Prova de vida
Os venenos de que
Maquiavel nos fala a propósito das maquinações políticas de César Bórgia
na Itália renascentista eram apenas de ação mais rápida do que a
denúncia a uma revista que despertou um episódio incómodo do passado do
primeiro-ministro (PM).
Quanto mais a longa amnésia do PM o faz empurrar
para o Parlamento, para a PGR, para o regaço protetor da Presidência da
República uma responsabilidade que é apenas sua, mais a letalidade do
veneno (sempre despejado na taça do príncipe por aqueles que lhe são
próximos) se manifestará como não tendo antídoto.
A PGR disse o óbvio:
um eventual ato ilegal que já prescreveu não pode ser investigado. A PGR
não pode também medir o grau de moralidade da conduta do PM (Kant
considerava até essa competência como fora do alcance das faculdades
humanas) nem lhe irá explicar que uma suspeita de ilegalidade prescrita
pode deixar um cidadão comum tranquilo, mas continua a ser uma ferida
aberta para um PM. É um princípio básico da ética pública.
Quem lançou
sobre os contribuintes um dilúvio fiscal ímpar, quem "vasculhou" nos
direitos constitucionais básicos dos cidadãos não pode esperar
complacência
com
qualquer laxismo no cumprimento estrito das suas obrigações como
deputado da Nação. O que está em causa na necessidade de suprir os
insuficientes esclarecimentos prestados pelo PM sobre a natureza dos
"reembolsos" recebidos enquanto era deputado em exclusividade não é um
striptease hostil à privacidade de um cidadão, mas sim a realização de
uma prova de vida à qualidade da nossa democracia.
Importa saber se
Portugal é um império da lei, ou se continuamos a merecer, como
lamentava Rodrigues Lapa em 1949, ser desprezados como "os cafres da
Europa".
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/09/14
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