ESTA SEMANA N0
"SOL"
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Crise do rublo:
Dor de cabeça para quase todos
Basta entrar num dos supermercados da cadeia Piatiorotchka, em
Moscovo, para ver que muito mudou desde que começou a turbulência
económica e financeira com o rublo, no final do ano passado. A variedade
de produtos é menor e os preços subiram substancialmente.
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“Só não vê quem não quer. As pêras Conference, que antes
custavam entre 60 e 90 rublos, hoje estão a entre 129 e 190 [1,58-2,47
euros, ao câmbio actual]. Com as maçãs Smith aconteceu a mesma coisa:
subiram de 60-80 rublos para 140 [1,82 euros] e mais rublos”, declara ao
Sol Anton, funcionário público. “E a qualidade passou a ser muito pior
depois das sanções, quando a Rússia deixou de importar frutas do
Ocidente”, acrescenta.
Entre Novembro e Janeiro, a queda do rublo em relação ao euro e ao
dólar rondou os 30% e as autoridades russas ainda não conseguiram travar
este processo, embora, nas últimas semanas, tenha tentado contrariar a
tendência através de 'injecções' monetárias do Banco Central da Rússia
nos mercados.
Os funcionários públicos foram dos mais castigados pela crise
económica. Marina ensina inglês numa das escolas de Moscovo. Há dois
anos, recebia um salário de cerca de 60 mil rublos (que na altura
correspondiam a cerca de 1.500 euros) por mês. Além disso, as
autoridades locais pagavam 'subsídios de estímulo', o que fazia com que o
seu salário chegasse aos 100 mil rublos mensais.
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“Era um salário muito bom, se tivermos em conta que a média nacional
para os professores do ensino médio ronda os 33 mil rublos. Permitiu-me
pedir um empréstimo para comprar um apartamento e outro para um
automóvel. Mas a crise veio estragar todos os planos”, afirma a
professora. Entretanto, continua Marina, “a queda do preço do petróleo e
do rublo obrigou a fazer ajustamentos orçamentais e perdemos quase
todos os subsídios de estímulo. O salário ficou na mesma, mas os preços aumentaram muito, os juros bancários também, por isso não faço ideia de
como pagar as contas”.
A situação não é melhor entre os médicos. Segundo dados oficiais, o
salário médio de um médico na Rússia é de 45 mil rublos. “Eu recebo
quase o dobro da média devido à especialidade, mas se já antes mal dava
para comer e para as despesas com apartamento, escola dos filhos, etc.,
agora temos de economizar em tudo”, reconhece Alexandra, cardiologista
num dos hospitais de Moscovo. “Mas isso é apenas um dos problemas.
Moscovo vai fechar vários hospitais e policlínicas, reduzir o pessoal e o desemprego poderá ser uma realidade”.
Segundo o Governo central, em 2014 um cidadão russo necessitava de pelo
menos 8.086 rublos por mês para comprar o cabaz mínimo de compras,
prevendo-se que essa importância possa subir para 8.500 rublos no ano
corrente.
“Isso já não dava para nada antes da crise e agora dá para muito
menos. O preço do pão, do leite, tudo sobe. Comer carne é um luxo. Os
nossos dirigentes deviam experimentar viver com as nossas pensões”,
lamenta uma reformada, que afirma receber mensalmente 11 mil rublos.
Russos compraram tudo o que podiam
Quando os russos começaram a ver que a queda do rublo não era um
fenómeno conjuntural, os mais avisados (e abonados) investiram em
imobiliário.
“Devido à queda do rublo, os compradores tentam proteger as suas
poupanças e adquirem activamente imobiliário, nomeadamente caro”,
declara Dmitri Khalin, gerente da companhia Intermark Savills, citado
pela agência económica RBC. “Nos segmentos do imobiliário de classe
premium e business, em Outubro de 2014, o aumento da quantidade de
contratos assinados foi de 25% em comparação com o ano anterior. Porém,
se o dólar descer”, continua o especialista, “veremos uma continuação do
crescimento no mercado imobiliário. Se a situação se deteriorar, é
provável um cenário de estagnação no mercado e da diminuição de
negócios”.
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Mas a verdadeira corrida contra a desvalorização do rublo ocorreu nas
lojas que vendem produtos de longa duração como electrodomésticos,
televisores, computadores, etc. “As cadeias de lojas de
electrodomésticos importados Eldorado e M-Video registaram recordes de
vendas, pois os russos queriam livrar-se rapidamente dos rublos. Até eu
fui na onda, porque recebo metade do salário em rublos”, contou ao Sol
Domingos, um português que trabalha para uma multinacional que tinha na
Rússia um dos principais mercados para os seus electrodomésticos. “Entre
Outubro e Janeiro, os preços dos nossos produtos sofreram um aumento de
70% e, por isso, prevemos uma queda das vendas de cerca de 20% em 2015,
o que faz com que os nossos projectos de crescimento tenham sido
adiados para melhores dias. A Rússia era o nosso segundo mercado, mas
agora passou para o nível ibérico”, frisa o funcionário luso, que receia
ser transferido para outro país devido à crise.
Empresas como a Apple suspenderam as vendas no pico da desvalorização
do rublo, tendo depois retomado as vendas, mas com um aumento dos
preços da ordem dos 40%.
