Apontamentos sobre
prazer sexual feminino
Um assunto relevante e importante, mas mal compreendido e mesmo (infelizmente) desconhecido por umas quantas mulheres e outros tantos homens
Começo
por declarar que estes apontamentos não serão mais que um conjunto
atrevido e eventualmente abusivo de generalizações sobre um tema
complexo onde impera a diversidade, e por conseguinte, terei que assumir
o risco de ser simplificadora ou redutora.
Ainda assim, trata-se de um
assunto relevante e importante, mas mal compreendido e mesmo
(infelizmente) desconhecido por umas quantas mulheres e outros tantos
homens. Oxalá estes apontamentos possam servir de pretexto ou inspiração
a algumas mulheres para uma reflexão pessoal sobre este tema
transversal a toda a nossa vida, que nos pode trazer felicidade, mas que
às vezes não traz, e outras é como se não existisse.
Os
apontamentos que partilho de seguida, pressupõem o prazer sexual num
contexto interpessoal, ou seja, com outro alguém. No entanto, o prazer
feminino pode e é muitas vezes, um prazer “a solo”, e não por isso menos
rico de possibilidades. Assim, cá vai um conjunto de notas sobre o
tema, ficando no entanto muito por dizer.
Apontamento nº 1:
Estímulos adequados e suficientes são condição sine qua non
para o prazer. Cada mulher precisa do que precisa, e para saber o que
é, deve conhecer bem o seu corpo e saber o que ativa ou acende a sua
excitação sexual. E depois, de alguma maneira, com uma linguagem mais
verbal ou corporal, deve ser capaz de transmitir isso ao parceiro/a.
Sim, porque a outra pessoa não adivinha, não tem como saber. E para além
disto, importa não esquecer que os estímulos que funcionam aos 20 anos
não são os mesmos que agradam aos 40, 60 ou 70. A sexualidade da mulher
muda ao longo da vida, e é um processo contínuo de descoberta. A idade
acrescenta maturidade, e favorece a perseguição mais livre do prazer
sexual. Aliás, é interessante notar que a consistência orgástica (em
atingir o orgasmo) aumenta com a idade. Bom, também é preciso dizer que
por vezes o melhor estímulo pode ser mesmo trocar de parceiro/a. A
novidade foi sempre um componente forte no erotismo feminino.
Apontamento nº 2:
O clítoris é o ator principal na
cena do orgasmo feminino. De uma vez por todas, temos que saber isto!
Trata-se de uma estrutura anatómica em forma de “V” invertido, com dois
corpos cavernosos-erécteis com 9 cm de comprimento, muito para além da
pequena glande visível com 1 ou 2 cm. Esta estrutura interna possui
milhões de terminações nervosas, e constitui o tecido mais enervado do
corpo humano. Por conseguinte, é uma estrutura altamente sensível, que
aguarda ser estimulada. E a estimulação do clítoris pode ser mais direta
(por exemplo, no sexo oral), ou mais indireta (na penetração vaginal).
Por isso, não existe essa distinção entre orgasmos vaginais e
clitoridianos. Existe o orgasmo e ponto final. E para o conseguir, toda
essa estrutura - interna e externa - está envolvida. No entanto, a
vagina não está excluída nesta cena, muito pelo contrário. Apesar de aí
existirem menos recetores nervosos, a penetração vaginal é para muitas
mulheres absolutamente fundamental na cena do prazer, havendo posições
sexuais mais facilitadoras do que outras, o que mais uma vez depende de
cada mulher e do momento que se vive. Pois bem, é a maravilhosa
complexidade da genitália feminina, está quase tudo escondido.
