HOJE NO
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Paulo Campos.
“Ultimamente temos técnicos do INEM
a ser agredidos na rua”
Presidente do INEM revela que notícias sobre atrasos no atendimento já levaram a agressões aos técnicos e afectam credibilidade da instituição
O
convite para o INEM chegou um dia antes do nascimento do seu último
filho e é por isso que considera o instituto “uma espécie de filho mais
novo”. Há nove meses à frente do_INEM, Paulo Campos fala em muito
trabalho e dias que normalmente não acabam antes da madrugada. Apesar do
recurso a números e dados exactos, não esquece o tempo que trabalhou no
terreno e garante que às vezes ainda “veste o fato amarelo e calça as
botas” para um ou outro serviço.
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Defende melhores condições de trabalho
para os funcionários do instituto, mas garante que nunca conheceu
trabalhadores tão motivados. Sobre as últimas polémicas, Paulo Campos
garante a eficiência do serviço e desvaloriza as notícias sobre demora
no atendimento.
Já morreram pessoas devido a atrasos no atendimento do INEM?
Que nós tenhamos conhecimento, não. O impacto tem a ver com atrasos
de alguns segundos. Para uma média de chamadas de cerca de 3400 por dia,
passámos a ter, no dia 1 de Janeiro, por exemplo, mais de 5 mil
chamadas. Este acréscimo de chamadas é muito grande para uma central de
atendimento.
A que se deve esse acréscimo?
A um conjunto de factores. A nossa população está mais envelhecida,
precisa de mais cuidados de saúde e ao longo dos anos temos tido um
aumento de 5 a 10 por cento do volume de chamadas todos os anos. Por
outro lado, estamos no Inverno, com picos de casos de gripe.
Esse aumento no volume de chamadas tem sido acompanhado por um aumento de pessoas no atendimento?
Temos um aumento de chamadas e um plano de abertura de meios anual,
com os quais é preciso fazer passagem de dados. É preciso repensar
estruturas e é por isso que, para 2015, está previsto um incremento de
quase 300 profissionais e já temos autorização para a abertura do
concurso para 85 técnicos de emergência.
Mesmo assim há notícias específicas, como a do homem de 63
anos em Espinho que morreu depois de 40 minutos à espera de viatura
do_INEM.
Lamentamos a morte do doente, mas é o caso de um doente com uma
doença muito grave e que provavelmente não iria ter outro desfecho. O
comandante dessa corporação de bombeiros [de Espinho ] é
vice--presidente do sindicato, o mesmo que está a trazer isto a público.
Em nenhum ponto os bombeiros estão em causa.
Há uma espécie de guerra aberta entre bombeiros e INEM?
Não há, nem pode haver. Somos parceiros de um sistema que dá resposta
ao cidadão. Pode ter havido algumas animosidades no passado, ou pessoas
ligadas a outras estruturas e que não deviam levantar poeira entre
estas duas estruturas, mas temos conseguido limar os problemas e pôr o
doente acima de tudo isso.
Qual tem sido o impacto destas notícias no dia-a-dia no_INEM?
Este tipo de notícias tem impacto na agressividade das chamadas e no
próprio contacto com os nossos técnicos, que ultimamente são agredidos
na rua. As pessoas ficam com dúvidas sobre o nosso trabalho.
O número de profissionais ainda responde aos padrões de segurança?
Sim, senão tínhamos de encerrar meios.
A formação dos técnicos é suficiente?
Fazemos sempre propostas de melhoria e a verdade é que os técnicos de
emergência vão ter mais competências e mais tempo de formação. E isso
não tira o lugar a ninguém.
Faria sentido ter um enfermeiro em cada saída do INEM?
Não, de maneira nenhuma. É mais um mito criado por uma luta de
parceiros, que põe em causa o próprio sistema. Ordens e sindicatos, que
puseram isto em causa, têm de perceber que há espaço para todos e que
não lhes compete roubar espaço uns aos outros.
Ao i, o INEM explicou que a subida de poucos
segundos nos tempos de atendimento não tem reflexo nos tempos globais de
resposta às emergências. Como é isso possível?
Falamos de uma timeline de tempo. Quando uma pessoa faz a chamada
para o 112 é atendida e a chamada é passada para o CODU (Centros de
Orientação de Doentes Urgentes), é a esse tempo de atendimento que nos
referimos. A partir daí o profissional identifica o caso e manda o meio
para o local. Como tudo é feito através de um algoritmo, o meio pode ser
activado mesmo antes de o técnico terminar a chamada. É por isso que um
aumento de poucos segundos na chamada para o CODU não aumenta o tempo
geral de espera.
Mas alguns técnicos falam em tempos de espera de mais de uma hora.
Isso será o tempo de passagem de dados, não o de atendimento. O que
está previsto é que se não são atendidos tentem outra linha.
O que quer dizer que os técnicos não estão a usar todos os meios disponíveis?
