HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
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A "casa das máquinas" da UE
Todos os dias, milhares de funcionários
deslocam-se às diferentes direcções gerais e departamentos da Comissão
Europeia para trabalharem em prol do interesse público europeu. Mas quem
são os trabalhadores da função pública europeia? Que tarefas têm? Dias
antes do fim da Comissão Barroso, fomos espreitar a "casa das máquinas
da UE".
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É pelas 8h30 que Paula Pinho costuma
chegar ao seu gabinete no 9.° andar do Berlaymont, o famoso edifício "em
estrela" da capital belga, sede da Comissão Europeia (CE). Membro do
gabinete do comissário alemão até agora responsável pela Energia,
Gunther Oettinger, esta funcionária portuguesa, há 14 anos na CE,
garante que não há um dia típico, "ou melhor, a regra é que não haja
dois dias iguais". O trabalho de assessoria e aconselhamento com os
outros serviços é feito sobretudo em inglês, mas, nas reuniões internas
do gabinete, fala-se em alemão, a língua estrangeira que melhor domina.
.
O trabalho em equipas multinacionais, com recurso a várias
línguas, é também o quotidiano de Pedro Velasco Martins no seio da
direcção geral do Comércio da CE, em frente ao Berlaymont. Chefe de
unidade adjunto, responsável pelas questões de propriedade intelectual e
contratos públicos, está na Comissão desde 1996 e acompanha todas as
negociações com países terceiros naquelas áreas.
Ser
poliglota é, afinal, traço comum destes funcionários da UE, numa Europa
com 24 idiomas oficiais. Ao todo, a função pública comunitária tem
cerca de 55 mil trabalhadores (funcionários e pessoal externo) em 60
instituições, organismos e agências da União. Comissão, Conselho e
Parlamento são os mais visíveis, mas há outros departamentos e
instituições, tais como o Serviço Europeu de Acção Externa (o serviço
diplomático da UE) e o Tribunal de Justiça. As despesas com a função
pública - salários, edifícios, informática, equipamentos, tradução -
representam 6% do orçamento anual da UE (8 mil milhões de euros).
É na Comissão, órgão executivo da UE, que trabalha o maior
contingente: são 33.039 cidadãos dos 28 Estados-membros, entre
funcionários, agentes e pessoal externo, peritos nacionais, de
diferentes horizontes culturais e sociais. No total, as mulheres
constituem 55% do pessoal da CE.
É essencialmente no designado "bairro europeu" de Bruxelas que
Pedro Velasco Martins, Paula Pinho e a maior parte das pessoas da CE
trabalham. Encontram-se espalhadas por dezenas de edifícios: no total,
são 40 direcções gerais, serviços e outros departamentos. Existem alguns
serviços no Luxemburgo e em Itália, e centros de investigação na
Bélgica, Alemanha, Holanda e Espanha. Sem esquecer as representações da
CE em cada Estado-membro e as 130 delegações (embaixadas) no mundo.
A Comissão refuta que sejam demasiados funcionários. Trinta mil
pessoas é, por exemplo, inferior ao número dos que trabalham no
município de Estocolmo (40 mil); e equivale apenas a três vezes os
postos ocupados na Câmara Municipal de Lisboa, em 2014. "Servimos 500
milhões de pessoas", afirma Antony Gravili, porta-voz do comissário da
Administração. "O número é pequeno, comparado com o do pessoal dos
ministérios de alguns Estados-membros e, tendo em conta as funções da
Comissão", corrobora Sonia Piedrafita, investigadora no Centro de
Estudos Políticos Europeus, um think tank em Bruxelas.
Quem são os funcionários europeus?
A Comissão
está dividida em serviços e direcções gerais, equivalentes aos
ministérios: agricultura, indústria, comércio, etc. Em cada um dos
serviços, o pessoal reparte-se em diferentes categorias, tarefas e
escalões. Assistentes-secretários, assistentes (trabalho
técnico/administrativo), passando por administradores (responsáveis pela
elaboração de políticas, aplicação da legislação, análise, assessoria),
até aos funcionários de topo, directores e directores gerais. Acima, a
liderança política: os comissários e o presidente do executivo.
Ser poliglota é traço comum destes funcionários da UE, numa Europa com 24 idiomas oficiais.
Ao todo, a função pública comunitária tem cerca de 55 mil trabalhadores. É na Comissão, órgão executivo da UE, que trabalha o maior contingente: são 33.039 cidadãos dos 28 Estados-membros.
Ao todo, a função pública comunitária tem cerca de 55 mil trabalhadores. É na Comissão, órgão executivo da UE, que trabalha o maior contingente: são 33.039 cidadãos dos 28 Estados-membros.
Cada instituição é responsável pelo recrutamento do seu pessoal,
mas existe um âmbito jurídico comum consagrado no "estatuto do
funcionário" e regime do pessoal. O salário de um funcionário varia
entre os cerca de 2600 e os 18 mil euros brutos, consoante a função,
anos de serviço, experiência, e nível de responsabilidades.
