20/11/2014

MARIA JOSÉ MORGADO

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O Muro de Berlim


Era novembro de 1989, caí­­a a barreira fí­­sica durante a Guerra Fria entre os mundos totalitário e o democrático, recebemos a notí­cia em casa no alvoroço doméstico dos 13 anos que então nos separavam da rutura com o movimento leninista-maoista.
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Os 13 anos da nossa filha adolescente rebelde, indiferente ao acontecimento. Ainda assim, quisemos olhá-la em silêncio nessa altura única de acreditarmos no futuro, sem as barbaridades dos regimes marxistas-leninistas, sem a crueldade da guerra, sem as brutalidades assassinas da vida e da felicidade das pessoas, sem a pobreza e humilhação fabricada pelos regimes injustos. Talvez ela pudesse viver ainda numa democracia sem muros. 
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No fim do ano de 2002, na ressaca de certos acontecimentos profissionais, o Zé Luí­­s levou-me a Berlim onde ficámos num hotel na Alexanderplatz, na zona oriental, visitámos o gigantesco cemitério dos judeus, o Check Point Charlie, sob uma vaga tristeza apesar de tudo. 

Talvez fosse a ideia de se terem construí­­do aos poucos outros muros invisí­veis sem tijolos nem pedras: muros de intolerância, incompetência, falta de liberdade de agir, nepotismo, poderes polí­­ticos arrogantes, sem escrutí­­nio público, alimentados de clientelismo e cobardia. Mesmo assim reconfortava-me a ideia de poder lutar por uma sociedade reconhecedora do mérito individual, por uma justiça capaz de simbolizar um travão contra a corrupção e a fraude. Nada disso aconteceria. 
Construí­ram-se aos poucos outros muros invisí­­veis sem tijolos.
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Segundo um estudo inédito, de investigadores de sociologia numa universidade estrangeira sobre as variações na promoção pelo mérito nos paí­­ses em vias de desenvolvimento, apenas 8% das pessoas oriundas das classes trabalhadoras conseguem singrar numa carreira pública mediante concurso, enquanto 72% são colocadas por ligações familiares ou partidíárias, sem concurso nenhum, sendo que as 20% que se submetem a concursos raramente são admitidas - em geral os concursos destinam-se a formalizar a admissão de gente colocada antecipadamente, por cunhas. O estudo concluiu pela existência de um forte nepotismo impeditivo do desenvolvimento económico, uma vez que os mecanismos de concorrência são rejeitados por estas sociedades viscosas, com consequências nefastas. 

A pior parte do estudo refere o papel catalisador da classe polí­tica nestes mecanismos: aparentemente a aprendizagem profissional exigí­vel passa por fidelidades partidárias e 85% dos cargos importantes na administração pública ou empresas de Estado são de distribuição em regime de quota partidária ou análoga. Revela também a difusa influência negativa desta organização social no modo de funcionamento dos tribunais e na total ausência de prestação de contas polí­ticas. Os mecanismos da corrupção moral e polí­­tica ergueram um gigantesco muro. 
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Muitos anos depois, a minha filha e o meu genro ganham a vida com o seu trabalho independente, nunca pediram nada a ninguém, são de um orgulho feroz e nem querem ouvir falar de polí­­tica. Quanto aos muros invisí­­veis, esses, continuam perigosamente altos. 

IN "EXPRESSO"
15/11/14

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