Entre o remendo
e a alternativa
A vitória de
António Costa nas "diretas" promovidas pelo Partido Socialista dá-se num
momento em que o socialismo democrático enfrenta o maior desafio da sua
história. Um desafio que vai decidir o seu destino, ou seja, a sua
revitalização ou o seu progressivo desaparecimento.
Perante uma
crise do capitalismo como não se via desde os anos trinta do século
passado, que já vai no seu sexto ano, a verdade é que o socialismo
democrático não conseguiu até hoje esboçar sequer uma alternativa
consistente aos problemas que o mundo atual nos coloca. Quando muito
sugerem-se nuances e remendos, a reboque do discurso dominante: para o
perceber, basta ler o "manifesto" que o Partido Socialista Europeu
apresentou às eleições europeias de maio passado.
O que a muitos
pareceu poder ser uma estimulante exceção, a vitória de François
Hollande em França, em 2012, cedo se dissipou numa cacofonia
desarticulada que no último domingo conduziu os socialistas franceses a
mais uma derrota, agora nas eleições para o Senado, com a França a
resvalar cada vez mais para a direita.
E se olharmos para outras
eleições que ocorreram em setembro, na Suécia, na Nova Zelândia ou na
Alemanha, os dados vão todos no mesmo sentido: na Suécia, uma referência
histórica do socialismo democrático, as eleições de 14 de setembro
ditaram um regresso ao poder dos socialistas, é certo, mas com o segundo
pior resultado desde 1914, um resultado minoritário que os deixou nas
mãos de uma frágil associação com os partidos "burgueses" e com os
verdes.
Na Nova Zelândia, a 20 de setembro, o Labour ficou pelos
24,7%, piorando os seus resultados de 2011 e aproximando-se de valores
que só conheceu nos anos vinte do século passado. E na Alemanha, nas
três eleições regionais realizadas - Saxónia, Turíngia e Brandeburgo -,
só no primeiro caso os social-democratas melhoraram ligeiramente os seus
resultados, nos outros dois continuaram a baixar os seus valores. O que
em todas elas subiu foi a Alternativa para a Alemanha, formação que
defende o fim do euro.
Há pois que reconhecer que existe um
verdadeiro problema de fundo e não de circunstância com o projeto
socialista democrático: negá-lo é desonesto, ignorá-lo é estúpido. Não
basta hoje defini-lo pela defesa de tudo aquilo que a globalização veio
pôr em causa. Nem colocá-lo como refém de um Estado imaginário que se
fragiliza mais a cada dia que passa, de uma soberania que tomou a forma
de um lamento nostálgico ou de uma idealizada cidadania europeia que
ninguém pratica.
Por sua vez, a ideologia conservadora e liberal,
que se tornou cada vez mais liberal e cada vez menos conservadora, não
tem este tipo de problemas: basta-lhe a identificação com o "ar dos
tempos", com um progresso tecnológico que a todos fascina e com uma
modernidade transformada em palavra mágica que tudo resolve.
O
problema que se põe hoje ao socialismo democrático é, pois, muito
difícil de resolver, sobretudo porque ele se encontra desprovido dos
dois elementos que tradicionalmente melhor o definiam: um modelo
ideológico coerente, credível e bem diferenciado, mas também um
eleitorado fiel e facilmente identificável.
O que aconteceu foi
que na última década do século passado se interpretou erradamente a
queda do Muro de Berlim e não se percebeu a natureza, o alcance e os
efeitos da globalização. Ao mesmo tempo, o socialismo democrático
deixou-se manietar pela ilusão de uma construção europeia que, na
realidade, se edificou no sentido contrário ao das suas promessas de
crescimento, de convergência e de solidariedade. Ilusão sempre "dopada",
quando o que ela devia ter sido era bem analisada e substituída a tempo
por uma visão realista da Europa.
Ilusão que permanece, tomando
agora a forma da miragem que será possível encontrar ao nível europeu a
resposta que ninguém vislumbra ao nível nacional. Mas não vai - e, por
isso, a questão que honestamente se impõe aos socialistas democráticos é
a de saber se não terá sido precisamente a integração europeia, devido
às modalidades escolhidas para a sua concretização, um dos fatores que
mais conduziram ao bloqueio do seu modelo ideológico e político.
Só
com uma nova cultura política - novas ideias, novo vocabulário, novas
ambições - é que o socialismo democrático será capaz de contrariar a
atual hegemonia da ideologia liberal financista dominante. Sem ela,
continuaremos nos remendos, longe de qualquer alternativa real.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
02/10/14
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