A mobilidade europeia
Por
enquanto, os fatores que parecem obrigar a repensar o projeto da unidade
política europeia, consagrada formalmente no Tratado de Lisboa,
incluindo as possibilidades de alargamento, sofreram uma alteração de
previsibilidade que tem como primeira referência o resultado das
eleições britânicas, a relação da Grécia com a dúvida sobre se estamos
perante um problema que é dela, ou é um problema da União, dúvida
agravada pela falta de conceito estratégico que esta mantém.
A
lista cresceu com a declaração de Putin ao anunciar que definiu a Rússia
como o Império do Meio, com fronteiras de interesses mais vastas do que
as geográficas que em todo o caso vai alargando, e finalmente com a
questão mantida em segredo pelas chancelarias, que é a de saber se a
União, como parte, e o Ocidente, como todo a que pertence, estão em paz
ou em guerra depois de o chamado autointitulado Estado Islâmico do
Iraque e do Levante declarar que inclui, no seu plano de combate em
curso, destruir Roma, os seus símbolos, o que implica perceber que a
ocupação dos territórios está em causa. Este último facto é mais
inquietante quando se recorda que a mobilidade interna das fronteiras
europeias, mesmo sem esquecer a afirmada unidade espiritual que os
projetistas da paz nunca deixaram de fazer ao longo dos séculos, foi
sobretudo dinamizada por conflitos militares.
Para não recuar
muito no tempo, basta ter em conta os factos ainda presentes na
experiência e memória de grande parte da geração viva. A Primeira Guerra
Mundial, de 1914-1918, terminou com a consagração do princípio da
unidade entre Nação e Estado, constante dos princípios de Wilson, um
princípio fundado em valores considerados eticamente ocidentais mas que
implicaram o fim dos impérios, alguns multiculturais, europeus,
incluindo a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Rússia, a Turquia, não
conseguindo ainda assim acabar com a questão das minorias várias.
A
Segunda Guerra Mundial, de 1939-1945, consagrou a ética da
descolonização a favor da liberdade dos povos colonizados, eles próprios
frequentemente multiculturais, mas tendo como corolário a retirada dos
Estados da frente marítima atlântica europeia, com custos humanos
pesados de todos eles. Não é fácil encontrar governos que se possam
qualificar de "bons governos" quando fazem das capacidades militares o
instrumento de expansão mais evidente nas relações com outros, mas nesta
infeliz data de entrada no século XXI, as ameaças mais sérias parecem
por vezes contraditórias: por um lado, a unidade da Europa, mais uma
vez, é posta em causa pelas pequenas pátrias que talvez se recordem mais
de Wilson do que dos fundadores da União, todas esperando conseguir que
o de-senvolvimento, nas suas mãos, seja de facto o novo nome da paz;
depois, a enfrentar a utilização de valores religiosos pelos conceitos
estratégicos dos movimentos terroristas, que agora se atribuem a
natureza de Estado.
É absolutamente evidente que os danos já
causados não anunciam um fácil retorno à deposição das armas, antes,
pelo contrário, muitos analistas usam a expressão "guerra em toda a
parte", o que implica que a guerra tenha como efeito agravar a crise
global económica e financeira, a pobreza crescente e generalizada, que
por exemplo vai transformando o Mediterrânio num cemitério, ainda que
conseguindo resultados satisfatórios para os complexos militares -
industriais e os centros de poder não conhecidos ou não cobertos por
tratados, nas áreas da economia. Alguns defendem a teoria de que a
principal causa da pobreza, e logo da quebra da paz pelos mesmos
interesses, é a de maus governos, e talvez nesta data tão semeada de
ameaças e péssimos resultados conseguidos tenhamos de reconhecer que
existe mais anarquia internacional do que governanças estruturadas, e
uma falta de estadistas evidente quando recordamos os gigantes que
esqueceram os combates e as destruições para reconstruir a Europa
finalmente unida, e de novo a dar sinais de adotar ritmos de mobilidade
de um passado que os referidos fundadores quiseram para sempre impedir.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/06/15
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