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Espírito Santo usou uma sociedade suíça para tirar 800 milhões de euros do BES
No conselho superior, Ricciardi descreveu o esquema com a Eurofin como uma “fraude”. Salgado admitiu que o presidente daquela sociedade suíça tinha feito “um jeitão ao grupo”
Durante
as reuniões do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (GES), Ricardo
Salgado confessou que a sociedade suíça especializada em serviços
financeiros Eurofin Securiti tinha comprado obrigações do banco e que
Alexandre Cadosch, presidente da sociedade, fazia “um jeitão ao grupo em
várias áreas”. José Maria Ricciardi acabaria, mais tarde, por
referir-se ao esquema como uma “fraude” que acabaria por causar “um
prejuízo brutal no BES” e precipitar a intervenção do Estado no banco.
De acordo com informações recolhidas pelo i, o Departamento Financeiro
de Mercados e Estudos do Banco Espírito Santo (BES) – controlado pelo
administrador Amílcar Morais Pires e pela directora financeira Isabel
Almeida – usou em 2014 uma série de sociedades-veículo criadas pela
Eurofin – mas que se suspeita serem controladas pelo BES – numa operação
que visou retirar 800 milhões de euros do banco para pagar dívida do
grupo.
O i não conseguiu contactar Morais Pires e Isabel Almeida. Ricardo Salgado não respondeu às perguntas enviadas por email.
A história da alegada fraude conta-se num esquema triangular.
Primeiro, o BES emite obrigações cupão zero a 40 anos. As obrigações
cupão-zero não têm um juro associado – o juro está incluído na diferença
entre o preço da emissão e o valor do reembolso –, o que neste caso, e
atendendo ao prazo de maturidade, fazia com que tivessem um juro
implícito de 7%. Essas obrigações chegam depois a clientes do BES com
gestão discricionária de carteiras, através de quatro sociedades veículo
usadas pela Eurofin, mas desta vez a um preço mais baixo: neste momento
a taxa passa a ser de 4%. Entre um momento e outro, a operação terá
gerado mais valias que terão servido para abater dívida de holdings do
GES. Mas nesta altura o que era lucro para o grupo era, na verdade,
prejuízo contabilístico para o BES. No final, uma última acção do BES
transformou essas perdas potenciais em perdas reais para o banco:
durante o mês de Julho, quando os Espírito Santo tinham todas as
indicações de que iriam ser afastados do banco, o BES desatou a
recomprar aqueles instrumentos de dívida. A operação causou um prejuízo
enorme que viria a ser detectado nas contas semestrais do banco e que
levaria ao colapso do GES.
Só as relações triangulares entre o BES, o GES e a Eurofin
determinaram um registo de perdas nas contas do Banco Espírito Santo no
valor total de 1249 milhões de euros.
O “Expresso” descreveu em Agosto um esquema semelhante ao agora
revelado pelo i, que terá representado uma perda de 254 milhões para o
BES.
Poderia o banco ter emitido dívida directamente junto dos clientes?
Poderia. Mas se o fizesse não teria conseguido criar o alegado lucro
fictício que durante meses terá servido para diminuir o passivo das
holdings do GES. Nem tão pouco conseguiria disfarçar que a sociedade
suíça Eurofin seria apenas uma plataforma para ocultar que aqueles
rendimentos estavam, afinal, a ser retirados do BES.
Recorde-se que
no âmbito do plano de ring fencing, o Banco de Portugal tinha dado
instruções claras no final de 2013 para que o BES não ficasse exposto às
dívidas do grupo.
“Fizeram uma fraude” A 24 de Julho, dia em que Salgado foi detido
para um longo interrogatório do juiz Carlos Alexandre, José Maria
Ricciardi lançou o tema na reunião de emergência marcada pelo Conselho
Superior do Grupo Espírito Santo. No dia em que praticamente todos os
elementos da família voltaram as costas a Ricardo Salgado, o primo
Ricciardi afirmou: “Hoje soube aí de uns assuntos que já desconfiava.
Essa massa toda que veio da Eurofin foi toda introduzida
fraudulentamente pelo DFME (Departamento Financeiro de Mercados e
Estudos do BES). São uns valores absolutamente astronómicos. A Isabel
Almeida parece que confessou. Aquele dinheiro que veio da Eurofin para a
conta escrow (conta exigida pelo BdP para o reembolso do papel
comercial) parece que é tudo prejuízo do BES. Emissões de obrigações
depois recompradas… aquilo é uma conta astronómica. Centenas de milhões
de euros que vinham para a escrow account e que era prejuízo do BES.”
A uns dias da queda oficial do império Espírito Santo, fez-se luz na
cabeça de alguns dos elementos da família presentes: “Bem que o BdP
quando ia lá estava sempre a perguntar pela Eurofin.” Ricardo Abecassis
Espírito Santo, representante dos negócios da família no Brasil, afirmou
que “o BES fazia operações que geravam prejuízo” e José Maria Ricciardi
assumiu que se tratava de uma fraude: “Aquilo era uma caixa negra.
Desde Janeiro deste ano até terem saído fizeram uma fraude. Criaram um
prejuízo brutal no BES para fingir que era a Eurofin que pagava dinheiro
de volta.”
