O programa do PS:
despesas atuais
e receitas futuras
Globalmente, com algumas exceções, este programa é parco em detalhes
sobre as receitas que podem ser geradas para compensar os aumentos da
despesa.
Esta terça-feira o PS apresentou um conjunto de medidas que farão
parte do seu programa eleitoral. O documento merece uma análise
detalhada nos próximos dias. Mas desde já, de entre as propostas que
foram realçadas na apresentação, algumas medidas são desenhadas para
serem um incentivo ao emprego, o que é positivo para uma economia cuja
população em idade de trabalhar poderá diminuir significativamente nos
próximos anos. No entanto, outras eliminam reformas que foram
introduzidas com bastante custo nos últimos anos, diminuem o
crescimento, ou alteram de forma bastante radical o funcionamento da
segurança social. Finalmente, quando se trata de detalhar de que forma
se pretende financiar o aumento previsto da despesa, o programa é pouco
claro, ou remete para receitas futuras.
Do lado do emprego, o programa apresenta medidas que poderão ter um
impacto positivo no incentivo ao trabalho. A implementação de um crédito
fiscal ao trabalho para os trabalhadores mais pobres, que depende da
prova de emprego, representa um incentivo ao trabalho da população que
pode estar mais desencorajada. O programa prevê também a redução
temporária da contribuição social paga pelos trabalhadores com idade
inferior a 60 anos e relativa ao seu salário base até ao máximo de 4
pontos percentuais em 2018 (esta medida poderá ser revertida à
velocidade de 0,5p.p., a partir de 2019 se for considerado necessário),
bem como uma redução das taxas pagas pelos empregadores em 4p.p.
O relatório identifica acertadamente o problema social e económico
gerado pela coexistência de contratos de trabalho muito rígidos e de
contratos a prazo e recibos verdes que são muito flexíveis. A proposta
apresentada consiste em limitar a utilização dos contratos a prazo a
situações de substituição de trabalhadores. Ao mesmo tempo,
flexibiliza-se o processo de despedimento introduzindo um procedimento
conciliatório englobando os despedimentos por motivos de natureza
económica, cujas indemnizações são superiores às atuais. Este modelo
aproximaria Portugal do regime alemão e das reformas que estão a ser
implementadas na Itália. Por outro lado, para evitar a rotatividade
excessiva dos trabalhadores em algumas empresas, introduzir-se-ia taxas
superiores de contribuição para o subsídio de desemprego.
Finalmente o programa prevê a duplicação do valor do investimento (de
5 para 10 milhões) para efeitos de aplicação de crédito fiscal
automático de 25% no âmbito do RFAI e a utilização extraordinária dos
fundos Europeus que não foram utilizados em 2014, com custos reduzidos
para o orçamento.
Para além destas medidas, que podem representar um apoio importante à
economia e ao crescimento potencial, o programa volta atrás em algumas
reformas importantes que foram implementadas nos últimos anos.
Nomeadamente, a proposta de estabilização do número de funcionários
públicos ao mesmo tempo que se eliminam os cortes salariais implica um
aumento significativo dos gastos do Estado com massa salarial. Eliminar a
possibilidade de substituir um funcionário público por cada dois que
saem, suprime a possibilidade de reduzir os gastos do Estado com custos
sociais mínimos.
Na segurança social, os cortes das contribuições são compensados de duas maneiras diferentes:
- Os cortes nas pensões a partir de 2021, que, segundo o programa, os torna atuarialmente neutros, passam a responsabilidade do equilíbrio das contas da segurança social para depois da próxima legislatura.
- A diversificação das fontes de receita da segurança social através da consignação de vários impostos à segurança social: criação de um imposto sucessório para heranças superiores a 1 milhão de euros, eliminação do projeto de redução prevista da taxa de IRC, receitas da penalização às empresas que apresentem excessiva rotatividade. Esta medida representa uma transformação importante do sistema de segurança social, reduzindo de forma significativa o caráter contributivo do sistema e substituindo por transferências do Estado, reduzindo globalmente a transparência da relação entre contribuições e prestações. As escolhas sobre como se faria a diversificação são em alguns casos questionáveis. Em particular, o programa prevê voltar atrás no acordo que tinha sido realizado para reduzir a taxa de IRC, o que poderá ter um impacto negativo no investimento estrangeiro em Portugal e na rentabilidade das empresas, já fragilizadas pelo endividamento excessivo.
Finalmente, várias das medidas propostas, como a redução do IVA da
restauração de 23% para 13%, a eliminação progressiva da sobretaxa de
IRS (1.75p.p. em 2016 e de 1.75pp em 2017) e a eliminação dos cortes
salariais dos funcionários públicos não têm contrapartida específica do
lado da receita, para além da expectativa que o crescimento económico
gerado pelas medidas do programa seja suficiente para as compensar.
Globalmente, com algumas exceções, este programa é parco em detalhes
sobre as receitas que podem ser geradas para compensar os aumentos da
despesa. Num contexto em que as incertezas sobre o futuro da zona euro
são elevadas, aumentar em Portugal a despesa com poucas garantias de
compensação do lado da receita poderiam facilmente tornar Portugal um
dos elos mais fracos da união monetária.
Economista
IN "OBSERVADOR"
21/04/15
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