Troca laboratório
de Cambridge pelo
laboratório da
5 de Outubro
Tiago Brandão Rodrigues já não tem lugar na
galeria dos ministros da Educação. Um sinal que nos impele a ter a
coragem de exigir que parem de brincar com a vida dos nossos filhos.
Não
resistem. Venham de Cambridge ou da Bobadela, não resistem, e mal são
empossados, a primeira excursão que fazem é à aldeia da Estaca Zero.
Talvez o mal venha com a cadeira, mas o primeiro passo é invariavelmente
mudar tudo, decidir que nada se aproveita.
É assim nas empresas, é assim nos ministérios, mas as consequências
destes delírios narcísicos são particularmente graves quando as decisões
implicam o futuro de toda uma geração.
Tiago Brandão Rodrigues deve ter batido o recorde. Encorajado pela
fúria legislativo-revanchista da Assembleia da República, ainda nem
Governo havia, conseguiu na passada sexta-feira revogar os exames do 6.º
ano, introduzir novas provas de aferição, em anos e calendários
diferentes, acabar com o exame de Inglês, e respetivo certificado,
anunciar o fim de cursos profissionais, e mais uma mão-cheia de medidas.
Isto tudo, menos de uma semana depois de António Costa ter afirmado
taxativamente que as provas do 6.º ano eram para manter, aliás como
previa o programa eleitoral do PS, que na página 45 afirma a importância
de: "Garantir a estabilidade do trabalho nas escolas, o que pressupõe
reformas progressivas, planeadas, negociadas e avaliadas." Pois, vê-se! A
única coisa que se conclui é que neste Governo o CEO manda pouco ou
nada.
Neste momento, nem sequer importa se a "reforma" dele é melhor do
que a do seu antecessor, mas sim a escandalosa inconsciência de
instituir todas estas mudanças a meio do ano, para vigorar no mesmo ano
letivo - afinal os exames marcados para maio, acabam, mas haverá provas
em junho, só que não são só de Português e Matemática, talvez também de
Estudo do Meio, talvez, claro, porque daqui até lá ainda tudo pode
mudar outra vez. E sem que nada tenha sido avaliado, como de costume.
Se quando o ministro chegou a Portugal os jornais anunciavam que
tinha abnegadamente abandonado o laboratório em Cambridge para encabeçar
o ME, agora seria mais correto dizer que trocou um laboratório por
outro. Porque o que veio fazer para a 5 de Outubro são experiências,
tendo como cobaias os alunos que, pela milionésima vez, são
reprogramados a meio do ensaio clínico.
Verdade seja que o seu comportamento não diverge muito do dos seus
antecessores. Basta entrar no átrio do Ministério para perceber o
problema da educação em Portugal. Alguém, com muito bom gosto e sentido
histórico, forrou as paredes com as fotografias de todos os ocupantes do
poder, desde o dia 22 de julho de 1870 até aos nossos dias. As
fotografias, do mesmo tamanho e sem lugar para favoritismos, estão
expostas pela ordem de chegada ao posto, de cima para baixo, e da
esquerda para a direita. Quando uma parede está esgotada, a história
segue na parede do lado, num total de 101 tomadas de posse (porque há
uns que se repetem). Deixando para trás os tempos conturbados da I
República, os anos do Estado Novo e a agitação pós-25 de Abril, e
começando a contar desde 1976, os três ministros que permaneceram mais
tempo foram, por ordem, Maria de Lurdes Rodrigues, Nuno Crato e Roberto
Carneiro.
Ao observar a galeria, fico com a certeza de que a culpa última de
tudo isto é nossa. Como é que é possível que, ao fim destes anos todos,
os pais deste país não tenham sido capazes de obrigar estes marmanjos
(desculpem, mas não encontro outra palavra!), a estabelecer um pacto
para a educação, por meia dúzia de anos que fosse, pelo menos quanto às
regras da avaliação. Será que esta gente tem filhos na escola, sabe a
perturbação que causa alterar tudo a meio do jogo, a desmotivação que
todos estes diplomas e contra diplomas (mais de duas dúzias desde 2000,
anunciou o Conselho Nacional Escolar) provocam nos alunos e nos
professores? E como é possível que se afirme que se deseja a escola
pública, quando a cada esquina, se boicota o seu sucesso? Até no Inglês,
que o atual ministro sabe bem ter sido condição essencial da sua
possibilidade de fazer uma carreira no Reino Unido?
Mas haja esperança, porque o destino do ministro já está traçado
naquele átrio. Colocadas que sejam as fotografias de Nuno Crato e
Margarida Mano, não há literalmente espaço para ele na Galeria dos
Ministros da Educação. Nem para ele, nem para mais nenhum. Evidência à
vista, só resta a Tiago Brandão Rodrigues a nobre missão de fechar a
porta, implodir o edifício, e voltar à universidade que diz ser o seu
"lugar natural".
Jornalista
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
12/01/16
.
Sem comentários:
Enviar um comentário