ECONOMISTA À PAISANA
Contabilidade sexy
O negócio das previsões económicas é glamoroso q.b., sobretudo se se
trata de prever acontecimentos fora do habitual. Mas também é conhecido
por ser muito falível, ocasionalmente em proporções épicas.
Na próxima quarta-feira, economistas profissionais e amadores irão
debruçar-se sobre as tabelas do documento mais importante do ano, os
seus gráficos, os mapas anexos e dedicar horas infinitas a inundar o
mundo real e virtual de análises ao OE 2015. Muitos já começaram a
preparar este dia, com a mesma (ou maior intensidade) com a que preparam
um encontro romântico. Agitam-se em frente a folhas de cálculo, revêem o
orçamento do ano passado, lêem as notícias, tentam antecipar o que será
o resultado, queixam-se da falta de informação, de transparência e
comentam que todos os anos os sucessivos Governos erram as previsões
macroeconómicas.
O Economista à paisana não é superior a esta
histeria económica colectiva e irá agitar-se da mesma maneira. Mas a
esta distância do acontecimento, ainda conseguiu meditar de forma
crítica sobre os princípios fundamentais do exercício de previsão de
forma geral e do orçamento em particular.
O negócio das previsões económicas é glamoroso q.b., sobretudo quando
se trata de prever acontecimentos um bocado fora do habitual, por
exemplo quem será o prémio Nobel da Economia anunciado na próxima
segunda-feira. Mas também é reconhecido por ser frequentemente falível,
ocasionalmente em proporções épicas. O falhanço mais notório foi o de
Fisher, que por sinal é amplamente estudado nas faculdades de economia
em todo o mundo por vários avanços que trouxe à ciência económica, mas
que declarou duas semanas antes do crash bolsista de 1929 que as acções
tinham atingido um permanente nível elevado. Esta previsão errada
destruiu-lhe a reputação e a carteira e ele acabou por morrer na
pobreza.
A análise sobre as dificuldades de fazer previsões é por isso um tema
recorrente entre economistas. E embora haja melhorias notórias na
qualidade das previsões, continua a ser uma actividade fundamentalmente
afectada pela inconstância do comportamento humano, a dificuldade em
isolar os diferentes elementos que queremos prever da evolução das
próprias instituições e pela ausência de dados fiáveis que meçam aquilo
que nós queremos efectivamente prever.
Este último ponto é crucial. Os dados de que dispomos para analisar e
prever são muitas vezes incompletos e por vezes até errados. Por
exemplo, os dados do PIB, que são os mais cuidadosamente compilados
pelos institutos de estatística mundiais, padecem de enormes
insuficiências. O novo sistema de contas europeu que foi aprovado em
2010 e está a ser agora introduzido em toda a União Europeia com o nome
de guerra SEC2010, vai finalmente categorizar o investimento em
investigação e desenvolvimento feito pelas empresas… como investimento!
Porque antes era classificado como consumo intermédio, mais ou menos ao
nível da banana.
Vai ser feito também um esforço mais sério de incluir nas contas a
economia paralela, nomeadamente através da inclusão do valor
acrescentado em actividades ilegais, como é o caso da prostituição e do
tráfico de droga. Em Portugal, o INE estima que essas actividades
atinjam cerca de 0,4% do PIB.
No que diz respeito ao orçamento, esta última semana também foi rica
em publicação de documentos longos com títulos aborrecidos mas que são
fundamentais para analisar a utilidade e a qualidade dos dados. O FMI em
particular escreveu um relatório de oitenta páginas dedicado à
transparência fiscal em Portugal. Por exemplo, no relatório o FMI
recomenda que o Governo faça uma análise explícita do impacto que poderá
ter o envelhecimento da população nos sistemas de pensões, o que não é
feito desde 2012.
Por isso, para aperfeiçar a ciência da previsão e crítica construtiva, o Economista à paisana
recomenda que se debruce na contabilidade nacional com a mesma paixão
avassaladora que nos irá certamente assaltar para comentar o Orçamento
do Estado de 2015.
O Economista à Paisana é um coluna quinzenal de Inês Domingos
onde a autora explora temas do quotidiano vistos da perspectiva de uma
economista
IN "OBSERVADOR"
10/10/14
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