15/10/2015

ANTÓNIO PEDRO VASCONCELOS

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A hora e a vez 
de António Costa

“The best lack of all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity!”
(W.B. Yeats, “The second coming”, 1919)

“Acaso o nosso destino, tac, vai mudar?”
(Alexandre O’Neill, “Se…”, 1958)

Uma semana depois de o actual PR ter feito um discurso à Nação que nos deixa divididos no julgamento a fazer sobre o seu legado – em dez anos de mandato, Cavaco foi pior quando se calou ou quando disse alguma coisa? –, paira ainda sobre o país um suspense acerca do nosso futuro.

Já muito se escreveu e disse sobre quem ganhou e quem perdeu estas eleições, mas a verdade é que todos puseram a tónica na derrota de António Costa (as indecorosas guerras internas no PS dão conta disso), quando, por ironia, é ele – e não Cavaco – quem tem nas mãos, a partir de agora, a decisão sobre o futuro governo. Isso não lhe facilita a vida – pelo contrário -, mas é nos momentos difíceis que se revelam os líderes.

Costa – e é essa a sua enorme responsabilidade histórica - é agora o fiel da balança: daqui para a frente, nem a dupla Coelho/Portas, nem o PCP com o Bloco podem sozinhos formar governo. Nem o PS. Todos terão que fazer compromissos e cedências, mas, sem a anuência do PS, nenhum deles terá condições para impor um governo ao PR e à AR.

É certo que o PS (como, aliás, o PSD ou o PP) está longe de ser um partido coeso; qualquer que seja a sua decisão, Costa irá provocar ondas de choque internas e contestação dos notáveis e das bases. Como, a prazo, Coelho e Portas acabarão contestados nos seus partidos, logo que o poder absoluto de que gozaram durante quatro anos se fragilizar pelos compromissos que terão de fazer se quiserem manter-se a todo o custo no poder - ou pela marginalização dos seus partidos, se Costa optar, agora ou mais tarde, por uma aliança à esquerda.

Mesmo usando um poder absoluto (com o único escrutínio do TC), desprezando a voz do povo e os protestos da oposição durante quatro anos, Coelho e Portas tiveram, desde o primeiro dia, a oposição declarada dos verdadeiros social-democratas e democratas-cristãos que ainda sobrevivem nos seus partidos – ironicamente, as famílias políticas que garantiram a paz, a liberdade e a justiça social na Europa do pós-guerra e ajudaram a criar a futura União Europeia sonhada por Schuman e Jean Monnet.

Os números não mentem: neste momento, só 21,9% dos portugueses eleitores querem a permanência da Coligação. E logo que se torne visível para todos que o PSD e o PP perderam o poder de dispor sozinhos dos destinos do país, começará, nos partidos do PaF, a luta interna pela sucessão. Pelo contrário, se António Costa conseguir colocar o PS no centro da decisão política nos próximos anos, calará as oposições internas, reunirá o partido à sua volta e ajudará a eleger o PR de que o país precisa e de que não dispôs durante estes dez anos de luto da democracia.

Isso implica saber jogar entre os desejos e a realidade. Se o BE se apresentou aos eleitores como o Syriza de Janeiro, o PS foi obrigado a aparecer na campanha com o rosto do Syriza de Setembro. Goste-se ou não, estamos no euro, sujeitos aos Tratados que assinámos; e, por enquanto, dependentes das decisões de líderes que não elegemos, dos “patrões” de uma Europa que não legitimámos e dos “mercados” que nenhuma força legítima controla. O PS e o resto da esquerda não devem aceitar passivamente esta loucura neo-liberal que está a destruir o projecto europeu e a pôr o mundo à beira de uma catástrofe. Mas, como Tsipras dramaticamente demonstrou, não basta apresentar-se sem gravata em Bruxelas para que Shauble e Dijsselbloem cedam às suas justas reclamações. O trauma da humilhação imposta ao Syriza e ao povo grego pairou sobre a campanha do PS e retirou-lhe a capacidade de mobilização de que precisava para ter ganho com maioria absoluta. Mas, ao mesmo tempo, poupou-o à pesada responsabilidade de governar sozinho dentro de um espartilho imposto pelo Tratado Orçamental, o que iria causar o descontentamento à sua direita e à sua esquerda e, a prazo, fazê-lo cair.

A matriz do PS, de que não pode abdicar, é a defesa da Saúde e da Educação públicas, a justiça social, o reinvestimento na qualificação profissional, a sustentabilidade da SS, o reforço do papel social do Estado no estímulo da economia e do emprego, a independência da Justiça e dos Reguladores.

Por isso, Costa pode e deve impor à coligação a quem compete tentar formar governo (sublinho: tentar), as condições para viabilizar o governo sem nele participar: o fim das políticas de austeridade que se traduziram na penalização dos mais indefesos, em cortes sucessivos em salários e pensões e no agravamento de impostos, com as consequências conhecidas no empobrecimento e no agravamento das desigualdades, na perda de direitos sociais, no desemprego e na emigração, com a agravante de os objectivos do défice e da dívida terem sido escandalosamente ultrapassados. Além de que deve exigir que seja travado de imediato o negócio obscuro da venda da TAP e revertida a concessão dos transportes públicos municipais. E propor, ou pelo menos viabilizar, uma auditoria a algumas privatizações de empresas estratégicas, que foram feitas em condições pouco transparentes e ruinosas para o interesse nacional. E, por fim, que Portugal não abdique de se bater em Bruxelas com as vozes que reclamam uma mudança de políticas na zona euro, nomeadamente a reestruturação da dívida, como, aliás, acaba de recomendar a ONU (apenas com a oposição da Alemanha, do Reino Unido e dos EUA), ao aprovar os nove princípios democráticos que “devem sobrepor-se à voracidade dos credores”. Numa palavra, o que o PS deve exigir à Coligação é que ponha ”Portugal à frente”.

Este é o mínimo aceitável para que o PS não volte a ser a muleta da direita, com o risco de descaracterização que os partidos socialistas e sociais-democratas têm sofrido na Europa desde a queda da URSS. Se a Coligação não aceitar o essencial destas exigências, o PS deve propor-se formar governo com o apoio dos partidos à sua esquerda, com o compromisso de se bater pela renegociação da dívida, o fim das políticas de austeridade e a recuperação da soberania nacional em áreas que não lhe podem ser retiradas por decreto. Isto implica, também, da parte do PCP e do BE, um compromisso com a realidade, sem abdicar dos seus legítimos apelos à mudança de paradigma na política europeia.

Estamos num tempo histórico que oscila entre os versos de Yeats e os de O’Neill. É preciso que os melhores, de que fala o poeta irlandês, recuperem a “apaixonada intensidade” das suas convicções, que, nestes últimos 30 anos abandonaram nas mãos de uma direita revanchista e predadora.

Será desta vez, como pressentiu O’Neill, que “o nosso destino, tac, vai mudar?”

Realizador

IN "PÚBLICO"
12/10/15


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