24/12/2014

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Papa Francisco abana igreja católica

Podiam ser 20 doenças ou apenas uma, mas Francisco escolheu enumerar 15. No seu discurso de Natal ao organismo central administrativo da Igreja Católica Apostólica Romana, a Cúria – e como já nos tem vindo a habituar – este Papa fez o que nunca nenhum tinha feito: esfregou sal nas feridas que já tinha aberto nos cardeais com o seu Evangelho da Alegria, os mesmos que se recusam a evoluir e a abandonar o carreirismo para oferecerem os seus serviços aos que mais precisam e a toda a comunidade. 
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Ao fazê-lo, Francisco terá provavelmente engrossado a lista dos que o criticam e não o vêem nem às suas acções com bons olhos nos círculos mais fechados e conservadores (o maldizer, uma das 15 doenças). “Os cardeais achavam que iam receber a bênção de Natal e levaram com uma saraivada”, resume Frei Bento Domingues. Em vésperas de Natal, este e outros dois teólogos da Igreja portuguesa analisam a lista de maleitas

1 Imortais e essenciais
“Francisco mostrou uma frontalidade exemplar para combater uma tragédia que é o carreirismo na Igreja”, defende o bispo das Forças Armadas. “Hoje a Cúria é um conjunto de cardeais que estão ali pela idade, que a usam como um posto. Em bom português estão-se a borrifar para o que devia ser a sua função, servir a comunidade, porque têm o poder.” 
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2- Actividade excessiva 
 “É o que na Igreja se chama de Martismo”, explica D. Januário, em referência às passagens da Bíblia sobre Marta. “É não ter tempo para estudar, para ouvir outras opiniões, é correr a maratona sem ouvirem o treinador. É não ter tempo para reflectir nem para rezar. Isto mata a espiritualidade da cultura, esta falta de preparação, este desinteresse e falta de dedicação ao que importa.” 

3-Petrificação mental e espiritual 
O que devia ser plasticina, diz o bispo das Forças Armadas, é pedra. Na Cúria como “com este governo que só vê economia”. “Este Papa não convida ao politicamente correcto. Pede inteligência para penetrar a realidade à medida que esta se altera e evolui. Por exemplo, os cardeais falam dos jovens como revolucionários baratos sem interesse no trabalho de Deus e não é assim.” 

 4 e 5-Má coordenação e planos a mais 
 É uma doença que se cruza com a actividade excessiva. Frei Bento sublinha que estas 15 doenças enumeradas são uma só, a hierarquia imutável da Igreja, e que o Papa já as delineara no seu Evangelho da Alegria. “Mas perante as resistências e a má-língua decidiu pôr o dedo na ferida, para fazer doer, para que a Cúria acorde para as suas raízes, as de Jesus Cristo, de servir os que mais precisam.” 

 6-Alzheimer espiritual 
“OPapa teve uma táctica fantástica, que foi começar por si próprio, seguindo a simplicidade na sua vida, nas suas acções, vendo o mundo com os olhos com que Jesus Cristo viu o mundo no seu tempo”, explica Frei Bento. Foi assim que o primeiro Papa latino-americano angariou simpatia entre variados grupos no mundo inteiro e “foi isto que ele pediu aos cardeais que façam”. 

 7-Rivalidades e vanglória 
A simpatia generalizada que Francisco angariou fez ferver muitos conservadores na Igreja, que ao invés de ajudar o Papa estão, nas palavras de Frei Bento, “a torpedeá-lo”. “Acabou de acontecer um momento histórico, que foi a viagem dele à Turquia. Há mil anos que o patriarca ortodoxo estava excomungado e ele foi lá e pediu-lhe a bênção. Isto irritou ainda mais estes círculos conservadores.” 

8-Esquizofrenia existencial 
A “varridela da Igreja de que estávamos a precisar”, diz Carreira das Neves, ataca uma Cúria “que vem da Idade Média” e onde “quem lá vive se habituou a ter um estatuto especial”. Francisco acaba por ser o primeiro a combater esta esquizofrenia existencial e faz desta mensagem uma dirigida a toda a humanidade. “Antes de sermos católicos, cristãos, muçulmanos, somos pessoas”, defende o padre. 

9-A má-língua e os boatos 
 Os três teólogos citam o recente sínodo como outro exemplo que, a par desta mensagem aos cardeais, mostra que Francisco “tem opositores mas não está preocupado com isso”, como refere o padre Carreira das Neves. “Há muitas resistências organizadas no Vaticano”, acrescenta D. Januário. “E em Portugal deve haver também muitos que não receberam bem esta mensagem.” 

10-Desafiar a liderança 
 Como outras mensagens e posições assumidas por este Papa, também esta “terá certamente opositores”, no Vaticano como na conferência episcopal portuguesa e em todo o mundo católico, diz Carreira das Neves. Francisco já tinha enumerado esta e as outras doenças, mas contra os ouvidos moucos de muitos, decidiu falar directamente sobre a cegueira dos que se julgam poderosos.

11-Indiferença para com os outros 
 Esta será talvez uma das doenças citadas pelo Papa que melhor congrega o grande problema que a Igreja Católica enfrenta hoje em dia. “Temos todos de nos pôr na vida e no papel de servidores dos que mais precisam, dos pobres e excluídos, da comunidade. E hoje o que temos é uma hierarquia que em vez de prestar esses serviços é uma autoridade indiferente aos outros”, diz Frei Bento. 

12-Cara de funeral ou inferiorização 
A expressão “cara de funeral” serve para ilustrar a postura superior de muitos dentro da Igreja Católica. O Papa Francisco, diz o padre e teólogo Carreira das Neves, “quer que, do Papa aos bispos, todos se encarem como pessoas normais”, como aqueles que deveriam servir. “O pessimismo estéril é um sintoma do medo e da insegurança dentro de si próprios.” Palavra de Papa. 

13-Acumulação de coisas 
A referência a esta doença, aos olhos de D. Januário Torgal Ferreira, “é uma crítica aos que vivem para os seus próprios interesses”. Não se fala aqui apenas de coisas materiais. “São palavras contra o egoísmo”, explica o bispo português. “Contra os que vivem dos títulos que recebem, das peneiras que os aplausos lhes trazem. Dos que vivem de coisas baratas que são o seu verdadeiro Deus.” 

14-Círculos fechados 
“Os cardeais sabiam quem estavam a nomear, porque este Papa já tinha esta postura nos debates que precederam a eleição”, refere Frei Bento. Ainda assim, existem círculos herméticos e conservadores no Vaticano sempre prontos a criticar. “Quando os cardeais achavam que iam receber a bênção de Natal levam com esta saraivada. Foi um abanão tremendo para todas as estruturas da Igreja.”

15-Exibicionismo e lucro global 
 É o tal carreirismo que todos os teólogos citam como endémico na Igreja, aos que vivem agarrados ao poder. “Isto foi uma crítica directa aos que procuram fazer carreira, que não se mexem, que estão, digamos, como lapas ali colados ao Vaticano”, explica Frei Bento. “[Os cardeais] são magnatas quando deviam estar ao serviço dos mais pobres, dos excluídos, de toda a comunidade.”

 * Um dos melhores documentos de marketing editados pela cúria do Vaticano, algo está a mudar. 


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