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"EXPRESSO"
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Máfia trafica na costa portuguesa
Ndrangheta investigada há quinze anos por PJ e serviços de informação. Droga e jogo online passam por Lisboa
A prisão do britânico Robert Dawes, considerado o mais influente
traficante de droga da Europa, veio dar algum fôlego às autoridades
portuguesas e espanholas que investigam a presença da máfia calabresa na
Península Ibérica.
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O homem de 44 anos era procurado por negócios do
tráfico e vários homicídios, tendo sido detido há um mês numa mansão em
Benalmádena, perto de Málaga, no sul de Espanha. A ligação a Portugal
deve-se a um veleiro de nome “Gloria of Grenada” e à Ndrangheta, nome
pelo qual é conhecida a organização criminosa italiana da Calábria que
domina 80% do tráfico de cocaína que chega à Europa.
A embarcação
de recreio proveniente da América do Sul, e com passagem pelo
arquipélago das Bermudas, foi apreendida no porto de Sines no verão de
2014 com quase 200 quilos de cocaína que valiam seis milhões de euros no
mercado negro. Os cinco tripulantes, todos estrangeiros, foram detidos e
condenados a uma pena de prisão em Lisboa. Segundo fontes da
investigação, eram operacionais de Robert Dawes e trabalhavam para a
máfia da Calábria. Na sequência desta operação, foram presas trinta
pessoas em Espanha e Itália e apreendidos mais de um milhão de euros em
dinheiro. Dawes foi o último do grupo a cair.
Um investigador
revela ao Expresso que “muita da droga importada da América Latina chega
à costa portuguesa por via da Ndrangheta”, que se aproveita da
localização geográfica do país, de algumas fragilidades das fronteiras
marítimas e até da proximidade económica com o Brasil, país de onde vem
grande parte da cocaína. Os barcos de recreio, mais difíceis de
intercetar, são muito utilizados. Em 2007, por exemplo, um veleiro desta
rede calabresa foi detetado nas águas da Madeira com 1500 quilos de
cocaína.
Há quinze anos que a Polícia Judiciária (PJ) e os
serviços de informações investigam a presença desta poderosa
multinacional do crime organizado. Desde 1991, vários membros foram
sendo detidos e condenados (ver texto ao lado). Um operacional de
nacionalidade luso-brasileira preso no Estoril há seis meses é apenas o
caso mais recente. “Hoje, a Ndrangheta é a máfia italiana mais influente
a operar no nosso país”, confidencia um alto responsável próximo da
investigação. Outra fonte policial acrescenta: “Não estando cá sediados,
usam o nosso território para praticar as suas atividades criminosas.”
Nicola
Gratteri, o procurador-adjunto da direção distrital antimáfia de Régio
da Calábria e um dos autores de “Oro Blanco”, livro publicado no ano
passado que desvenda alguns segredos das redes de tráfico, confirma a
importância estratégica de Portugal para a máfia calabresa: “Não
conseguem imaginar quanta Ndrangheta existe em países como a Alemanha,
Holanda, Espanha, Portugal, Suíça e Bélgica”, afirmou em maio.
O
comércio de droga é o principal mas não o único negócio ilegal a que se
dedicam os mafiosos calabreses em Portugal. As apostas online a jogos de
futebol parecem ser igualmente rentáveis. A Federbet, entidade com sede
na Bélgica que vigia as apostas online, fez uma denúncia às autoridades
portuguesas. Há suspeitas de haver vários jogos viciados, incluindo um
envolvendo o Freamunde que não chegou a realizar-se mas que teve até um
resultado final.
Segundo o organismo belga, muitas das apostas
relativas a jogos suspeitos em Portugal são provenientes de Nápoles e de
Régio da Calábria, uma cidade dominada pela Ndrangheta, organização
acusada de estar por trás dos resultados falsificados em Itália. Dos 40
milhões de euros apostados online em cada jornada na I e II Liga, os
belgas acreditam que cinco milhões sejam de “apostas sujas em resultados
viciados”. Contactada pelo Expresso, a Liga Portuguesa de Futebol
Profissional disse que este “não é um tema prioritário” acrescentando
“não haver novidades de momento”.
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Investigação arquivada
Em
2010, Francesco Forgione, ex-presidente da Comissão Antimáfia do
Parlamento italiano, revelou ao Expresso que a Ndrangheta tinha bases em
Faro e Setúbal enquanto a Camorra, máfia de Nápoles, contava com um clã
em Cascais e outro no Porto. Nesse mesmo ano, Giovanni Lore, um capo da
máfia siciliana, a Cosa Nostra, que estava em fuga há vários meses, foi
detido no Bombarral. “Hoje as coisas são ligeiramente diferentes. Umas
poucas famílias italianas continuam por cá”, salienta um investigador da
PJ, sem adiantar muitos pormenores. “Há ainda quem pretenda apenas
refugiar-se em Portugal para fugir à Justiça italiana, tentando levar
uma vida discreta, sem levantar ondas.”
Há três anos foi
arquivada uma das mais importantes investigações realizadas em Portugal
sobre a Ndrangheta. A polícia italiana tinha na mira os negócios de
Domênico Giorgi — marido de uma sobrinha do chefe do clã Pelle-Votari
que passou algum tempo em Portugal —, com empresários portugueses e
italianos de Coimbra. Suspeitava de que o dinheiro obtido pelo mafioso
em atividades ilegais na Calábria era branqueado em investimentos
imobiliários e da restauração na zona centro do país. Apesar dos
esforços da PJ e do DCIAP, o grupo, que começou a ser julgado há uma
semana por mais de 80 crimes de auxílio à imigração ilegal, conseguiu
evitar as acusações de associação criminosa e branqueamento.
A mafia tem dinheiro logo tem bons advogados.
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