ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
"EXPRESSO"
Há dez anos a mostrar nus:
o pecado não é para aqui chamado
A Playboy americana passou a defender que o erotismo é mais interessante nos corpos menos despidos. O blogue português “E Deus Criou a Mulher” anda há dez anos a provar o contrário. E há também mulheres a elogiar publicamente a beleza deles. Sem sombra de pecado
É velha a piada de que os homens compravam a Playboy para ler as
grandes reportagens. E não para ver as belas mulheres, os belos corpos
despidos, as belas mamas que a revista de Hugh Hefner publicava desde os
anos 50, sem tabus ou vergonhas. Era o que era.
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SOFIA RIBEIRO
BELÍSSIMA |
Em outubro, a
Playboy americana anunciou que as célebres “coelhinhas” iam aparecer
mais tapadas. Atrevidas mas q.b. Numa entrevista ao “New York Times”,
Scott Franders, diretor executivo da revista considerava 'passé' o nu
integral. Há quem diga que foi uma saída para o facto das partilhas nas
redes sociais rejeitarem a nudez explícita. Pode uma publicação deixar
de ser o que sempre foi?
Em Portugal, as revistas
tradicionalmente masculinas, como a GQ, que em tempos tinham mulheres em
poses sedutoras capa-sim, capa-sim, mudaram e seguem a tendência
internacional. O 'bruá' de comentários em redor da última capa com Jorge
Jesus com capa de vampiro a fazer um balão de pastilha elástica é
exemplo. A nudez já era? Estaremos saturados de corpos despidos e de
pornografia à fartazana?
E Deus criou... a mulher nua
O blogue erótico “E Deus criou a Mulher”
cumpre dez anos de existência e talvez responda a estas questões.
Miguel Marujo, 43 anos, jornalista de política do Diário de Notícias,
co-autor de uma das biografias não autorizadas de António Costa, anda
desde 2005 a publicar fotografias de corpos femininos mais ou menos
despidos. Atrizes ou modelos bem conhecidas do grande público em poses
sugestivas para nosso regalo, mas também beldades anónimas.
Todos os santos dias, Miguel faz o elogio do corpo da mulher com as mais
variadas fotografias. A nudez integral tem, muitas vezes, ali lugar.
Noutras basta um certo olhar captado pelo fotógrafo, lábios
entreabertos, uma pose com a temperatura certa. Os títulos são bem
humorados e piscam os olhos à atualidade política. Frases como 'somos
todos gregos'; 'fim de orçament0', 'fim da linha', 'haja luta',
'repararam que os cortes de salários e pensões continuam no Orçamento de
Estado?' vestem na perfeição as suas musas despidas. Mas, acima de
tudo, há bom gosto, consistência e um certo olhar, um certo ponto de
vista erótico no blogue de Miguel Marujo que é cativante. E nada vulgar.
E nisso distingue-se de todos os restantes projectos eróticos da
blogosfera nacional. Horas de contemplação até que a vista nos doa é o
voto de intenções desde blogue atualmente alojado no Sapo e que tem uma
média de 11.800 visualizações diárias.
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O autor, confesso crente católico, começou com outro blogue em 2003 -
o cibertúlia - em que cruzava os seus gostos musicais e cinéfilos, com
opiniões políticas e imagens de mulheres que o inspiravam. Um dos seus
amigos um dia contou-lhe que achava uma chatice incrível andar a
'pescar' no seu blogue entre os comentários políticos ou gostos
musicais, as imagens femininas que verdadeiramente lhe interessavam.
'Porque é que não fazes um blogue apenas com essas imagens de mulheres?
Isso é que era!'
A ideia ficou a martelar na cabeça de Miguel e não demorou muito até começar a desenhar em segredo o blogue “E Deus criou a Mulher”.
Uma clara homenagem ao filme francês de 1956, do realizador Roger
Vadim, que celebrava a beleza de Brigitte Bardot. 'E quis brincar com um
grupo de amigos que comigo escreviam no blogue 'A Terra da Alegria',
sobre a condição dos crentes católicos'.
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A primeira imagem que publicou foi retirada de um anúncio publicitário
francês e recriava"A Última Ceia" de Cristo, mas numa versão alternativa
com várias mulheres (apenas um homem semi-nu de costas), uma delas no
lugar de Jesus. Uma provocação às formas mais tradicionais de viver a
religião. 'Quero dessacralizar a ideia de que um homem católico não pode
olhar um corpo e apreciá-lo como algo belo. Que é uma criação de Deus".