Quando, a 3 de Agosto, Carlos Costa apresentou a medida de resolução
para o BES, foi posto a nu o esquema que terá permitido ao GES ir
abatendo dívida do ramo-não financeiro, violando determinações do Banco
de Portugal (BdP). O governador do BdP revelava que, na segunda metade
de Julho, os auditores externos tinham identificado “operações de
colocação de títulos, envolvendo o Banco Espírito Santo, o Grupo
Espírito Santo e a Eurofin Securities, que determinaram um registo de
perdas nas contas do Banco Espírito Santo no valor total de 1249 milhões
de euros, com referência a 30 de junho de 2014”.
O “jeitão” de Cadosch Meses antes de a sociedade com sede em
Lausanne, na Suíça, ter sido envolvida publicamente no colapso do GES,
já alguns elementos da família questionavam as operações entre o GES e a
Eurofin. Estas eram tão secretas que alguns Espírito Santo as
descreviam como uma “caixa negra”.
A 9 de Dezembro de 2013, as antenas voltaram-se para a Eurofin assim
que Joaquim Goes, então administrador do BES, referiu, numa apresentação
com previsões sobre as contas do grupo, que estavam à espera nos
primeiros meses de 2014 de pelo menos dois reembolsos – no valor de 400
milhões de euros cada – daquela sociedade suíça.
Ricardo Abecassis Espírito Santo, então líder do BESI Brasil, foi o
primeiro a questionar: “Pela apresentação do Joaquim Goes ouvi que há
400 milhões que vêm da Eurofin. A Eurofin para mim é uma caixa preta,
nem entendo bem o que é que se passa lá dentro.” Salgado começou por
confessar a ligação a Alexandre Cadosch, presidente da Eurofin e
ex-quadro do GES: “O sr. Alexandre Cadosch estabeleceu uma organização
há muitos anos e há N soluções que houve aqui aqui no banco que passaram
pela estrutura do Cadosch.” Abecassis insistiu – “Mas porque é que
havemos de ter 400 milhões vindos do Cadosch?” – e Salgado respondeu.
“Porque investimos em instrumentos financeiros deles. Isto trata-se da
revenda desses instrumentos financeiros.”
Abecassis, acreditando que os 800 milhões serviriam de facto para
amortizar dívida da Espírito Santo International (ESI) e de outras
holdings do GES, e partindo do princípio de que o Banco de Portugal
obrigava o grupo a reembolsar o quanto antes a dívida emitida em papel
comercial no retalho, sugeriu: “Então mas se os 800 puderem entrar já a
gente já cobre grande parte do papel comercial.” O então líder do BES
disse que não era possível: “Não vem já, vem aos bocados.” Tanto
mistério voltou a deixar Abecassis reticente: “Mas a gente não pode
saber que tipo de investimentos é que foram feitos?” Salgado remeteu
mais esclarecimentos para o administrador Amílcar Morais Pires e para a
directora financeira Isabel Almeida. “Não sei explicar em pormenor. Sei
que o Cadosch prestava um serviço ao grupo dando parte de alguns
activos… E ainda por cima tem lá 5% das acções da Finantial que não
podemos mostrar. O sr. Cadosh tem feito um jeitão ao grupo em várias
áreas. Mas se quiseres saber da articulação fala com eles.”
Abecassis manifestou desagrado por estar dentro do Conselho e não
poder fazer perguntas: “O Amílcar e a Isabel para mim são do banco, não
do grupo.” Salgado saltou em defesa dos seus funcionários: “E têm
ajudado muito o grupo. Tu se faz favor chamas o Amílcar e dizes que
gostavas de saber mais informações sobre isso. Houve emissões de
obrigações do banco que foram compradas, até certa altura funcionou, a
partir de certa altura deixou de funcionar. O que me dizem é que isso da
Eurofin será reembolsado.”
Joaquim Goes, que apresentava as previsões das contas aos elementos
do Conselho Superior do GES, não tinha dúvidas: “Uma das ameaças do
Ettric” – o exercício que passava a pente fino 12 grandes clientes
bancários, entre eles a Espírito Santo International – podia ser
precisamente a Eurofin.
As confissões feitas logo em Dezembro de 2013 numa reunião do
Conselho Superior do GES mostram que a relação entre o grupo e a Eurofin
era antiga e já levantava suspeitas entre alguns elementos da família. O
“Wall Street Journal” começou no último Verão a publicar uma série de
artigos, com base em emails internos e documentos, que colocam a Eurofin
num papel central de apoio às finanças dos Espírito Santo.
A 5 de
Agosto, Alexandre Cadosch negou o envolvimento da Eurofin no colapso do
GES, e o “Wall Street Journal” continuou a revelar que a empresa suíça
movimentou dinheiro entre entidades do GES “muitas vezes de forma que
era difícil pessoas que estavam de fora detectar”. No pico da crise
financeira, por exemplo, a Eurofin terá sido o único comprador de
obrigações do BES.
Posteriormente terá ajudado a “empacotar” dívida de várias empresas
do GES que foi vendida a clientes do banco. A Eurofin, segundo aquele
jornal norte-americano, também terá gerido uma série de fundos de
investimento que foram vendidos a clientes do Banque Privée, na Suíça.
No início de 2012, as operações terão levantado suspeitas junto do
Société Générale que, por essa data, terá parado de servir de
intermediário das operações.
* Ao pé de Salgado, D. Corleone anda de bibe.
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