A Grécia lavrou
a certidão de óbito
Fechou-se este ciclo no lugar onde se
abrira: a Grécia. A vitória do Syrisa lavrou a certidão de óbito de uma
"política" que recusava admitir alternativas para a quebra da
solidariedade europeia que iria transformar os prejuízos comuns
provocados pela crise financeira internacional de 2008 nas "dívidas
soberanas" dos estados da sua periferia meridional. Entre os caídos em
combate, conta-se o Partido Socialista que, à frente do Governo grego,
ainda tentou submeter a referendo as políticas draconianas que a troika
lhe pretendia impor. Resignou-se, desistiu e acabou por desaparecer nas
últimas eleições. As inúmeras tentativas de intimidação dos eleitores
gregos durante a campanha eleitoral não resultaram e, agora,
inconformados com o resultado das eleições, os vencidos tardam em
reconhecer o seu fracasso, profetizando o insucesso do novo Governo e
rejubilando ao mínimo sinal de qualquer contratempo que surja na contra
ofensiva diplomática lançada pelos novos governantes. E teimam em
denunciar a inviabilidade económica das propostas gregas mesmo onde
repetem o que os conselheiros económicos do presidente norte-americano
proclamam há muitos anos e, até, depois do próprio Barack Obama
recomendar que se alivie a pressão sobre a Grécia. O primeiro-ministro
de Portugal, Pedro Passos Coelho, também anima o triste coro destas aves
agoirentas. E entende-se por que o faz. Enquanto a Alemanha defendia o
seu interesse nacional e a França tergiversava por receio de prejudicar
os créditos dos seus bancos, Passos Coelho era apenas movido pela sua
"crença" na força regeneradora da miséria e do castigo, pela demonização
do Estado e pelo endeusamento do empreendedorismo capitalista.
Por
isso, a responsabilização da Alemanha e da Chanceler Angela Merkel pela
política de austeridade que arruinou a Europa e os seus povos é um ato
de encapotada cobardia. Não foi a Alemanha nem a Chanceler Angela Merkel
que aprovaram o Pacto Orçamental e lhe conferiram, na prática, uma
força vinculante superior ao Tratado de Lisboa ou à Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia redigida por uma convenção presidida,
aliás, por um alemão - Roman Herzog - de que fui, com muito gosto,
vice-presidente. Não foi a Alemanha que impôs a participação do FMI
nesse esquema absurdo - a famigerada troika! - dos programas de resgate
das dívidas soberanas da Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre. Não foi
Angela Merkel quem levou a Europa e a União Monetária até ao limiar do
abismo.
A Alemanha e o seu Governo nunca teriam conseguido levar a
cabo um tal empreendimento sem o silêncio e a cumplicidade dos governos
dos restantes 27 estados-membros, do Conselho, da Comissão e do
Parlamento Europeu. A Europa deve aos gregos esta derradeira
oportunidade de enveredar por um novo caminho, o que na França e na
Itália já se começou a compreender.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
06/02/15
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