Ao longo dos anos foi ousando mais nas imagens e na forma como
apresentava a nudez delas.
O Renascimento dos tempos modernos
Miguel garante que tem poucos detratores, mas as críticas que mais
lhe apontaram é que privilegiava as mulheres magras e que o seu blogue é
obsceno, que ofende Deus. 'A primeira crítica está respondida nas
minhas publicações. Não caio no estereótipo da beleza. Tanto publico
corpos magros, como fartos. Veja-se a Mónica Belucci, por exemplo. E as
modelos 'plus size' também têm lugar neste blogue, que são aquelas que o
politicamente correcto não chama de gordas.” Quanto à crítica de que as
suas imagens ofendem Deus Nosso Senhor, Miguel não tem meias palavras.
“São críticas proferidas por quem vem à procura de uma coisa beata. O
erotismo não é beato. Há muita gente que teve uma educação religiosa em
que o corpo era pecado, uma coisa má. A minha fé nunca viu o corpo
assim. O corpo é bonito. O que se faz dele é o que se faz dele. E na
minha opinião os que olham para o corpo dos outros e o julgam obsceno
muito provavelmente convivem mal com o seu”.
Miguel recorda que
houve épocas na nossa sociedade em que o corpo nu era socialmente
aceite. Até pela religião. “Costumo até dizer que o meu blogue é a
representação do período renascentista nos tempos modernos. Uma espécie
de actualização da pintura renascentista, através da fotografia, com o
meu olhar”.
Uma mulher por dia
Todos os dias Miguel serve um novo menu de fotografias aos internautas.
As imagens mais vistas e comentadas são, como seria de esperar, as que
revelam o lado mais íntimo e revelador de mulheres conhecidas da
televisão e do grande ecrã. Scarlett Johansson, Monica Belucci ou Kate
Winslet estão entre as mais publicadas e apreciadas. Assim como as
deusas clássicas, que o tempo não esquece, como Marilyn Monroe ou Sofia
Loren. “Sempre um êxito de visitas”.
O jornalista confessa que uma vez ou outra algumas mulheres anónimas
enviam-lhe fotos de sessões caseiras pedindo-lhe que as publique. Uma
delas chegou a dizer-lhe que era para fazer uma surpresa ao marido.
Quase sempre rejeitou a proposta. '“Eram fotografias amadoras que não
tinham qualidade. E este meu blogue é para ser um espaço bonito, passo a
imodéstia. Mas já cheguei a publicar quando as imagens eram de
qualidade”.
Quanto às vozes que acusam o seu blogue de promover a
objectificação da mulher, Miguel é peremptório: ''Isso só será verdade
se estivermos a falar de uma exposição sem limites e sem critérios da
mulher. A Mónica Belucci quando posa para uma sessão fotográfica mais
erótica com certeza estabelece os seus limites e condições e sabe o que
está a fazer. E o que dizer da capa recente da revista Cristina com o
Quaresma despido? Na altura ninguém se questionou sobre a objectificação
do homem, pois não?” Marujo chega a citar Pedro Mexia que a propósito
de uma lista em que elogiava fisicamente algumas actrizes que o
inspiravam rematara: 'Já sei: tudo isto é uma “objectificação” (como se
actrizes de cinema que nunca veremos não fossem apenas objectos, ou
seja, imagens). Não preciso de invocar em minha defesa os Godards e
Truffauts. Não invoco absolutamente nada em minha defesa. Digo,
confesso, que é também pela beleza feminina que vamos, que vou, ao
cinema. E que o culto da beleza é um sinal de civilização.”
Miguel
assina por baixo. Pedro Bidarra em tempos ao ser questionado sobre
medidas que cada cidadão deveria tomar em tempos de austeridade
respondeu: ”Visitar o blogue 'E Deus criou a mulher' é uma boa maneira
de superar esta crise”. Miguel agradece o elogio. “Talvez seja...”.
Os homens com quem Mariama casava já!
São poucas as mulheres na blogosfera que assumem o desejo, um olhar
erótico e façam a exaltação da beleza do corpo masculino. Mariama
Barbosa, 41 anos, uma carismática relações públicas da agência de
comunicação ShowPress, é uma delas. Criou o blogue 'mariamacomk' em
2007 ainda antes da era dos blogues com interesses comerciais, trocas
de produtos e publicações pagas por anunciantes. Não tinha qualquer
intenção de lhe dar um cariz erótico. As suas motivações eram outras.
