28/01/2015

CARLOS VARGAS

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Irão os bancos 
ajudar Draghi 
a salvar o euro?

O programa do BCE para a compra de dívida da Zona Euro foi anunciado com enorme atraso e "in extremis". Com a inflação média na Zona a cair consistentemente desde há vários trimestres, a taxa de inflação homóloga atingiu em dezembro um valor negativo (- 0,2 %). Foi o sinal de alarme de que a deflação está muito próxima. O atraso de 6 anos do BCE - face aos estímulos monetários da FED e do Banco de Inglaterra - causou danos incalculáveis à UE, em grande parte irreversíveis. Quebra da confiança, escasso investimento, estagnação económica e aumento do desemprego para um número recorde. E, ainda, um enorme - e desnecessário - sofrimento infligido a muitos milhões de pessoas, sobretudo, em países do Sul e da periferia europeia.

A decisão do BCE pode ser lida como uma derrota parcial de Angela Merkel e dos austeristas mais fanáticos. Esgotados os argumentos políticos e os expedientes legais, incluindo o recurso ao Tribunal Europeu, Governo alemão, Bundesbank, funcionários e líderes de opinião germânicos tiveram de ceder ao QE. Mas não em definitivo.

O último "spin" de Berlim, lançado há dias, é que com a ajuda do programa do BCE alguns países poderiam abandonar as reformas estruturais. Ou seja, poderiam abrandar a austeridade. Isto é, abandonar as políticas recessivas que a Alemanha quer continuar a impor à UE, apesar das dramáticas consequências que hoje estão bem à vista...

Angela Merkel e o fanatismo alemão foram derrotadas, mas a luta continua. Habituados desde sempre a dominar o BCE, os alemães não irão desarmar. Mario Draghi irá enfrentar nos próximos tempos um vendaval de críticas "made in Germany". Com o apoio de Berlim, o presidente do Bundesbank lidera o coro. O líder da CDU no Parlamento Europeu disse que "o BCE acabou". Começou uma nova guerra.

No entanto, esta derrota de Angela Merkel e do austerismo é apenas parcial. Num ponto crucial os alemães conseguiram vencer. Esse ponto é o da repartição das perdas resultantes de eventuais "defaults".

 Draghi teve de aceitar que 80% dessas responsabilidades fossem assumidas pelos bancos centrais dos 19, ficando o BCE apenas com 20%. Esta opção é uma derrota clara para os países que defendem que eventuais prejuízos de políticas do BCE deveriam ser assumidos pelo BCE, dado haver uma zona monetária unificada. Itália e Irlanda manifestaram de imediato o seu desacordo acerca da repartição de riscos pelos 19. Portugal ficou calado, como de costume. A Espanha optou por um silêncio que, tal como o silêncio de Lisboa, só pode ter uma raiz ideológica desfasada da realidade...

Agora, uma questão se coloca: será o QE suficiente para atingir os grandes objetivos pretendidos, ou seja, retoma económica, crescimento, combate ao desemprego? Uma primeira resposta é não. A compra de dívida pública e privada pelo BCE, mesmo em larga escala, por si só, não será suficiente.

O que faltará então? Uma reforma inadiável: que a banca aproveite esta oportunidade para mudar o seu "mindset". Focando-se menos em operações de capital financeiro a curto prazo e na compra de dívida soberana. E centrando-se mais no financiamento às empresas e à economia real.

 Esse reposicionamento estratégico dos bancos implicará o desejo de assumirem um maior papel no "funding" de projetos - públicos ou privados - de desenvolvimento e criação de emprego. Essa mudança de foco da banca é crucial para o sucesso do QE na Zona Euro. E, naturalmente, também para o futuro do euro e da União Monetária.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS
27/01/15

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