E qual o perfil dos que concorrem à função pública da UE? A
grande maioria dos candidatos expatriados, "quase metade do pessoal vem
das profissões liberais", explica Gravili. "Muitos juristas,
economistas, mas também cientistas". "Muitos já tinham uma carreira
profissional", sublinha. Antony Gravili garante que os concursos são
muito estritos por forma a certificar que são os melhores candidatos a
obter os postos.
Se tivermos como referência os currículos dos actuais 36
directores gerais (DG) da CE, constata-se que a grande maioria tem
vários diplomas, um percurso profissional anterior, e há ainda quem
tenha passado pelo mundo académico, instituições internacionais ou
nacionais. Neste momento, Portugal tem dois directores-gerais à frente
dos serviços da Mobilidade e Transportes e do Desenvolvimento e
Cooperação.
Actualmente, há 875 portugueses nas várias categorias a trabalhar
na CE, cerca de 2,6% do total. Os países com mais funcionários e
pessoal são a Bélgica, e países de maior dimensão como Itália, França ,
Alemanha, Polónia, Roménia e Reino Unido. No outro extremo, estão países
como a Croácia, Luxemburgo, Malta e Chipre.
Funções no dia a dia
As tarefas da CE são
idênticas às de um governo: poder de iniciativa legislativa, guardião
dos Tratados, gestão do orçamento da União e das políticas,
representação da UE na cena internacional. Para o presidente cessante,
Durão Barroso, a Comissão é a "casa das máquinas" da Europa, como
sublinhou numa mensagem aos funcionários, enaltecendo a sua "entrega e
profissionalismo".
Quando o projecto europeu foi lançado, os países privilegiaram
sobretudo as relações económicas e comerciais. Mas o grau de integração
política foi aumentando, as competências da UE ampliadas e os
alargamentos sucederam-se (as últimas adesões implicaram a entrada de
6.700 funcionários e pessoal daqueles países).
Hoje, a UE está presente em inúmeros domínios do dia-a-dia: ambiente,
segurança, agricultura, justiça, etc. Excessivamente técnica? "Bem, a
Comissão tem um papel peculiar. Como detentora de iniciativa legislativa
e guardiã dos Tratados, o seu trabalho implica um grau de
especialização técnica muito elevado", afirma Sonia Piedrafita. "As
direcções gerais sim, são especializadas como os ministérios", bem como
os grupos de trabalho que a CE consulta antes de avançar com iniciativas
legislativas. Mas a investigadora ressalva que, actualmente, as
decisões estão mais politizadas, já que as políticas europeias afectam
mais os cidadãos.
Se a nível das direcções gerais da CE, o acompanhamento
específico de cada área implica uma tarefa técnica especializada, nos
gabinetes dos comissários a função foca-se na análise política e
assessoria. "O meu trabalho passa muito por aconselhar o comissário na
sua área mas também em outras áreas que, não sendo da sua competência
principal, são cobertas pelo colégio de comissários", explica Paula
Pinho. Daí que acompanhe diariamente as questões relacionadas com
comércio, segurança alimentar, relações externas, além da energia. Isso
obriga-a a estar "operacional 24 horas/dia e 7 dias/semana", com
telemóvel ligado, e a consultar frequentemente o "e-mail" também aos
fins-de-semana, já que, por vezes, é necessário responder a questões
imprevisíveis e urgentes.
Paula Pinho e os colegas de gabinete reúnem pelo menos duas vezes
por semana com o comissário para prestar aconselhamento, preparar
decisões, encontros e a agenda. Foi, essencialmente, o idealismo pelo
projecto europeu que a motivou a concorrer à função pública europeia. E,
nesse sentido, trabalha dia-a-dia, considerando uma mais-valia uma
administração comunitária que permita à Europa falar a "uma só voz" em
áreas fundamentais e de actualidade, tais como a segurança energética.
Mas não só de assessoria política é feito o trabalho no
quotidiano. Uma das áreas em que a UE desempenha hoje um papel
fundamental (competência exclusiva da União) é o comércio internacional,
sendo a CE a negociar em nome dos Vinte e Oito os acordos com
terceiros. Nos últimos meses, Pedro Velasco Martins tem estado absorvido
pelas negociações com os Estados Unidos para um Acordo de Comércio e
Investimento (o famoso TTIP). Entre duas rondas negociais com os EUA,
presta ainda apoio à comissária indigitada para a pasta no novo
executivo, e ao comissário cessante. Tem ainda a gestão da sua equipa de
18 pessoas e, de novo, volta às negociações de acordos comerciais com
vários outros países.
"Queremos abrir mercados para os produtores europeus mas também
queremos regras que protejam os nossos produtos nesses países", afirma.
No fundo trata-se também de "exportar regras europeias" para defender o
valor acrescentado dos produtos da UE. Negociar em nome da União na área
da propriedade intelectual é, por vezes, "difícil", reconhece Pedro
Velasco Martins. "Uma das questões mais importantes é encontrar um justo
equilíbrio entre as partes".
Assim é, também, o dia a dia dos funcionários europeus: gerir a
globalização, dentro e fora de fronteiras da UE, num contexto de poderes
e responsabilidades reforçadas da Comissão Europeia.
* E são cada vez mais "tenebrosas" as provas de acesso para os lugares de funcionário.
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