“Por ser africana estava à procura de um blogue que desse atenção aos
modelos africanos, às maquilhagens que nos ficavam bem e editoriais de
moda que me interessavam.” Há 4 anos “por brincadeira” publicou a
fotografia de um homem numa atitude sedutora com o curioso título “Caso
já!!”. Começava aí uma série de fotografias masculinas sugestivas que
segue até hoje.
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“Eu como me incluo naquele tipo de mulheres modernas que acham que o
casamento não é a prioridade das suas vidas, fiz daquela vez a graça de
que com aquele homem lindo até me casava. Até o proibido e não desejado
aconteceria. Caso já!! E passou a ser uma assinatura minha”. Hoje é uma
espécie de marca do seu blogue, o conjunto de homens com quem Mariama
“Casava já” a par dos conselhos de maquilhagem, sugestões de moda, de
produtos e eventos. E tal como aconteceu com Miguel Marujo, também
Mariama já recebeu diversos pedidos de rapazes que gostavam de ser a sua
próxima escolha. “Posso ser o teu próximo 'caso já'?, perguntam-me. Eu
rio-me e mando alguns deles ao ginásio. Para casar tem que ser com
alguém em muito boa forma, bonito, saudável. Mas os homens que me
inspiram variam. Vai desde um 'baby face' até um 'bad man' com bom ar.
Continuo à procura. Aceito inscrições. Ainda estou em processo de
casting”, diz meio a brincar.
Mariama afirma que não são só elas, mas também alguns eles que
apreciam e comentam as suas sugestões masculinas (alguns apenas em
cuecas) e com quem casavam na hora. Sabe que é fora da caixa ao assumir
este seu lado mais sexual. “Sempre fui fora da caixa em tudo na vida.
Mas acho que o tabu de que a mulher sente desejo está lentamente a ser
ultrapassado na sociedade. Claro que existe ainda vergonha da parte de
muitas mulheres em assumirem publicamente que sentem atracção carnal por
um homem. São vistas como 'funny', doidas, levianas. A mulher por
tradição cultural não diz piropos, é mais recatada. Não levo isso a
sério e não nego estes prazeres da vida. Da minha parte isso é tão
natural como um homem folhear uma revista, deparar-se com uma mulher
particularmente bonita e dizer 'com esta casava-me.
Pecado original
Outro exemplo na blogosfera que caminha por estas àreas do erotismo é o 'Pecado Original'
também alojado no Sapo, sob a máxima “Não julgueis, somos todos
pecadores”. A autora é M., uma mulher psicóloga, de 29 anos, a residir
no Algarve, que prefere não se identificar por trabalhar com o público
infanto-juvenil. “Assim evito a criação de preconceitos e
pré-julgamentos sobre um facto de ter um blogue erótico, poético, cheio
de vontade.” M. diz-se heterossexual mas publica maioritariamente
imagens de corpos femininos despidos. “Faço-me representar por corpos de
mulher”, justifica. Mas também publica algumas imagens deles. Nunca
despidos. “Tento trazer uma perspectiva diferente da nudez, mais
romântica e não tanto lasciva.”
Mal nutridas de erotismo
A
bloguer e autora Sílvia Baptista, que em 2006 deu que falar na página
“Cenas de Gaja”, afirma que todos estes projetos são bem-vindos e
salutares, mas defende que a emancipação feminina continua a não existir
no erotismo. Afirma que no caso delas há mais exibicionismo do que
emancipação. “Do ponto de vista erótico continuamos mal nutridas. Os
homens têm muito mais alimento e substracto erótico. Porque no erotismo
reinante o homem é o sujeito activo e a mulher o objecto passivo.
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Continuamos reféns dos modelos e padrões masculinos.” Sílvia salienta
que o comportamento sexual da mulher ainda está ligado aos seus valores
como pessoa. “É por isso que não encontramos muitos blogues femininos a
elogiarem a beleza masculina. E se o fazem é sob o véu do anonimato.”
Sílvia considera que fazem falta mais blogues ou páginas que revelem os
desejos delas, um espaço ainda por ocupar. “Continua a haver uma
hegemonia masculina. São os homens que ainda tomam as decisões e a
representação que nós mulheres temos na sociedade”.
Uma coisa é certa:
Deus, a culpa, o pecado não são para aqui chamados. Sejam felizes e
'lavem' a vista dentro e fora da blogosfera.
* A beleza do nú é infinita
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