15/02/2015

MANUEL CARVALHO DA SILVA

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O valor do
 trabalho trucidado

Vivemos uma semana com um enorme leque de notícias, de grande impacto a merecerem análise: monumentais fugas ao Fisco, manipulações bolsistas e o "nervosismo" dos mercados, negociações e tensões entre a União Europeia e a Grécia, a guerra na Ucrânia e outras guerras e loucuras.

 Este turbilhão de acontecimentos noticiados ora num sentido, ora noutro distancia-nos das origens dos problemas e até do brutal sofrimento humano associado, tornando quase natural que à nossa volta se desrespeitem direitos humanos e os direitos mais elementares no trabalho. Convivemos quase pacificamente com salários e pensões baixíssimos, com ausências do direito universal à saúde, à justiça, à educação.

Passos Coelho, o primeiro-ministro europeu em funções mais subserviente e submetido a interesses estrangeiros, diz agora não ter qualquer preconceito contra o Governo grego, mas antes catalogou o seu programa de "conto de crianças", persistindo em apresentar Portugal como um país no bom caminho e cumpridor de "um programa com êxito". O país de êxito de Passos Coelho e quejandos é, este sim, um conto de embalar, onde não entra a realidade de cada vez mais pessoas alienadas dos seus direitos de cidadania e do trabalho tornando-se atividade de sujeição inevitável, a aproximar-se da escravidão.

O presidente da República (PR) prosseguindo nos seus discursos de hipocrisia política, alerta os portugueses para o custo da solidariedade com a Grécia, pois "significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses", escamoteando de forma inadmissível uma questão fundamental que ninguém de bom senso, na Europa e no Mundo, ignora: a Grécia é uma parte importante da UE e a solução dos gravíssimos problemas com que se depara é de vital importância para todos os europeus e não só.

Dezenas de milhares de milhões de euros foram sacados aos trabalhadores e ao povo português, através dos "negócios" BPN, BPP, BES/GES, swaps, PPP e dos processos de privatizações, com o PR a assistir impávido ou a credibilizar alguns deles. Desde que é presidente, os trabalhadores e os desempregados ficaram mais desprotegidos, com leis injustas e imorais, que ele candidamente promulgou. As transferências de rendimentos do trabalho para o capital somam milhares de milhões de euros por ano e o senhor presidente nada diz.

Esta semana ficamos a saber que dos cerca de 25 mil doutorados que o país tem, 40% trabalham com um vínculo precário e não chega a 4% o número de doutorados a trabalharem em empresas privadas. Quão importante seria termos um presidente que tomasse a sério um tema destes e o colocasse em análise na sociedade.

Soube-se também que o trabalho à jorna no Serviço Nacional de Saúde - feito por médicos, enfermeiros e outros profissionais qualificados - propicia às multinacionais que intermedeiam a colocação desses trabalhadores, um negócio de mais de 70 milhões de euros por ano.

Recentemente veio ao meu encontro um trabalhador de uma empresa do ramo alimentar que está há seis anos a desempenhar funções de chefia (situação confirmada por escrito), mas que não recebe os 60 euros mensais de diferença a que tem direito. Sente-se profundamente injustiçado, mas a sua esposa trabalha na mesma empresa e sempre com contratos a prazo: sabe que se reclamar ela será despedida. Quantos milhares de portugueses vivem estes dramas......

As empresas são negociadas ou "reestruturadas", como acontece hoje com a Efacec, a PT e outras, e os direitos dos trabalhadores são cilindrados no meio desses processos. Os despedimentos já não são fundamentados e os patrões ou acionistas envolvidos nem se detêm uns segundos para assumir compromissos com os trabalhadores. A destruição da contratação coletiva é um dos maiores crimes contra a existência de um sistema de relações laborais sustentador de um modelo de desenvolvimento para o país. Essa destruição instala nas práticas patronais uma atuação unilateral e de absoluta impunidade.

Por muito que andemos ocupados com outras grandes preocupações, não deixemos que trucidem os direitos a um trabalho digno, a salários justos, ao controlo do tempo de trabalho. Essa é a via mais rápida do retrocesso social e do desastre económico e político.

INVESTIGADOR E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
14/02/15


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