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IN "SOL"
17/11/15
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Costa não é um ‘bonzinho’
O egocentrismo e o ressentimento fazem parte do menu político de
Cavaco Silva. Ao longo dos anos vimos como abandonou pessoas do seu
partido (Fernando Nogueira); como tentou condicionar o futuro (tentando
excluir Marcelo dos seus sucessores); como se esqueceu de Saramago
quando conquistou o Nobel ou na sua morte (preferindo que o seu estado
de alma fosse mais importante do que o cargo que ocupava). Cavaco é um
dos mais bem-sucedidos políticos portugueses. Nunca ninguém antes
ganhara com maiorias absolutas; tem a legitimidade de corporizar um
Portugal conservador nos costumes, amante da autoridade e das boas
contas, adepto dos que se fazem a si mesmo.
O que quero dizer com esta introdução? Que continuo a
desconfiar metodicamente que o Presidente dê posse a António Costa. Se
não o fizer é certo que mergulhará Portugal num tempo explosivo. O país
ficará parado, haverá greves, tumultos e achaques. Mas Cavaco tem pouca
margem de manobra. Como ele próprio disse, a última palavra pertenceria
sempre ao Parlamento. Logo, tudo o que não seja dar posse ao PS será
contraditório com o que jurou defender. Mesmo que os acordos não sejam
seguros (como previ a semana passada), mesmo que lhe pareça uma solução
de múltiplos riscos, mesmo que lhe surja como moralmente ilegítima, não
tem justificação plausível para recusar indigitar Costa. Veremos se o
faz, não o tomo como certo.
O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda estão em posições
diferentes. A uni-los está a vontade de contribuir para a queda de
Passos e a impossibilidade de assinarem um acordo para quatro anos com o
PS. De resto, nada os une. Ao PCP interessa que o governo PS possa
durar uma legislatura, ao Bloco interessa o contrário. Se os comunistas
conseguirem aguentar firmes no apoio a Costa, somam ao seu eleitorado
fixo gente para quem o PCP deixa de ser um partido que ‘mete medo’. Já
ao BE interessa que o PS meta água. Se Costa durar quatro anos, não há
nenhuma razão para que as pessoas deixem de votar PS para votar Bloco. O
eleitorado do PC é seguro, o do BE não o é.
Passos terá de esperar que tudo corra mal. Ou que Cavaco não dê posse
a Costa (o que não seria necessariamente uma boa notícia para si). O
que é correr mal? É Bruxelas pressionar, as agências de notação baixarem
os rankings e os acordos à esquerda não resistirem à primeira revoada
de vento. Se tudo correr mal, as pessoas na rua dirão então que Costa é
ilegítimo, haverá novas eleições e Passos ganhará com maioria absoluta.
Mas se tudo correr bem a Costa o PSD implodirá e Passos terá de esperar
que o país o volte a chamar. Já a posição de Paulo Portas é mais
difícil. Mesmo no pior cenário para o governo de esquerda, o PSD
profundo perguntará: se conseguimos ter uma maioria absoluta sozinhos
qual a razão para continuar a partilhar o poder com Portas?
Quanto ao secretário-geral do PS prepara-se para ser
primeiro-ministro numa magistral jogada política. Um dia perguntei-lhe
se via algum paralelismo entre si e Frank Underwood, personagem da série
House of Cards. Disse-me que não, que a política não podia ter esse
grau de perversidade. Tenho de António Costa muito melhor impressão do
que de Underwood, mas a sua incrível jogada política fez-me voltar à
pergunta e à sua resposta. Virou o tabuleiro e passou a ditar as regras.
Deu a provar a Cavaco o seu próprio veneno, atropelou a coligação de
direita, fez orelhas moucas à moral e aos bons costumes, mandou eleger
Ferro Rodrigues contra as convenções e prepara-se para um cheque mate -
mesmo que Cavaco não lhe dê posse sairá sempre com mais do que na noite
em que todos o davam como derrotado.
António Costa não é um ‘bonzinho’. Dividiu o país ao meio e não
vacilou um segundo que fosse. Decidiu que agora é matar ou morrer. Não
quero perder o próximo episódio.
IN "SOL"
17/11/15
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