Eu estive em Guimarães
Se há bairros onde a polícia não entra, também há bancadas onde as autoridades não põem os pés
Eu conheci um estádio com aspetos terceiro-mundistas. Paguei 30 euros para me sentar numa cadeira que não via limpeza há meses. Comprei refrigerantes num bar "de feira", a preços especulativos, sem controlo, pré-pagamento ou organização de filas. Na ausência de polícia ou stewards, levei para a bancada garrafas de litro, com rolha, potenciais projéteis supostamente proibidos. Mantiveram-me fechado num espaço reduzido, mais de uma hora para além do jogo, com mais 5 mil pessoas, em ambiente caótico, sob uma temperatura de quase 30 graus. Os adeptos do clube visitante ficaram todos juntos, famílias com crianças e claques de energúmenos, sem separação física. A simples presença de um adepto pacífico do clube visitante parece estar vedada nas restantes bancadas - os responsáveis do Vitória Sport Clube lá saberão porquê.
As claques do Benfica e do Guimarães comportaram-se como todas: de forma criminosa. Calhou à primeira a tarefa de destruir boa parte do interior do recinto. E o presidente do Benfica, em vez de condenar este comportamento, deslocar-se ao local, pedir publicamente desculpa e mostrar-se envergonhado, diz, arrogantemente, que paga tudo. Incentivando a reincidência impune. Porque o clube paga.
No ínterim, onde estava a polícia quando precisávamos dela? As imagens do CM TV mostram-nos onde: a espancar uma família inocente que tentava fugir do perigo. Porque se há bairros onde a polícia não entra, também há bancadas onde as autoridades não põem os pés.
Os contactos que, na qualidade de cidadão, tenho tido com a PSP, revelam uma polícia moderna, civilizada e competente. A imagem do agente barrigudo e prepotente deu lugar à do jovem profissional solícito, sereno e elegante. Fico perplexo com os números da Amnistia Internacional e de outros organismos independentes, quando denunciam uma polícia pouco respeitadora dos direitos humanos e ainda mais quando esse "pouco respeito" se reflete em violência operada, sobretudo, a coberto das quatro paredes das esquadras, onde funciona uma espécie de "omertà". Devemos ter tido uma amostra disso, domingo, ao ar livre. E precisamos de uma resposta política, não de um processo disciplinar, para aplacar a opinião pública, só porque "a televisão apanhou".
O que pode acontecer, agora, ao agente que perdeu a cabeça? É suspenso, expulso, responderá, ao menos, perante um inquérito disciplinar? E depois? Quando os seus camaradas forem chamados para intervir em situações de crise, onde o músculo seja requerido, como reagirão? Terão tempo para ajuizar se estão ou não a ultrapassar o emprego da "força necessária"? Pedirão aos "bandidos" que esperem um bocadinho, para que possam solicitar instruções ao chefe, "bato, não bato"? Mas alguém sabe o que é dispersar um motim?
Já vimos um pelotão da Polícia de Intervenção a aguentar duas horas de pedrada na escadaria do Parlamento. Conhecemos o discurso desculpabilizante do politicamente correto, quando os manifestantes são os chamados "indignados", mesmo que apedrejem os agentes ou destruam propriedade. Pressionamos a polícia, retiramos-lhe a autoridade, escrutinamos o alegado abuso. Não temos a mesma tolerância para com os adeptos de futebol. É o ambiente ideal para aplicar os conhecimentos aprendidos na instrução: "Bate na zona dos rins, ou na boca do estômago; isso quebra a resistência e não deixa marcas." Um hooligan com farda ofereceu-nos uma demonstração. Foi você que pediu?
IN "VISÃO"
21/05/15
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