Apenas os automóveis de luxo escaparam à fúria consumista dos
moscovitas. Os carros de outros segmentos conheceram vendas nunca vistas
no país nos finais do ano passado. “Em Dezembro foram vendidos 270,6
mil automóveis, ou seja mais 6,3 mil veículos ou seja, um aumento de
2,4% em comparação com o mesmo mês de 2013”, lê-se num relatório da
Associação Europeia de Negócios, que reúne produtores de automóveis de
países da União Europeia.
Quanto a previsões para o ano corrente, o quadro é bem diferente.
Segundo a citada associação, “ em 2015 poderão ser vendidos 1,89
milhões de automóveis novos, ou seja, prevê-se uma diminuição de 24% em
relação ao ano passado”.
No segmento dos carros de luxo, a situação foi e continua a ser
calma, sendo aí o segredo e a confidencialidade a alma do negócio.
“Crises deste tipo claro que afectam os vendedores de automóveis dos
segmentos de luxo, porque eles são feitos por encomenda”, declarou ao
SolMikhail, vendedor de automóveis, recusando-se a avançar mais
pormenores.
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Seja como for, os senhores das grandes fortunas na Rússia parecem não
ter sido muito atingidos pela crise, porque preferem ter o dinheiro
seguro nos bancos ou em investimentos no estrangeiro, nomeadamente em
sectores como o imobiliário. Talvez não seja por acaso que, em 2014, se
tenha fixado mais um recorde no campo económico: segundo dados oficiais,
a fuga de capitais do país foi de cerca de 130 mil milhões de euros.
A crise do rublo fez também descer bruscamente o número de russos que
optam por passar férias no estrangeiro. “A Europa Ocidental, incluindo
Portugal, recebeu, em 2014, menos 40% de turistas russos e as
perspectivas não são nada animadoras. Razões políticas tiveram alguma
influência neste processo, mas a principal causa é, claro, a
desvalorização do rublo”, considera Marina, funcionária de uma das
agências de viagem de Moscovo. “Os russos voltaram aos destinos mais
acessíveis: Turquia e Egipto, e aumentou o turismo interno”, precisou.
Nem os estrangeiros escaparam
Vários estrangeiros contactados pelo SOL frisam que a queda do rublo
não transformou a Rússia num 'paraíso de compras', pois o aumento dos
preços dos produtos neutralizou os ganhos com a subida do dólar e do
euro.
“O meu marido é atleta profissional na Rússia. Apesar de ser
português e de ter sido contratado como jogador estrangeiro, perdemos
grande parte das nossas economias pois ele é pago em rublos. Ainda não
sabemos como vai ser o final da história. Podemos ir embora em Junho ou
renovarem aqui o contrato e ficarmos por um ano ou mais...”, declara ao
Sol a esposa de um jogador de futsal português que alinha numa equipa da
província russa. “Todos os nossos planos foram por água abaixo”,
continua. “Vamos ver o que aí vem, mas posso dizer que a nível
desportivo os clubes atravessam grandes dificuldades e vai ser cada vez
mais difícil contratarem jogadores estrangeiros”.
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Um diplomata europeu em Moscovo chama a atenção para o facto de
aqueles que em parte são pagos em dólares não terem ficado mais ricos:
“isso seria verdade se os preços em rublos se mantivessem, mas não é
assim. Observa-se uma forte subida dos preços, pois a Rússia importa
muito do que consome e compra isso em moeda forte”.
Por exemplo, alguns dos produtos alimentares que deixaram de entrar
na União Europeia, passaram a chegar à Rússia através de países
terceiros. “As tangerinas ou legumes, que antes trazíamos directamente
de Espanha, passam por outros países e recebem documentos para entrar na
Rússia como se não tivessem origem nesse país da UE”, explica uma
importadora russa. E frisa indignada: “O nosso Governo devia pensar nas
sanções que tomou contra a União Europeia e os Estados Unidos, mas que,
no fundo, nos atingem. Com todas as burocracias e esquemas, só temos uma
saída: aumentar os preços”.
Rublo cai, popularidade de Putin mantém-se
Não obstante todas as dificuldades económicas, os russos continuam a
acreditar no Presidente Putin. Segundo alguns sociólogos, trata-se de
uma situação temporária e o aprofundamento da crise do seu regime é
inevitável. Mas nem todos pensam assim. Alexei Levinson, do Instituto
Levada-Tsentr, explica assim este aparente paradoxo: “Descem todos os
índices respeitantes ao bem-estar ou à situação económica.
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As pessoas
compreendem que os preços aumentarão e a vida se tornará mais difícil...
mas mantém-se a bravata, típica de situações extraordinárias. Então, a
hierarquia comum de prioridades vê-se virada ao contrário. Aqui só há um
caso atípico: fomos nós próprios que criámos as situações
extraordinárias”.
As situações extraordinárias são a ocupação da Crimeia pela Rússia e o
apoio do Kremlin aos separatistas pró-russos no Leste e Sul da Ucrânia.
Porém, a fim de evitar surpresas, Putin toma medida duras para
impedir o aparecimento de forças de oposição sérias, que vai desde a
propaganda desenfreada na televisão até à redução do preço da vodka,
pois, quando o povo bebe, esquece as mágoas.
* Para doparem completamente o povo russo só falta alguém aterrar numa azinheira.
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