Acredita que se eu estiver na rua uma hora com uma situação urgente não tento outra linha?
Falta passar essa informação aos técnicos?
Eu não vou dizer que não houve um aumento de tempo na passagem de
dados. Mas não é suposto ficar à espera para provar à comunicação social
que não conseguiu ligar.
Há alguma razão para que o problema tenha saído a público agora?
O sindicato é que poderá explicar o porquê de só falar agora,
principalmente a dias de termos a abertura de concursos para novos
profissionais.
Há uma incompatibilidade entre direcção e sindicato?
Não, mas estamos em ano de eleições…
Acha que isso influencia?
Influencia, claro, até porque estamos a falar da exposição mediática
da emergência médica nacional. Se quem mediatizou estes temas esperasse
uma semana, estes técnicos já estavam a integrar o CODU.
Antes desta direcção não foram integrados novos recursos humanos?
Não quero comentar as opções das outras direcções. Temos
trabalhadores motivados, que nunca dizem que não. Existe burnout
[síndrome de exaustão emocional relacionada com a profissão], mas
também existe engagement [capacidade de se manter envolvido na
profissão].
Os valores de engagement são superiores aos das outras profissões?
São, claramente. As pessoas quando abraçam uma profissão destas fazem-no com toda a paixão.
Mas compensa os valores de burnout?
É um trabalho desgastante, sem dúvida, tanto a nível físico como
psicológico. Para mim sempre compensou, mas depende de pessoa para
pessoa. A remuneração é baixa, mas salvar uma criança sabe tão bem...
Por outro lado, ter uma criança morta nos braços também tem os seus
efeitos. Os valores de burnout no INEM são semelhantes aos de serviços
do género a nível internacional.
Ser semelhante ao que acontece no estrangeiro não quer dizer que seja positivo...
Principalmente não quer dizer que não se possa fazer nada. Daí termos
apostado em acções de formação dadas pelos nossos psicólogos, para
prevenir o burnout e aumentar o engagement.
Como explica o número de baixas do INEM?
É verdade que no Natal tivemos mais 50 baixas que o esperado, mas não
sei se em geral temos mais ou menos que outras entidades da função
pública. Há muitas instituições que não autorizam férias em períodos
críticos, talvez seja uma opção a ponderar para o INEM.
Como foram suportadas essas baixas?
Com outros profissionais, que tiveram de deixar as famílias no Natal e
na passagem de ano para virem trabalhar, mesmo sem estarem escalados
para tal. É de enaltecer esse empenho. Cada um pode pensar no que quiser
sobre haver mais baixas em alturas de festas, mas são baixas por
doença, não há muito a fazer.
Isso não é contar com a boa vontade dos trabalhadores?
Há mecanismos legais para interromper férias para dar resposta aos
serviços. Mas não foi preciso e não conheço muitas instituições em que
isso aconteça. Os trabalhadores do INEM são um exemplo, estão altamente
motivados.
No INEM a motivação não passa por aumentos salariais?
Um bombeiro que faça um turno extra ganha 3 euros, um técnico do INEM
ganha 22,50. Não é o dinheiro o único motivo que os leva a trabalhar
mais horas, até porque no INEM os valores nunca podem ultrapassar os 60%
do ordenado-base.
Então como se motivam os trabalhadores do INEM?
A entrada de mais recursos humanos vai aliviar o trabalho actual, o
que já é uma motivação. Vai ser possível também alocar profissionais a
outros serviços. Estar oito horas a atender chamadas de pessoas com
níveis de stresse elevados é muito desgastante.
Os aumentos salariais não estão em causa?
Os trabalhadores do INEM ganham mal, é verdade. Um técnico de
emergência ganha 695 euros, mas não há alternativa que não seja cumprir
as regras que o país tem.
As condições de trabalho no INEM são as suficientes?
Temos coisas para melhorar, claro. Não podemos é querer fazer numa
semana aquilo que não foi feito no último século. O que posso garantir é
que temos estado a acompanhar auditoria e em 2014 fizemos auditoria de
80% das bases. Esgrimir isto do ponto de vista político é muito fácil,
mas em termos técnicos é mais complicado. Este instituto não são só os
técnicos de emergência, temos 1300 profissionais, dos quais 770 são
técnicos de emergência. É preciso gerir tudo da melhor forma.
Chegou a falar-se de casos de suicídio entre trabalhadores da instituição.
Não existem casos de suicídio no INEM, não há ninguém da equipa que os conheça.
O estudo do burnout deu origem a apoio psicológico aos trabalhadores. É para continuar?
Sim, e a ideia é abrir o leque a todos os trabalhadores do INEM, não
ficando só pelos técnicos de ambulância, como até aqui. Por isso pedimos
um estudo mais alargado à Faculdade de Psicologia da Universidade de
Lisboa.
* Como é hábito não comentamos entrevistas aqui reproduzidas.
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