03/02/2015

FILIPE LUÍS

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Mon ami' Tsipras

Os socialistas gregos são uma espécie de parentes pelintras da província que o nosso PS quer esconder

Em duas penadas, António Costa "matou" o Pasok - partido socialista grego, seu camarada na Internacional Socialista e companheiro de bancada no Parlamento Europeu - e reivindicou para o PS uma afinidade de circunstância que permite cavalgar a onda da "mudança". Com efeito, para Costa, a vitória do Syriza "é mais um sinal da mudança da orientação política que está em curso na Europa". Portanto, os vencedores das eleições gregas - que se coligaram, não aos esquerdistas do Tu Potami, que são rivais, não aos socialistas do Pasok, que cheiram mal dos pés, não aos comunistas do KKE, que são ameaçadores, mas à direita nacionalista dos Gregos Independentes, numa eloquente demonstração de como os extremos se tocam - são os improváveis parceiros de mudança dos socialistas portugueses. 

E, no entanto, o Pasok tem mais afinidades com o PS do que António Costa quer assumir. Neste momento, os socialistas gregos são uma espécie de parentes pelintras da província que o nosso PS quer esconder. Mas lá, como cá, os socialistas estão identificados, justa ou injustamente, com o espectro da bancarrota e do pedido de ajuda externa. Foram os deles, como os nossos, que tiveram de chamar a troika. Lá, pelo menos por agora, desenhou-se uma alternativa à esquerda. Os radicais gregos cumprem, assim, o sonho histórico do nosso Bloco de Esquerda, substituindo o PS. Mas as comparações acabam aqui. Porque nem o PS é o Pasok (apesar do caso Sócrates, não se identifica com a corrupção larvar que medrou no tempo da família Papandreou...) nem o BE tem a estaleca ou, sobretudo, a liderança do Syriza. Ou, mais importante, a coragem de dar o salto da esfera do protesto para o arco da governação.

Ainda assim, a viragem grega pode influenciar outras eleições, noutros países, e sobretudo as de outubro, em Portugal. O desempenho de Aléxis Tsipras, os resultados que consiga ou os desastres que provoque serão determinantes para a decisão de outros eleitorados. Mais uma vez, e depois de ter sido laboratório da troika, o povo grego será experimentado numa forma de Governo completamente "fora da caixa". O protesto chegou ao Poder, veremos como se comporta por lá.

Percebe-se António Costa: ao "apropriar-se" da "mudança" protagonizada pelo Syriza, impede uma eventual ressurreição do Bloco de Esquerda e cola o PS a outros movimentos emergentes de esquerda, retirando-lhes capacidade de crescimento eleitoral. Mas o líder do PS dificilmente irá mais longe. Por exemplo: advoga ou não, como o Syriza, uma renegociação da dívida? ?O próprio sucesso ou insucesso de Aléxis Tsipras há de condicionar o discurso político em Portugal. Ou ele consegue melhores condições para o reajustamento grego, e, com isso, dá mais expressão aos argumentos da oposição em Portugal, ou espalha-se ao comprido, sendo o seu exemplo usado como uma vacina, no argumentário da coligação PSD/CDS. 

De uma certa forma, Passos Coelho é o único que fica sempre a ganhar com a vitória dos radicais, na Grécia. Se eles se afundarem, dirá que qualquer política alternativa à do seu governo é "aventureirismo irresponsável" - e muitos eleitores hesitantes acreditarão. Se os gregos obtiverem um alívio da austeridade, Portugal apanhará a boleia e o Governo reivindicará os louros. Irónico, não? A frase recuperada por estes dias terá vindo para ficar: "Portugal não é a Grécia." Não? Estamos para ver.

IN "VISÃO"
02/02/15


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