16/01/2016

ISABEL STILWELL

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 Troca laboratório 
de Cambridge pelo 
laboratório da 
5 de Outubro

Tiago Brandão Rodrigues já não tem lugar na galeria dos ministros da Educação. Um sinal que nos impele a ter a coragem de exigir que parem de brincar com a vida dos nossos filhos. 

Não resistem. Venham de Cambridge ou da Bobadela, não resistem, e mal são empossados, a primeira excursão que fazem é à aldeia da Estaca Zero. Talvez o mal venha com a cadeira, mas o primeiro passo é invariavelmente mudar tudo, decidir que nada se aproveita.

É assim nas empresas, é assim nos ministérios, mas as consequências destes delírios narcísicos são particularmente graves quando as decisões implicam o futuro de toda uma geração.

Tiago Brandão Rodrigues deve ter batido o recorde. Encorajado pela fúria legislativo-revanchista da Assembleia da República, ainda nem Governo havia, conseguiu na passada sexta-feira revogar os exames do 6.º ano, introduzir novas provas de aferição, em anos e calendários diferentes, acabar com o exame de Inglês, e respetivo certificado, anunciar o fim de cursos profissionais, e mais uma mão-cheia de medidas.

Isto tudo, menos de uma semana depois de António Costa ter afirmado taxativamente que as provas do 6.º ano eram para manter, aliás como previa o programa eleitoral do PS, que na página 45 afirma a importância de: "Garantir a estabilidade do trabalho nas escolas, o que pressupõe reformas progressivas, planeadas, negociadas e avaliadas." Pois, vê-se! A única coisa que se conclui é que neste Governo o CEO manda pouco ou nada.

Neste momento, nem sequer importa  se a "reforma" dele é melhor do que a do seu antecessor, mas sim a escandalosa inconsciência de instituir todas estas mudanças a meio do ano, para vigorar no mesmo ano letivo  - afinal os exames marcados para maio, acabam, mas haverá provas em junho, só que não são só de Português e Matemática, talvez também de Estudo do Meio, talvez, claro, porque daqui até lá ainda tudo pode mudar outra vez. E sem que nada tenha sido avaliado, como de costume.

Se quando o ministro chegou a Portugal os jornais anunciavam que tinha abnegadamente abandonado o laboratório em Cambridge para encabeçar o ME,  agora seria mais correto dizer que trocou um laboratório por outro. Porque o que veio fazer para a 5 de Outubro são experiências, tendo como cobaias os alunos que, pela milionésima vez, são reprogramados a meio do ensaio clínico.

Verdade seja que o seu comportamento não diverge muito do dos seus antecessores. Basta entrar no átrio do Ministério para perceber o problema da educação em Portugal. Alguém, com muito bom gosto e sentido histórico, forrou as paredes com as fotografias de todos os ocupantes do poder,  desde o dia 22 de julho de 1870 até aos nossos dias. As fotografias, do mesmo tamanho e sem lugar para favoritismos, estão expostas pela ordem de chegada ao posto, de cima para baixo, e da esquerda para a direita. Quando uma parede está esgotada, a história segue na parede do lado, num total de 101 tomadas de posse (porque há uns que se repetem). Deixando para trás os tempos conturbados da I República, os anos do Estado Novo e a agitação pós-25 de Abril, e começando a contar desde 1976, os três ministros que permaneceram mais tempo foram, por ordem, Maria de Lurdes Rodrigues, Nuno Crato e Roberto Carneiro.

Ao observar a galeria, fico com a certeza de que a culpa última de tudo isto é nossa. Como é que é possível que, ao fim destes anos todos, os pais deste país não tenham sido capazes de obrigar estes marmanjos (desculpem, mas não encontro outra palavra!), a estabelecer um pacto para a educação, por meia dúzia de anos que fosse, pelo menos quanto às regras da avaliação. Será que esta gente tem filhos na escola, sabe a perturbação que causa alterar tudo a meio do jogo, a desmotivação que todos estes diplomas e contra diplomas (mais de duas dúzias desde 2000, anunciou o Conselho Nacional Escolar) provocam nos alunos e nos professores? E como é possível que se afirme que se deseja a escola pública, quando a cada esquina, se boicota o seu sucesso? Até no Inglês, que o atual ministro sabe bem ter sido condição essencial da sua possibilidade de fazer uma carreira no Reino Unido?

Mas haja esperança, porque o destino do ministro já está traçado naquele átrio. Colocadas que sejam as fotografias de Nuno Crato e Margarida Mano, não há literalmente espaço para ele na Galeria dos Ministros da Educação. Nem para ele, nem para mais nenhum. Evidência à vista, só resta a Tiago Brandão Rodrigues a nobre missão de fechar a porta, implodir o edifício, e voltar à universidade que diz ser o seu "lugar natural".

Jornalista

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
12/01/16

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