE NO
"OBSERVADOR"
Esquerda portuguesa não “perdoa”
ida de Lula para o Governo
Seixas da Costa, ex-embaixador no Brasil, fala em "artifício desprestigiante" e Rui Tavares duvida da "moralidade" da solução. Daniel Oliveira diz que "crime de Lula não tem perdão". Ninguém perdoa.
A braços com dois casos na Justiça, o ex-presidente brasileiro Lula da Silva vai mesmo assumir
um cargo de topo no Governo de Dilma Roussef. Em tempos visto como o
salvador da política brasileira e o garante da promoção da igualdade
entre todos, Lula foi muito admirado pela esquerda portuguesa, mas
agora, nem à esquerda a “jogada tática” do Partido dos Trabalhadores
está a ser vista com bons olhos. Daniel Oliveira diz que Lula “não tem
perdão”, enquanto Seixas da Costa fala em “momento triste para a
democracia brasileira”. Ao Observador, José Lello diz que “estão todos
apostados em dar cabo do país” e Rui Tavares duvida da “moralidade” da
solução encontrada mas acredita que pode ter sido a única para salvar o
partido e o Governo.
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Num artigo publicado no site do jornal Expresso, intitulado “Caldeirada de Lula”,
o ex-dirigente do Bloco de Esquerda e atual comentador político Daniel
Oliveira admite que foi “admirador” de Lula durante muito tempo mas
afirma que esta “fuga” é o seu maior crime – e um crime que “não tem
perdão”.
Os cargos num governo servem para governar, não servem para fugir deste ou daquele juiz. Ao tomar esta decisão, o Partido dos Trabalhadores transforma-se numa agremiação mais próxima dos partidos do coronéis e de corruptos do que o partido de massas e progressista que foi no passado. O maior crime de Lula não terá sido o dinheiro que tenha recebido indevidamente, se o recebeu. O maior crime de Lula é ter destruído, com esta fuga para a frente, tudo o que a esquerda conseguiu conquistar no Brasil”, escreve.
E reafirma que “os cargos num governo servem para governar, não
servem para fugir deste ou daquele juiz”, lembrando a esse propósito que
o facto de Lula passar a ser chefe da Casa Civil do Brasil, um cargo
quase equivalente ao de primeiro-ministro num sistema político como o
português, não lhe dá imunidade judicial, mas impede-o de ser julgado
pelo juiz que está à frente da operação Lava-Jato (passando a ser
julgado pelo Supremo Tribunal Federal).
Já o socialista José
Lello, ex-deputado próximo da ala socrática dentro do PS, afirma ao
Observador que “é tudo muito estranho” e que o Brasil está a tornar-se
num “país muito complicado” e polarizado entre os que estão a favor e
contra o Governo do PT. “Estão todos apostados em dar cabo do país”,
diz, incluindo no “todos” Lula da Silva. Também Miguel Vale de Almeida,
que chegou a ser deputado eleito pelo PS, escreve no Twitter que “visto de cá, isto é insustentável, incompreensível, inaceitável – seja-se de direita ou esquerda“.
Certo
é que a ideia de Lula passar a integrar o Governo de Dilma, que está a
braços com uma forte oposição e um processo de destituição, surgiu pouco
depois de o ex-líder do PT ter sido alvo de um mandado de detenção para
ser interrogado sobre o processo Lava-Jato, um dos maiores escândalos
de corrupção da história do Brasil. Embora seja visto como uma questão
de salvação da pele, o argumento que o PT está a tentar passar é de que
se trata de uma mudança de políticas e de salvação da pele do partido.
Mas
deste lado do Atlântico o truque é visto com “frieza”. Fernando Seixas
da Costa, que foi embaixador de Portugal no Brasil entre 2005 e 2009 e
ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, quando Lula estava no
poder, escreve que se trata de um “momento triste para a democracia brasileira”. “Tenho muita pena,
confesso”. Admirador confesso do ex-presidente trabalhista, Seixas da
Costa fala em “fuga” de Lula para o Governo e diz tratar-se de um
“artifício muito pouco prestigiante” que, ainda por cima, evidencia
“fraqueza e insegurança”.
“Um político que não deve nem teme tem
de ter a frieza para enfrentar todas as adversidades, com coragem, de
forma limpa e transparente. Mesmo que a sua prisão possa estar ao virar
da esquina”, escreve, acrescentando que em torno do caso de Lula há uma
conjuntura a ter em conta: com o impeachment de Dilma, o
cenário político brasileiro adensa-se em torno do PT como nunca e o
“desespero” que se vive nas hostes do Governo “começa a ser evidente”.
Uma “jogada de risco” que pode salvar o PT
“Há uma grande dose de risco nesta jogada política e os resultados
precisam de aparecer muito rápido” para Lula e o PT ser
desculpabilizado, defende ao Observador o historiador e dirigente do
Livre Rui Tavares, que sublinha o problema “moral” da solução encontrada
mas que procura encontrar uma explicação para ela dentro do quadro
político brasileiro.
Do ponto de vista moral não fiquei nada contente com esta solução, Lula teve um papel importante no PT e não é nada bom para o partido ficar associado a esta ideia”, diz.
É que, explica, a situação política no Brasil está “tão extremada”
que os dois lados, tanto o Governo como a oposição, decidiram “ir à luta
com tudo” jogando já o trunfo mais alto que tinham. Mas, diz, ambos os
lados estão “queimados”, no sentido em que, se por um lado, o PT acha
que tudo o que é contra Lula e contra Dilma é “golpe político” (e por
isso adotam postura de resistência), por outro, a oposição acha que tudo
o que vem do Governo é sinal de corrupção.
Mas aqui entra outra
questão: a salvação do partido, numa altura em que Dilma está a ser
criticada em todas as frentes. Para Rui Tavares, se Lula fosse nomeado
apenas para um lugar simbólico no Governo, a imagem que passava era
mesmo de admissão de culpa. Mas como vai para um lugar que equivale ao
de primeiro-ministro, o desafio de Lula é agora provar que foi mesmo
E
para isso os resultados precisam de aparecer rapidamente: avaliar,
primeiro, as manifestações de rua, depois, ver se Lula consegue levar
para o Governo ministros de peso, porque isso seria, segundo Rui
Tavares, “um sinal de credibilidade e de força”, e, por fim, ver como
reagem os partidos da base aliada do Governo, que se têm mantido céticos
ou até críticos.
A verdade é que até os mais ativos blogs de
esquerda brasileiros estão a evitar escrever sobre o assunto. Esse é,
por isso, um dos desafios para Lula: convencer os céticos que têm estado
silenciosos, dando um aparente benefício da dúvida.
* Admirámos Lula durante muito tempo pelo bem que fez ao povo brasileiro, agora sentimo-nos órfãos por sermos tão crédulos.
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