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Requiem pelo bloco central
O bloco central acabou. A
deliberação proposta por António Costa foi aprovada por maioria
esmagadora, na madrugada da quarta-feira, pela Comissão Política do
Partido Socialista.
E o secretário-geral foi mandatado para
encetar conversações com os partidos à sua esquerda e à sua direita, no
quadro parlamentar resultante das eleições de 4 de outubro. Finalmente,
fechou-se um ciclo político que dominou o nosso modelo de representação
democrática durante 40 anos - desde as eleições para a Assembleia
Constituinte, em 1975.
Segundo um comunicado emitido na noite de
terça-feira, o senhor Presidente da República "encarregou" Passos Coelho
de conversar com o PS para criar condições que garantam a formação de
um "Governo estável e duradouro". No mínimo, diríamos que é uma
incumbência bizarra. Porque o sistema de governo de base parlamentar
consagrado pela nossa Constituição atribui essa tarefa ao partido
vencedor nas eleições legislativas. Ao Presidente da República apenas
compete, em primeiro lugar, que aguarde a contagem de todos os votos.
Segundo, ouvir o que têm para lhe dizer todos os partidos políticos
representados na Assembleia da República. Terceiro, ponderar se o nome
que lhe foi proposto corresponde ao sentido da vontade democrática
expressa nos resultados eleitorais e se tem o indispensável apoio
parlamentar. E, uma vez concluído esse processo, nomear por fim o
primeiro-ministro que preencha as condições requeridas.
Provavelmente,
esta diligência presidencial extemporânea foi executada a pedido da
própria coligação de Direita que agora se confronta com o fracasso da
estratégia que adotou. Porque, se aquilo que efetivamente preocupa o
Presidente é assegurar uma governação "estável e duradoura", nessa caso,
pareceria mais lógico e racional que ele começasse por condenar a
precipitação do PSD e CDS em fechar já um compromisso de Governo que,
além de minoritário, só pode restringir o leque de opções capaz de
assegurar a aprovação do Parlamento.
Mas a lógica é outra. Cavaco
Silva e Passos Coelho gostavam de ressuscitar o cadáver do bloco
central, depois de terem assinado a certidão de óbito há quatro anos e
meio, em 2011. Nem a circunstância de o programa de estabilidade
chumbado na Assembleia da República ter a bênção prévia da Europa e da
Alemanha impediram o PSD de negociar uma aliança negativa com o PCP e o
Bloco de Esquerda para precipitar as eleições legislativas antecipadas
que entronaram o Governo da Direita mais radical de toda a história da
nossa democracia.
Um Governo que se arrastou, moribundo, ao longo dos
dois últimos anos, graças à empenhada benevolência presidencial, e que
por puro oportunismo criou expressamente para esta campanha eleitoral a
ficção dos "cofres cheios" e da "recuperação económica", do fim dos
cortes nos salários e nas pensões, e de um cínico empenhamento em
combater as desigualdades que sempre promoveu. Um paraíso que
desapareceu mal foram conhecidos os magros resultados eleitorais, para
reaparecerem as graves dificuldades que o Governo da Direita se
encarregou de agravar. E perante a nova realidade, veio o apelo aos
consensos de que se esqueceram ao longo de toda a legislatura e a
dramatização do "sentido de responsabilidade" com que procuram
estrangular o PS, tal como a Direita europeia liquidou os socialistas
gregos, numa Grécia apenas poupada à expulsão do euro graças à
solidariedade dos socialistas europeus e à corajosa lucidez de Tsipras.
Na
decapitação do PS, residia a derradeira esperança da coligação de
Direita e dos seus aliados e servidores. Mas enganaram-se. O Parlamento
tornou-se agora o centro da nossa vida democrática. Cada um dos eleitos é
responsável pelo cumprimento do mandato que recebeu e a satisfação dos
compromissos que assumiu perante os eleitores. A vocação dos socialistas
não é servir de muleta à Direita nem de bode expiatório à Esquerda.
Estarão no centro dos debates e da construção de soluções, sem
interlocutores privilegiados, porque o Parlamento é, por definição
constitucional, "a assembleia representativa de todos os cidadãos
portugueses".
*PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
08/10/15
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