O Muro de Berlim
Era novembro de 1989, caía a barreira física durante a Guerra Fria entre
os mundos totalitário e o democrático, recebemos a notícia em casa no
alvoroço doméstico dos 13 anos que então nos separavam da rutura com o
movimento leninista-maoista.
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Os 13 anos da nossa filha adolescente
rebelde, indiferente ao acontecimento. Ainda assim, quisemos olhá-la em
silêncio nessa altura única de acreditarmos no futuro, sem as
barbaridades dos regimes marxistas-leninistas, sem a crueldade da
guerra, sem as brutalidades assassinas da vida e da felicidade das
pessoas, sem a pobreza e humilhação fabricada pelos regimes injustos.
Talvez ela pudesse viver ainda numa democracia sem muros.
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No fim do ano de 2002, na ressaca de certos acontecimentos
profissionais, o Zé Luís levou-me a Berlim onde ficámos num hotel na
Alexanderplatz, na zona oriental, visitámos o gigantesco cemitério dos
judeus, o Check Point Charlie, sob uma vaga tristeza apesar de tudo.
Talvez fosse a ideia de se terem construído aos poucos outros muros invisíveis sem tijolos nem pedras: muros de intolerância, incompetência, falta de liberdade de agir, nepotismo, poderes políticos arrogantes, sem escrutínio público, alimentados de clientelismo e cobardia. Mesmo assim reconfortava-me a ideia de poder lutar por uma sociedade reconhecedora do mérito individual, por uma justiça capaz de simbolizar um travão contra a corrupção e a fraude. Nada disso aconteceria.
Talvez fosse a ideia de se terem construído aos poucos outros muros invisíveis sem tijolos nem pedras: muros de intolerância, incompetência, falta de liberdade de agir, nepotismo, poderes políticos arrogantes, sem escrutínio público, alimentados de clientelismo e cobardia. Mesmo assim reconfortava-me a ideia de poder lutar por uma sociedade reconhecedora do mérito individual, por uma justiça capaz de simbolizar um travão contra a corrupção e a fraude. Nada disso aconteceria.
Construíram-se aos poucos outros muros invisíveis sem tijolos.
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Segundo um estudo inédito, de investigadores de sociologia numa
universidade estrangeira sobre as variações na promoção pelo mérito nos
países em vias de desenvolvimento, apenas 8% das pessoas oriundas das
classes trabalhadoras conseguem singrar numa carreira pública mediante
concurso, enquanto 72% são colocadas por ligações familiares ou
partidíárias, sem concurso nenhum, sendo que as 20% que se submetem a
concursos raramente são admitidas - em geral os concursos destinam-se a
formalizar a admissão de gente colocada antecipadamente, por cunhas. O
estudo concluiu pela existência de um forte nepotismo impeditivo do
desenvolvimento económico, uma vez que os mecanismos de concorrência são
rejeitados por estas sociedades viscosas, com consequências nefastas.
A pior parte do estudo refere o papel catalisador da classe política
nestes mecanismos: aparentemente a aprendizagem profissional exigível
passa por fidelidades partidárias e 85% dos cargos importantes na
administração pública ou empresas de Estado são de distribuição em
regime de quota partidária ou análoga. Revela também a difusa influência
negativa desta organização social no modo de funcionamento dos tribunais
e na total ausência de prestação de contas políticas. Os mecanismos da
corrupção moral e política ergueram um gigantesco muro.
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Muitos anos depois, a minha filha e o meu genro ganham a vida com o seu
trabalho independente, nunca pediram nada a ninguém, são de um orgulho
feroz e nem querem ouvir falar de política. Quanto aos muros invisíveis,
esses, continuam perigosamente altos.
IN "EXPRESSO"
15/11/14
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