Apontamento nº 3:
O cheiro
é um elemento primordial num encontro erótico. Entre todos os sentidos o
cheiro é o elemento mais poderoso na atração e excitação sexual. A
ciência já comprovou isto sobejamente. Refiro-me ao cheiro natural do
corpo, antes de ser encoberto pelos produtos artificiais que lhe
deitamos em cima, desodorizantes, cremes, perfumes, que mascaram,
escondem e confundem o olfato. Não estou contra a indústria dos
perfumes, de modo nenhum, apenas em defesa do foco de atenção no cheiro
natural da pele, e no olfato, o sentido mais primitivo e fundamental no
sexo. E já agora, atenção que um perfume que fica bem numa pessoa, pode
não ficar noutra, porque a fragância produz uma reação química diferente
em cada pele.
Apontamento nº 4:
Para além do sensorial, o cérebro
desempenha obviamente um papel central. É o nosso cérebro que dá
significado às sensações, mas também por outros mecanismos envolvidos. É
o cérebro que permite a entrega, o deixar-se ir, e o mais importante de
tudo, a perda de controlo. Para ter um orgasmo é preciso perder o
controlo, o orgasmo é em si uma perda de controlo, o expoente máximo do let it go.
E para isso, a cabeça tem que deixar. E neste ponto, o grande inimigo
são as preocupações, o stress, e todos os pensamentos intrusivos que
invadem a cabeça da mulher, sem ela querer. Outro fator que pode inibir o
orgasmo, sobretudo nos primeiros encontros e quando existe um contexto
emocional, é o medo da entrega, e a insegurança relativamente aos
sentimentos do parceiro/a.
Apontamento nº 5:
Para o prazer sexual feminino importa o antes,
o que antecede o sexo, ou seja, basicamente, sentir-se desejada,
cuidada, observada, e atendida nas suas necessidades. Pois é, sobretudo
nas relações de longa duração, porque o desgaste é maior, a rotina
instala-se, e o erotismo do casal está mais ameaçado. Os estímulos que
outrora acendiam o desejo e o prazer, já não funcionam. É preciso um
maior investimento na erotização da relação.
Apontamento nº 6:
Também é verdade que às vezes, o que mais vale, é ser inesperado,
súbito, e arrebatador. Assim de repente, sem ser anunciado, ali, quando
não se espera, quando não é suposto. Ser surpreendido tem um valor
erótico inigualável.
Apontamento nº 7:
O prazer feminino é muito relacional,
ou seja, está muito entrosado na qualidade da relação com o/a
parceiro/a. Se a relação não estiver bem, o prazer sexual está
seriamente comprometido, ou é mesmo impossível. A cena do tipo “Zanguei-me contigo ao jantar, foste um idiota, mas vou fazer amor contigo para adormecer melhor”, não faz parte do universo feminino. Por isso se diz que o sexo é muitas vezes um barómetro da relação.
É
inevitável afirmar as imensas possibilidades do prazer sexual feminino,
porque encerra uma diversidade de estímulos e de caminhos para lá
chegar. O prazer sexual das mulheres faz-se de uma imensidade de coisas.
Os estímulos certos no momento certo, nem demasiado cedo nem demasiado
tarde, a ponta dos dedos ou a palma da mão nos 2 metros quadrados de
pele, um sussurro ao ouvido, a respiração, lugares proibidos em
comportamentos de transgressão, mensagens doces ou picantes, sms,
e-mails, sentir-se dominada, ou assumir o domínio, tirar a roupa
depressa, com urgência, ou despir-se devagar, beijos, abraços, e muito
contacto de pele.
O olhar é um instrumento de comunicação erótica por
excelência, mas as palavras também contam.
* Professora e investigadora no ISPA. Realiza investigação na área da
sexualidade, aliada à prática clínica que mantém desde 1997 como
psicoterapeuta. É membro da International Academy of Sex Research, foi
presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e tem dezenas de
artigos publicados em revistas científicas internacionais. O que mais
gosta, é do trabalho clínico com os clientes, onde mais aprende e de
onde retira as questões que quer investigar.
.IN "VISÃO"
18/12/15
.
Sem comentários:
Enviar um comentário