21/11/2014

NUNO CUNHA ROLO

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Os jogos da fome

Só há uma maneira eficaz e rápida de combatermos esta fome de virtudes: mudar as regras dos jogos de poder. Para quem julgava cara a separação entre política e negócios, pois bem, a factura aumentou: para além de políticos, empresários e banqueiros, chegou a hora de se alargar a defesa deste princípio ético aos dirigentes da Administração Pública. São estas duas, as lições a retirar deste caso dos Vistos Dourados.

A demissão de Miguel Macedo é oportuna e recta, e até pode ser uma jogada estratégica para o próprio ou mesmo de auto-ajuda para o Governo, mas, se a demissão afasta a mancha sobre o Governo, não sobrevive à percepção negra generalizada sobre o Estado, a Administração Pública e as recentes políticas e preconceitos governamentais e mediáticos dirigidos à Função Pública, seus funcionários, e ao serviço público.

A par do Estado e demais instituições públicas, as elites públicas estão a degradar-se, quando, sobretudo na era da desburocratização, simplificação e ‘outsourcing' da administração e serviços públicos, elas são mais necessárias. E estão a degradar-se por dentro, por via de um sistema autopoiético de jogos, conluios, amiguismos, facilitadores e intermediários, que se auto-reproduz, precisamente pela contratualização de redes e favores informais através do preenchimento de lugares, que não só afasta o mérito, como dificulta e afasta os melhores e mais dedicados líderes à causa pública, que não têm fome de poder(es), estatuto ou carreirismo.

É certo que este prisma de governância pública é apenas um corolário desta predita tragédia, mas tão certo quanto o definhar das lideranças públicas. Faltam referências éticas, ligações limpas e transparência e integridade na acção e vida públicas e administrativas. Só há uma maneira eficaz e rápida de combatermos esta fome de virtudes: mudar as regras dos jogos de poder. Para começar, pelo princípio: criar um programa governamental visionário, codificado, prioritário e participado de boa governação pública para o país.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
 20/11/14




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